Austrália considera concorrer com Arábia Saudita pela Copa 2034, mas briga promete ser dura
Sede da Copa do Mundo Femina em 2023 junto com a Nova Zelândia, Austrália explora possibilidade de receber a Copa Masculina de 2034 e Mundial de Clubes em 2029
O anúncio da Fifa na quarta (4) sobre a Copa do Mundo de 2030 moveu diversas peças em um tabuleiro político e estamos vivendo as consequências. A entidade confirmou Portugal, Espanha e Marrocos como sedes principais e três jogos de abertura no Uruguai, Argentina e Paraguai (sim, Paraguai. Eu sei, não faz sentido). Mais do que isso: definiu que a Copa 2034 será sediada ou pela OFC, da Oceania, ou a AFC, a Ásia. Se você olhar para o Oriente Médio, a Arábia Saudita já esfrega as mãos, mas tem gente disposta a entrar nessa briga.
Nesta quinta-feira (5), a Fifa deu outro passo que parece ser ótimo para a Arábia Saudita: definiu um prazo até 31 de outubro para que os candidatos a sediarem a Copa do Mundo de 2034 se apresentem. Ou seja: até o fim do mês, em cerca de 25 dias, os candidatos precisam se apresentar. Um prazo apertado. Bom para quem já está com a candidatura (e o lobby) prontos e trabalhando há meses (anos, até) para isso, como é o caso da Arábia Saudita.
Austrália: aposta no sucesso da Copa do Mundo Feminina
A Austrália é potencialmente a candidatura que pode de fato brigar com a Arábia Saudita para receber a Copa do Mundo em 2034. Há vários motivos para isso, mas em especial, o sucesso da Copa do Mundo Feminina, disputada neste ano de 2023, é a principal razão. Além disso, é um país continental, o que ajuda para receber esse monstrengo que a Copa de 48 seleções será, além de já ter estruturas prontas, inclusive de estádios. Por fim, mas não menos importante, aquela região do mundo ainda não recebeu uma Copa do Mundo Masculina.
Por tudo isso, a Austrália está quase impelida a ao menos tentar essa candidatura. O executivo-chefe da Football Australia, James Johnson, disse que a organização está “explorando a possibilidade de ser candidata a receber a Copa do Mundo de 2034. “Como falado antes, a Football Australia está explorando a possibilidade de ser candidata a ser sede do Mundial de Clubes de 2029 e da Copa do Mundo de 2034”, afirmou Johnson, em comunicado citado pela agência Reuters.
“Nós fomos encorajados depois do grande sucesso da Copa do Mundo no Catar em 2022 e da Copa do Mundo Feminina na Austrália e Nova Zelândia em 2023, a família do futebol da Ásia e Oceania irá mais uma vez ter a oportunidade de mostrar sua habilidade de dar as boas-vindas ao mundo e receber os melhores torneios da Fifa”.
Em agosto, em entrevista ao Guardian, Johnson já tinha indicado a intenção da Austrália de se candidatar a sede da Copa do Mundo. “O que é importante é que as conversas começaram agora e a agenda precisa começar a ser moldada porque quando nós precisarmos nos candidatar para a próxima Copa do Mundo Masculina, precisamos estar prontos”, disse o presidente da Football Austrália.
Apesar da Austrália ser enorme, será preciso ter outro país para dividir a proposta para que a candidatura seja bem-sucedida. Com a Copa do Mundo tendo 48 seleções, a Fifa exige 14 estádios para que a candidatura seja aprovada. Assim, há conversas com outros países do Sudoeste da Ásia. Isso acontece há anos, pelo menos desde 2019. As conversas não chegaram a avançar, mas o prazo apertado deve fazer com que tudo isso seja acelerado para ver quem se interessa, de fato, de entrar nessa disputa.
A Nova Zelândia é a parceira óbvia, primeiro porque os dois países receberam a Copa do Mundo Feminina, mas também pela óbvia proximidade geográfica e cultural. Há outros países do Sudeste Asiático que podem aparecer na candidatura, como a Tailândia, Indonésia, Singapura, Vietnã e Malásia, cada um deles recebendo oferecendo uma cidade-sede à candidatura.
Há uma questão importante na Austrália que a Arábia Saudita não sofre: a crítica por uso de dinheiro público. O Reino Saudita é uma monarquia autoritária e não há espaço para oposição ou mesmo críticas ao governo, sempre ameaçadas com a violência que o Estado saudita se acostumou a usar. Na Austrália, porém, essa é uma questão levada bastante a sério.
Segundo relatório feito antes da Copa do Mundo Feminina, Austrália e Nova Zelândia gastaram US$ 170 milhões para receber o torneio, sendo US$ 120 milhões vindo dos cofres públicos. A Austrália foi candidata a receber a Copa do Mundo de 2022, quando foi derrotada pelo Catar. Naquela candidatura, se gastou US$ 46 milhões em dinheiro público e isso foi motivo de fortes críticas. A Austrália só recebeu um voto naquela disputa.
