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A oficialização do inevitável: Arábia Saudita confirma candidatura para Copa de 2034

Favorita para sediar o Mundial de 2034, a Arábia Saudita assinou a carta de intenção e enviou à Fifa

Menos de uma semana depois da Fifa anunciar Portugal, Espanha e Marrocos como sedes principais da Copa do Mundo de 2030, com três jogos de abertura no Uruguai, Argentina e Paraguai para homenagear o centenário da competição, a Arábia Saudita oficializou a candidatura para ser sede do Mundial em 2034. A confirmação não é nenhuma surpresa, até porque Federação Saudita de Futebol (SAFF) já havia comunicado o interesse em sediar o torneio na quarta-feira (4), e parece ser só parte protocolar de algo que parece ser inevitável.

A chance da Arábia Saudita não receber a Copa do Mundo daqui 11 anos é quase nula. Junto com o anúncio dos países sede do Mundial de 2030, a Fifa também revelou que a edição seguinte será em federações filiadas à AFC (Confederação Asiática de Futebol) ou à OFC (Confederação de Futebol da Oceania). Na sequência, ainda definiu o dia 31 de outubro deste ano como prazo final para os candidatos a sediarem a Copa de 2034 se apresentarem. Os 25 dias entre aviso e a data só ajudaram quem está com a candidatura (e o lobby) prontos e trabalhando há anos para isso, como é o caso dos sauditas.

Mera questão de tempo

Alegando ter o apoio de mais de 70 nações de diferentes confederações, a Federação Saudita de Futebol assinou a carta de intenção e enviou à Fifa nesta segunda-feira (9). Segundo o comunicado oficial do anúncio, a candidatura “reflete os objetivos do país de desbloquear novas oportunidades no futebol em todos os níveis e o compromisso de apoiar o crescimento do jogo em todos os cantos do globo”.

Este é o segundo passo de uma jornada extremamente emocionante que a nação está embarcando. Na semana passada anunciámos as nossas ambições de acolher a Copa do Mundo Fifa de 2034 e esta candidatura oficial dá continuidade à nossa jornada para tornar realidade os sonhos do nosso povo. A Copa do Mundo Fifa de 2034 é o nosso convite ao mundo para testemunhar o desenvolvimento da Arábia Saudita, vivenciar sua cultura e tornar-se parte de sua história. Estamos extremamente empenhados em apresentar a proposta mais competitiva possível, que também ajudará a unir o mundo através do futebol — afirmou Yasser Al Misehal, presidente da SAFF.

A sede do Mundial de 2034 deverá ser oficialmente divulgada no último trimestre de 2024, mas já parece certa. A Austrália é, por enquanto, a única possível concorrente da Arábia Saudita, mas é capaz de não se candidatar e não deve receber nem mesmo o apoio da AFC, que já se inclinou ao país do Oriente Médio.

— Toda a família do futebol da Ásia irá se manter unida em apoio à importante iniciativa do Reino da Arábia Saudita e estamos empenhados em trabalhar em estreia colaboração com a família global do futebol para garantir o seu sucesso — disse o presidente da AFC e vice-presidente do Conselho da Fifa, Salman bin Ibrahim Al Khalifa, após o interesse saudita de receber a Copa de 2034 ser oficializado.

Inicialmente, a Arábia Saudita tinha interesse em sediar a edição de 2030, mas desistiu ao perceber a força da candidatura de Espanha, Portugal e Marrocos (mas não antes de cogitar uma inusitada parceria com a Itália e um desconexo projeto com Egito e Grécia). Sendo assim, o foco virou 2034.

Desde 2018, o país tem estreitado as relações com federações nacionais, confederações continentais e a própria Fifa, sediando Mundiais de Clubes, Superliga Africana, Supercopa da Espanha e amistosos entre seleções, incluindo os superclássicos entre Brasil x Argentina. Em novembro de 2022, o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammad bin Salman, sentou-se ao lado de Gianni Infantino na abertura da Copa do Mundo do Catar. Antes, a dupla também já foi flagrada assistindo lutas de boxe.

Com os altos investimentos vindos do Fundo de Investimento Público (PIF), a Liga Saudita está em ascensão com a chegada de craques de renome mundial e virou mais um fator à favor da candidatura, junto com investimento massivo em infraestrutura, força política, peso regional e muito, mas muito dinheiro. Tirando a opinião pública, que pouco importa para Fifa, tudo favorece a Arábia Saudita.

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Sportswashing e vista grossa da Fifa com os direitos humanos

Não é à toa que a Arábia Saudita tem investido em grandes eventos esportivos. Um dos motivos é o retorno financeiro. Mohammad bin Salman realiza ações de diversificação econômica desde que assumiu a posição principal no governo em 2017, buscando diminuir a dependência da economia local em relação ao petróleo. O futebol é uma ferramenta poderosa que inclui a compra de 80% das ações do Newcastle em 2021 e a contratação de dezenas de estrelas ao Campeonato Saudita, mas o turismo e o entretenimento também têm sido impulsionados.

