O Ajax faz o seu pior início de temporada nos 67 anos de história da Eredivisie, o Campeonato Holandês. São apenas cinco pontos em seis jogos até aqui, o que coloca o clube, um dos mais tradicionais e o mais vencedor do país, na zona do rebaixamento. Se o desempenho na temporada passada, ficando fora da zona de classificação à Champions League, já era ruim, agora a situação está ainda pior. Mais ainda: a perspectiva não é boa para o futuro próximo.
A pior temporada da história do clube é 1964/65, quando precisou lutar contra o rebaixamento. Naquele ano, o Ajax terminou em 13º (em um campeonato que tinha 16 clubes). Dois clubes foram rebaixados: o Fortuna Sittard, com 23 pontos em 30 jogos, e o NAC Breda, com 22 pontos em 30 jogos. Importante lembrar que a vitória valia dois pontos naquela época. O Ajax ficou pouco acima: 26 pontos em 30 jogos.
Mesmo naquela temporada terrível, o Ajax tinha mais pontos, se convertermos os resultados para três pontos. Depois de seis jogos, o Ajax daquele ano teria sete pontos. O de hoje tem apenas cinco. Um recorde negativo que ninguém quer bater.
O que explica a crise do clube de Amsterdã? São diversas razões que levam a essa situação e contamos aqui algumas delas.
A crise da saída de Overmars da diretoria
Um dos pilares da gestão do Ajax nos últimos anos era o ex-jogador Marc Overmars, que ocupava o cargo de diretor de futebol do clube. Sua saída, em fevereiro de 2022, foi traumática. Ele foi denunciado por assédio a funcionárias do clube e pediu demissão do cargo.
Ex-jogador e ídolo do clube, Overmars começou a trabalhar no clube em agosto de 2011, como diretor técnico dos times sub-19 e sub-21. Em 2012, assumiu o cargo de diretor técnico do time principal. Seu trabalho de reconstrução do Ajax foi elogiado, trabalhando junto com o CEO, outro ex-jogador importante do clube: o goleiro Edwin van der Sar.
A saída de Overmars era necessária, mas o que se viu depois foi um clube que não conseguiu se organizar na parte diretiva. Mais do que isso: ainda viu Van der Sar sair do clube, depois de 11 anos, em julho de 2023, já criticado por uma temporada que foi um fracasso esportivo, do ponto de vista da torcida. Foi substituído temporariamente por Sven Mislintat.
No começo de setembro, Jan van Halst assumiu como CEO do clube. Ao seu lado, Maurits Hendricks, CEO esportivo, que ocupa o cargo desde novembro de 2022. Além deles, Casimir Westerveld ocupa a posição de diretor de desenvolvimento desde julho deste ano. É o trio de executivos mais importante do clube e, por isso, precisam ser citados porque a responsabilidade passa diretamente por todos eles.
Desmanche e reposições que não funcionaram
O fim da temporada 2021/22 também significou a saída de diversos jogadores. Saíram jogadores como Antony, Lisandro Martínez, Sébastien Haller, Ryan Gravenberch, Perr Schuurs, Nicolás Tagliafico, Noussair Mazraoui e André Onana. Nem todos eram titulares, mas todos eram jogadores importantes no elenco.
Ao final da temporada passada, 2022/23, mais jogadores deixaram o elenco. Saíram Mohammed Kudus, Jurrien Timber, Edson Álvarez, Davy Klaassen e Dusan Tadic, para ficar entre os principais. Se somarmos as duas temporadas, são 13 jogadores importantes deixaram a equipe.
De todos os contratados, quem mais ganhou importância foi Steven Bergwijn, que chegou do Tottenham em 2022 para se tornar um jogador crucial no Ajax. Ele, porém, foi uma exceção. Outros como Owen Wijndal e Calvin Bassey duraram apenas uma temporada antes de serem negociados. Outros, como Lucas Ocampos e Lorenzo Lucca, chegaram com expectativas, por empréstimo, e não conseguiram render. Saíram rapidamente.
