Como Pericles Chamusca fez Al-Taawoun brigar com os times do governo saudita? Ele explicou à Trivela
Em entrevista exclusiva à Trivela, o técnico brasileiro Pericles Chamusca, do Al-Taawoun, falou como, em meio a Cristiano Ronaldo, Neymar e Benzema, faz seu time ser competitivo na Arábia Saudita
Abra nesse momento a tabela do Campeonato Saudita. Logo após os quatro times que receberam os maiores investimentos do governo da Arábia Saudita (Al-Hilal, Al-Nassr, Al-Ahli e Al-Ittihad), você verá um tal de Al-Taawoun na quinta colocação com 28 pontos, mesmo número do rival logo acima, que conta com Karim Benzema, N'Golo Kanté e outros. O clube citado é treinado por um brasileiro: Pericles Chamusca, que no Brasil tornou-se conhecido por conquistar a Copa do Brasil de 2004 com o Santo André, mas é no Oriente Médio onde ele fez mais sucesso e desde 2018 treina equipes da Arábia Saudita – antes do time atual passou por Al-Hilal, Al-Faisaly e Al-Shabab.
Chamusca atendeu a equipe da Trivela e concedeu uma entrevista por áudio via aplicativo de mensagens. Nesta primeira parte da conversa, o treinador falou de como tornou o Al-Taawoun uma equipe competitiva em meio aos craques europeus dos quatro clubes estatais, qual objetivo da equipe para temporada e citou seu histórico de levar times modestos a sonharem com coisas maiores.
O segredo para o Al-Taawoun brigar “nas cabeças” no Campeonato Saudita
Chamusca assumiu os Lobos (como é conhecido o Taawoun) em julho do ano passado, para disputa da Saudi Pro League de 2022/23. Na temporada anterior (21/22), o clube lutou pelo rebaixamento durante todo o Campeonato Saudita e só não caiu por um ponto de vantagem em cima do Al-Batin, o 14º – naquele ano, o campeonato só tinha 16 times.
Obviamente, pelo desempenho anterior, a expectativa da primeira temporada do brasileiro era de fazer uma campanha mais tranquila, de meio de tabela, sem risco de rebaixamento. O time entregou muito mais do que isso e de forma rápida. O Al-Taawoun fez o melhor primeiro turno de sua história ao conquistar 30 pontos em 15 rodadas, aproveitamento de 66% vindo pelas nove vitórias, três empates e três derrotas. Uma leve queda de rendimento do returno não mudou a posição da equipe, que terminou em quinto no torneio que sagrou o Al-Ittihad campeão.
Na temporada atual, com o boom dos investimentos do fundo soberano do país, teve que ver os rivais levarem Neymar, Aleksandar Mitrovic, Rúben Neves (estes no Al-Hilal), Benzema, Kanté, Fabinho (Al-Ittihad), Roberto Firmino, Riyad Mahrez (Al-Ahli), Brozovic e Mané (Al-Nassr, que já contava com Cristiano Ronaldo desde janeiro desse ano), enquanto os maiores investimentos do Al-Taawoun foram no ponta gambiano Musa Barrow (8 milhões de euros) e no zagueiro brasileiro Andrei Girotto (4 milhões).
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— نادي التعاون السعودي (@AltaawounFC) December 3, 2023
A distância técnica dos elencos não diminuiu o efeito do trabalho de Pericles Chamusca, que nesta temporada voltou a bater de frente com os grandes, foi vice-líder por três rodadas e, dentre os times estatais, venceu o Al-Nassr de CR7, Brozovic, Mané e Anderson Talisca, fora de casa, por 2 x 0. Nesse momento com 28 pontos, os Lobos têm um jogo a menos em comparação ao Al-Ittihad e, se vencerem ou empatarem, pulam para quarta colocação.
Para alcançar isso logo no primeiro ano (e manter o nível nesta temporada), o técnico contou com um alinhamento total com a gestão do clube e uma autonomia até rara para trabalhar e sugerir mudanças na estrutura.