A razão mais comentada, no entanto, é a normalização do estilo de vida e, consequentemente, transformação da imagem do país. Mesmo promovendo um processo de ocidentalização nos últimos anos, a Arábia Saudita ainda é vista como como um regime autoritário, restrito e fundamentalista, com várias acusações de violação dos direitos humanos e perseguição de opositores políticos contra Mohammad bin Salman.

O episódio mais emblemático sobre o tema é o assassinato de Jamal Khashoggi, jornalista que era crítico do governo e foi morto na embaixada do país em Istambul, em outubro de 2018. Os abusos também são acontecem no vizinho Iêmen, com bombardeios indiscriminados em meio ao conflito que se desdobra no país. A criminalização da homossexualidade e a restrição da liberdade de expressão são outras questões importantes e que certamente virão à tona na inevitável Copa do Mundo de 2034. As violações de direitos das mulheres também são motivos de críticas, mesmo com pontuais permissões recentes, como o direito de frequentar arquibancadas.

O governo saudita tem intenções claras com os recentes investimentos e pouco se importa com o termo “sportswashing”, termo que denomina a prática de usar esportes para melhorar reputações desgastadas. Em recente entrevista ao canal Fox News, dos Estados Unidos, Bin Salman confirmou isso, apesar de obviamente não ter mencionado o desejo de não ser mais ligado à violação dos direitos humanos.

— Se sportswashing for aumentar meu PIB em 1%, então eu continuarei fazendo sportswashing. Não me importo com o termo. Tenho um crescimento de 1% do PIB através do esporte e ainda pretendo aumentar mais 1,5%. Pode chamar como você quiser. Vamos conseguir esse 1,5%. Quando você quer diversificar a economia, você tem que trabalhar em todos os setores: mineração, infraestrutura, manufatura, transportes, logística, tudo isso. Parte disso é turismo e, se você quer desenvolvê-lo, parte disso é cultura. Parte disso é o seu setor esportivo, porque você quer criar um calendário. Podemos ver que o turismo costumava contribuir para o PIB em 3%, agora é representa 7%. O esporte era 0,4%, agora chegou a 1,5%, então isso é crescimento econômico, empregos, calendário, entretenimento. Estamos em primeiro no Oriente Médio, mas há dez anos não estávamos no Top 10. Nosso objetivo é ter 100 milhões de turistas em 2030, talvez 150 milhões. Ano passado atingimos quase 40 milhões — afirmou o príncipe herdeiro.

Gianni Infantino, presidente da Fifa (centro), e Mohammad bin Salman, príncipe herdeiro da Arábia Saudita (direita) na abertura da Copa do Mundo de 2022 (Foto: Icon sport)

A Fifa, por sua vez, também não parece ligar para a opinião pública ou até mesmo para própria reputação (que, convenhamos, não é das melhores) ao ter seu nome associado à Arábia Saudita. Nas últimas duas edições de sua principal competição, a Copa do Mundo, a entidade já esteve relacionada com nações onde os direitos humanos não são prioridade.

Em 2018, o Mundial foi realizado na Rússia. Na época, a Human Rights Watch (organização internacional que defende e realiza pesquisas sobre os direitos humanos) afirmou que o país passava por sua pior crise no quesito desde os tempos soviéticos, com autoridades utilizando leis restritivas rotineiramente para reprimir liberdades de reunião, associação e expressão, silenciar críticos e aumentar a censura online.

No cenário internacional, a Rússia já havia fornecido armamento, apoio militar e diplomático ao governo da Síria. Menos de quatro anos depois do torneio, a nação presidida por Vladimir Putin invadiu a Ucrânia e foi expulsa do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Atualmente, 45 países da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) investigam violações de direitos humanos por parte do país.

Já no ano passado, quem sediou a Copa do Mundo foi o Catar. O país do Golfo Pérsico criminaliza a homossexualidade, atribuindo pena de até três anos de prisão, e demanda a autorização de tutores do sexo masculino para mulheres se casarem, viajem e obtenham cuidados de saúde reprodutiva. Não existem leis contra violência doméstica no Catar, acusado também de condições de trabalho insalubres aos imigrantes.

A Arábia Saudita será só mais uma nação a receber a vista grossa da Fifa. E, muito provavelmente, não será a última. Apesar dos discursos de integração e cooperação mundial, a entidade está muito mais preocupada com o luxo que pode obter do que com a mensagem que passa aos milhões de apaixonados por futebol ao redor do globo, assim como as grandes marcas que patrocinam seus eventos. O dinheiro sempre fala mais alto.

Foto de Felipe Novis

Felipe NovisRedator

Felipe Novis nasceu em São Paulo (SP) e cursa jornalismo na Faculdade Cásper Líbero. Antes de escrever para a Trivela, passou pela Gazeta Esportiva.
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