As contratações da atual temporada, 2023/24, também trouxe mais reforços que ainda não conseguiram se encaixar e fazer diferença para o time. Nomes como Chuba Akpom, que chegou do Middlesbrough com expectativa, tem sido um reserva e o técnico Maurice Steijn afirmou após a derrota para o AZ no fim de semana que confia mais nos garotos da base do que em jogadores que estão no banco, como Akpom. Climão nos vestiários.
Substitutos de Ten Hag foram questionáveis
O último grande momento do Ajax foi com Erik ten Hag, que comandou o time de dezembro de 2017 até junho de 2022. Depois de começar como assistente no Twente, passando pelas categorias de base do clube, ele treinou o Go Ahead Eagles, o time II do Bayern de Munique e voltou à Holanda para ser treinador do Utrecht, em 2015.
O sucesso no Utrecht o levou ao Ajax quando Marcel Keizer foi demitido pelos maus resultados. Com Tem Hag no comando, foram três títulos da Eredivisie: 2018/19, 2020/21, 2021/22. Ganhou ainda duas Copas da Holanda e uma Supercopa da Holanda. Além disso, ainda levou a equipe a uma histórica semifinal de Champions League, quando caiu, nos acréscimos, diante do Tottenham (aquele dia marcante dos três gols de Lucas Moura em Amsterdã).
Por tudo isso, era esperado que a sua saída causasse problemas no clube. Substituir um treinador que se tornou marcante para o clube, tanto em estilo de jogo e desenvolvimento de talentos quanto em resultados, seria mesmo uma missão difícil. E é aí que começam os problemas. Todas as escolhas que vieram depois da saída de Ten Hag foram problemáticas e não conseguiram fazer nem mesmo o mínimo.
O primeiro escolhido foi Alfred Schreuder. A escolha, na época, parecia ter algum sentido: o treinador tinha passado pelo Ajax como assistente técnico de Erik ten Hag, de janeiro de 2018 a junho de 2019. Tinha feito um bom trabalho pelo Club Brugge, que tinha feito um bom papel especialmente na Champions League.
Nada disso importou. O treinador durou apenas 26 jogos no comando dos Ajacieden e foi demitido em janeiro de 2023. Ele foi demitido após um empate do Ajax com o Volendam, que deixou o time em quinto lugar na tabela, a sete pontos do líder Feyenoord. Uma situação que já era considerava ruim. Ainda pioraria muito.
Para o lugar de Schreuder, o clube decidiu efetivar o interino John Heitinga. Foram 22 jogos sob o comando do treinador, que até melhorou a posição do Ajax na tabela, mas ainda de forma insuficiente: ficou em terceiro lugar, 13 pontos atrás do Feyenoord, que acabou mesmo campeão.
Um técnico que até se surpreendeu ao ser contratado
A sensação era de que precisaria de um novo técnico que pudesse retomar o sucesso que o time teve com Ten Hag. O nome contratado foi Maurice Steijn, de 49 anos, e até ele mesmo ficou surpreso por ter sido o escolhido. Seus trabalhos anteriores por Ado Den Haag, VVV-Venlo, Al-Wahda, NAC Breda e, por fim, Sparta Roterdã, eram interessantes, mas o salto para o Ajax era grande. Havia dúvidas se ele mesmo era o nome para comandar essa mudança e reformulação.
São apenas 10 jogos até aqui, mas o que se vê é algo terrível. O 16º lugar na Eredivisie, com apenas uma vitória, dois empates e três derrotas, coloca o time na zona do rebaixamento. Por mais que a equipe não largasse como a principal candidata ao título, até por esses problemas, se esperava que ao menos estivesse entre os primeiros lugares, em busca de uma vaga na Champions League, ao menos.
O time vem de três derrotas seguidas na Eredivisie: para o AZ, neste domingo (8), por 2 a 1; uma goleada contra o Feyenoord no último dia 24 de setembro, por 4 a 0, em casa; e uma derrota para o Twente por 3 a 1, no dia 17 de setembro.