– Esse trabalho no Taawoun tem características importantes para uma equipe ser produtiva, que é um alinhamento de administração com comissão técnica. Conseguimos contratar jogadores dentro do modelo de jogo implantado. Quando chegamos na primeira temporada, o clube vinha de uma temporada que brigou para não ser rebaixado. A gente fez um trabalho de construção e entregar uma temporada excepcional, o melhor primeiro turno da história do clube. Isso se deve também, além desse alinhamento da administração, trazer uma comissão técnica de excelência. Nós temos sete brasileiros aqui na comissão entre fisioterapeutas, fisiologista, preparador de goleiro, auxiliar técnico, analista, enfim, também bem alinhados com o trabalho e profissionais de alto nível – detalhou o brasileiro à Trivela, emendando:
– O clube abraçou a ideia, temos melhorado a estrutura com iniciativas de novos equipamentos, na infraestrutura física. Estamos em um processo de crescimento em relação a isso dentro do Al-Taawoun, que é uma das coisas que também tem nos ajudado muito na performance. […] Tudo isso faz com que a gente eleve o nível do nosso grupo, no sentido de que o Al-Taawoun é um dos times com mais intensidade de treino [no Campeonato Saudita], não tenho dúvida disso, pelas informações que eu tenho dos outros clubes, conseguimos treinar com intensidade e muito comprometimento dos jogadores no dia a dia de trabalho – explicou.
Chamusca colhe frutos de autonomia da gestão, participando da escolha dos jogadores até detalhes da estrutura física do clube da cidade de Buraida (Foto: Divulgação/Al-Taawoun)Quinto colocado na última temporada, quinto lugar agora, o projeto do Al-Taawoun, segundo Pericles Chamusca, é permanecer nesse top-6 do Campeonato Saudita. Apesar disso, o brasileiro se mostra otimista para conquistar posições acima disso – das 15 rodadas da Pro League 23/24, 13 delas foram da quinta colocação para cima, com momentos também em quarto, terceiro e segundo.
– O planejamento do clube é se manter no top-6. E nós, profissionais de dentro do campo, lógico, queremos sempre a melhor posição. Apostamos que podemos surpreender e talvez entrar numa posição mais acima da classificação, temos mentalizado e colocado isso aqui para os nossos atletas – revelou.
Chamusca tem histórico de levar equipes de médio/pequeno porte a alçar voos maiores
O Santo André de 2004 e o atual Al-Taawoun não são os únicos clubes de menor expressão que Chamusca assumiu e deu o sonho aos torcedores de sonhar com coisas maiores. O primeiro trabalho que o realmente colocou nos holofotes no Brasil foi pelo Brasiliense, equipe na qual levou à final da Copa do Brasil de 2002, quando o Corinthians terminou campeão.
Depois, em 2005, no que foi sua primeira (de muitas) oportunidades de trabalhar fora do país, tirou o Oita Trinita, do Japão, da luta contra rebaixamento e construiu uma longa trajetória de quatro anos no clube, vencendo a Taça da Liga local em 2008.
– As coisas caminharam para que eu fosse para o Japão em 2005. […] Eu fui para o Oita Trinita para tirar do rebaixamento um time que estava 12 jogos sem ganhar e nas [minhas] primeiras sete partidas foram cinco vitórias e dois empates. Foi um momento único para mim essa experiência. A partir daí eu terminei trabalhando por quatro anos no Japão no mesmo clube, que era semelhante ao Santo André e Brasiliense, não tendo investimento na primeira divisão do Japão, [e mesmo assim] conquistamos um título nacional, que foi a Copa da Liga, de 2008. Depois voltei no Júbilo Iwata [também do Japão, em 2014] – contou Pericles Chamusca.
Além do Japão e Arábia Saudita, o técnico ainda trabalhou no Catar por três clubes diferentes: Al-Arabi, El-Jaish e Al-Gharafa.