Sendo assim, a Austrália tem diversas desvantagens em relação à Arábia Saudita. Inclusive a questão política, porque parece enfrentar uma candidatura que já tem o apoio que nem é disfarçado da própria AFC, a Confederação Asiática de Futebol, da qual a Austrália faz parte.
Presidente da AFC já se inclina para a Arábia Saudita
A Austrália, como se sabe, é um país geograficamente localizado na Oceania, mas compete no futebol pela Ásia. O presidente da AFC, Salman bin Ibrahim Al Khalifa, que é do Bahrein e também é vice-presidente do Conselho da Fifa, disse que está “muito satisfeito” que a Federação de Futebol da Arábia Saudita anunciou a sua intenção de ser candidata.
“Toda a família do futebol da Ásia irá se manter unida em apoio à importante iniciativa do Reino da Arábia Saudita e estamos empenhados em trabalhar em estreia colaboração com a família global do futebol para garantir o seu sucesso”, afirmou o dirigente.
Arábia Saudita já esfregas as mãos: “É a hora certa”
É inegável que a Arábia Saudita larga como a grande favorita para receber a Copa do Mundo de 2034. O país do Oriente Médio ficou fascinado com o sucesso que o Catar conseguiu com a Copa de 2022. Há muitos anos a Arábia Saudita trabalha próximo à Fifa para conseguir crescer a sua influência na entidade, no futebol e, por consequência, na geopolítica mundial. Foi justamente isso que o Catar conseguiu com a Copa e a Arábia Saudita quer o mesmo.
Mais do que nunca, a possibilidade de sediar a Copa, que um dia pareceu muito distante, hoje parece próxima. O país larga como grande favorito e tem uma força de lobby que só o dinheiro pode comprar. Foi a grande incentivadora (com promessas de financiamento, inclusive) para que a Fifa mudasse o formato do Mundial de Clubes, que é chamado oficialmente de Copa do Mundo de Clubes. Os sauditas querem que o torneio ganhe força e seja uma espécie de Champions League mundial — de preferência, com seus clubes tendo papel de destaque, claro.
A Arábia Saudita também patrocina uma ideia ainda em gestação na Fifa de ter uma espécie de Liga Mundial, no mesmo molde da Liga das Nações da Uefa. Os sauditas se colocam como financiadores para essa ideia, que ainda não ganhou a força necessária para virar um projeto, mas tudo que tem acontecido mostra que o poder de influência dos sauditas é grande o bastante para acreditar que sim, isso será possível um dia.
A Copa de 2034 seria a cereja do bolo do projeto Vision 2030, que o Estado saudita desenhou anos atrás. Chegou a ventilar a possibilidade de ser candidata a sede para 2030, mas entendeu que a concorrência era pesada e que, politicamente, era mais possível conseguir para 2034. Foi o caminho traçado. E com uma ajuda da Fifa, isso se tornou não só possível, mas bastante provável.
O presidente da Federação Saudita de Futebol, Yasser Al Misehal, disse que “é o momento certo” para a Arábia Saudita sediar a Copa do Mundo. “Nossa proposta é motivada pelo amor ao jogo e pelo desejo de vê-lo crescer em cada canto do mundo. A jornada de transformação do Reino (o governo monárquico saudita) é a força motriz por trás da nossa candidatura”, descrever Al Misehal.
A questão de direitos humanos da Arábia Saudita é um grande problema, mas novamente, olhando para o vizinho Catar, receber a Copa do Mundo ajudou demais nesse sentido. Os bilhões sendo gastos na liga saudita já rendem seus primeiros. As notícias relacionadas a Arábia Saudita hoje são muito mais frequentemente ligadas ao futebol do que os problemas graves de direitos humanos do país. É uma estratégia bem-sucedida que o Catar desfruta e a Arábia Saudita, que é realmente a maior potência do Oriente Médio, também quer para si.
A Arábia Saudita irá sediar a Copa da Ásia Masculina em 2027 e é candidata a receber a Copa da Ásia Feminina em 2026. Neste último, sabe quem será a adversária? A Austrália. Deve ser a primeira disputa.
Se tem uma candidatura que pode ser capaz de impedir que a Arábia Saudita seja sede da Copa 2034, esta é a Austrália, junto a outras sedes. Politicamente, economicamente e até como imagem, a Austrália tem qualidades que podem ajudar nessa disputa. O problema é que na política da Fifa e da própria AFC, os sauditas já estão em larga vantagem.
Ainda há tempo para mudar isso e o primeiro passo é elaborar uma boa candidatura. A segunda é angariar apoio pelo mundo, o que é um desafio. Além disso, há uma batalha que a Austrália precisará vencer para ter chance de sucesso: a do debate público. Se a candidatura do país ganhar a opinião pública, pode ter uma força que influencie na política de verdade, não só a política dos cartolas, e isso pode ter algum peso.
A Austrália tem capacidade para entrar na briga com a Arábia Saudita, mas será uma batalha duríssima contra um adversário que não segue as mesmas regras e que parece já ter conquistado, de modos não muito republicanos, o apoio nos bastidores da cartolagem. Tudo isso ainda sob o escrutínio de uma população que irá fiscalizar o que o governo gastar nessa aventura. É uma briga difícil demais.