Desde a saída de Ten Hag, o Ajax não conseguiu vencer mais nenhum dos seus maiores concorrentes: AZ, Feyenoord, PSV e Twente. Foram apenas três empates contra o Twente (0 a 0), Feyenoord (1 a 1) e AZ (0 a 0). As outras oito partidas tiveram oito derrotas da equipe de Amsterdã, desde o início da temporada passada. Com Maurice Steijn, foram três derrotas contra esses adversários, justamente as três últimas partidas.
Considerando apenas duelos entre esses times, o Ajax é quem fez mais jogos até aqui, com 11, sem qualquer vitória, três empates e oito derrotas. São, portanto, apenas três pontos feitos nesses jogos desde o início da temporada passada. Para se ter uma ideia, o Feyenoord tem nove jogos, com cinco vitórias, três empates e uma derrota, 18 pontos. O AZ, o pior desses depois do Ajax, tem nove pontos, três vitórias, dois empates e quatro derrotas, com 11 pontos.
Van Gaal pode salvar ou condenar emprego de Steijn
Diante de um cenário de crise, a diretoria do Ajax busca nomes que ajudem o treinador a sair da situação. O ex-jogador Rafael Van der Vaart foi convidado a fazer parte da comissão técnica do clube, auxiliando o técnico Maurice Steijn, mas recusou a proposta por motivos particulares.
Quem foi convidado em seguida foi o ex-jogador e ex-treinador da base, John van’t Schip, que chega para ser um conselheiro técnico do clube. Tudo para testar resgatar a ideia de pessoas que tenham capacidade de ajudar na direção esportiva do clube, que parece perdida. E um nome enorme surge nos bastidores como um fiador para tudo isso: Louis van Gaal.
O ex-treinador da seleção holandesa e um dos mais renomados do futebol holandês, Van Gaaltem a posição de conselheiro do clube. Aos 72 anos, com muita experiência após comandar a Holanda em mais uma Copa em 2022, ele tem o seu nome citado constantemente. E não por acaso, o atual treinador foi perguntado se falaria com o lendário ex-técnico.
O técnico Maurice Steijn declarou na zona mista, após a derrota para o AZ, que vai conversar com o lendário treinador Louis van Gaal para pedir conselhos. Van Gaal é um nome influente e, neste momento de uma direção do clube sem rumo, o que o ex-treinador falar terá um peso gigantesco. Se ele bancar o técnico, dando conselhos a ele e à diretoria, o treinador será mantido. Se Van Gaal disser à diretoria que é melhor trocar, isso também deve acontecer. Então, a posição de Steijn está nas mãos de Van Gaal.
A situação do técnico situação está sendo debatida nos escritórios dos diretores, como informou Fabrizio Romano. Resta saber quem o apoiará para continuar, e, especialmente, em que condições.
Ronald Koeman: “É maluco o que está acontecendo”
O técnico da seleção holandesa, Ronald Koeman, ex-treinador do próprio Ajax, foi perguntado sobre a situação atual do clube. Dois jogadores do elenco dos Ajacieden foram convocados para a seleção holandesa: Brian Bobbey e Steven Bergwijn.
“Eu não me sentiria confortável lá neste momento. É maluco o que está acontecendo. Quando você assiste a jogos do Ajax, você fica chocado com o nível. O AZ perdeu tantos jogadores e ainda venceu tão facilmente na Johan Cruijff Arena”, disse o técnico, que dirigiu o Ajax de dezembro de 2001 a fevereiro de 2005, com bastante sucesso.
Ainda não se debate nomes para ocupar a posição de Steijn porque, apesar do trabalho do treinador ser de fato questionável, ele é visto mais como uma vítima de uma gestão ruim do que como o principal culpado.
Nenhum dos problemas parece simples de resolver a curto prazo e é possível que o Ajax sofra mais um pouco nesta temporada. Se o temor era ficar outro ano fora da Champions, neste momento a situação exige ainda mais pé no chão: o time precisa primeiro se afastar da zona do rebaixamento. O que parecia inimaginável para um clube do tamanho do Ajax na Holanda.
O Ajax volta a campo depois da janela de jogos internacionais para enfrentar o Utrecht, no dia 21. Na semana seguinte, enfrentará o PSV, em um duelo que deve ser tenso pela situação do clube de Amsterdã.