Allan Saint-Maximin e a armadilha que a Arábia Saudita criou para si mesma
A Arábia Saudita se abre a críticas ao contratar jogadores do Newcastle - e também quando não contrata
A Arábia Saudita é a grande protagonista do mercado de transferências europeu. Com uma abordagem agressiva e um plano ambicioso, o seu fundo público de investimentos assumiu o controle dos quatro maiores clubes do país e começou a fazer a rapa. Como essa entidade, o tal do PIF, também controla o Newcastle, existe um dilema ético, uma armadilha que os sauditas criaram para si mesmos. Porque podem ser criticados se contratarem jogadores do Newcastle, como devem fazer com Allan Saint-Maximin, que confirmou sua saída neste sábado, prestes a ser anunciado pelo Al Ahli. E também se não contratarem jogadores do Newcastle.
É possível que não haja malícia nenhuma por trás das transferências, apenas motivos esportivos, mas o conflito de interesses vai ficando cada vez mais claro. É uma questão de percepção do público, e os efeitos que isso pode causar são danosos, independente das intenções. Porque o cenário até agora é de uma interferência externa que compra o jogador que o Newcastle queria vender ao mesmo tempo em que enfraquece, ou tenta enfraquecer, clubes que são adversários diretos na Premier League – e, se quisermos estender um pouco, também na Champions League.
A Arábia Saudita começou a gastança sendo acusada de favorecer o Chelsea porque o PIF tem uma pequena participação acionária na Clearlake Capital, a firma de investimentos que financia o consórcio liderado por Todd Boehly. Era uma preocupação, mas as movimentações faziam sentido. Após o mercado mais caro da história, os Blues eram o time que tinha mais jogadores encostados com salários altos. Koulibaly e Édouard Mendy foram vendidos para Al Hilal e Al Ahli, respectivamente, e N’Golo Kanté saiu para o Al Ittihad ao fim do seu contrato.
O Chelsea deve ser, ou pelo menos é a ideia, um concorrente direto do Newcastle por uma vaga na próxima Champions League por meio do Campeonato Inglês. Mas não ficou mais fraco depois dessas movimentações – pelo contrário, foram bem vindas. Não dá para dizer a mesma coisa do Liverpool, que também está nesse pelotão. O plano era começar uma transição no meio-campo, com as contratações de Dominik Szoboszlai e Alexis Mac Allister, mantendo um núcleo mais experiente. De repente, Jordan Henderson foi embora, Fabinho deve segui-lo e há interesse por Thiago.
O Liverpool terá que ir ao mercado buscar reposições. Não será fácil porque, de todos esses, o brasileiro é o único que deve gerar uma taxa de transferências relevante, e o mercado fica inflacionado. Além dos salários que estão sendo pagos pelos sauditas, muito acima da realidade, o Southampton pode jogar o preço de Roméo Lavia lá em cima porque sabe que os Reds estão um pouco desesperados. De qualquer maneira, o setor ficará carente de experiência.
Outro clube que tentará brigar na parte de cima da tabela da Premier League é o Tottenham. A Arábia Saudita fez abordagem por Son Heung-min, que não estava interessado. Mas tentou. Se o Newcastle der um passo à frente, o que é provável dada a qualidade do trabalho de Eddie Howe, e brigar pelo título, a Arábia Saudita acabou de tirar um importante jogador da rotação de Pep Guardiola, Riyad Mahrez, e está tentando levar Bernardo Silva, uma das principais engrenagens do campeão europeu.
Não é provável que o Wolverhampton concorra a uma vaga em competições europeias na próxima temporada, mas não faz muito tempo que o fez, terminando em sétimo lugar duas vezes seguidas. De qualquer maneira, disputa seis pontos com o Newcastle e perdeu seu principal jogador, Rúben Neves, para o Al Hilal – que provavelmente seria vendido nessa janela de qualquer maneira. O Fulham também está na mesma liga e fez uma pedida alta demais para tentar barrar a saída do seu artilheiro, Aleksandr Mitrovic. O sérvio teria ficado insatisfeito, segundo a Sky Sports, ameaçando não defender mais o clube londrino e chegou a considerar não viajar aos EUA para a pré-temporada.
Porque tem essa também: mesmo que o negócio não se concretize, o poder de atração de milhões de euros é o bastante para tumultuar o ambiente.
E tudo isso seria absolutamente normal se todos estivessem sujeitos ao mesmo problema. É que não parece que o Newcastle está.
Quanto vale Allan Saint-Maximin?
Desde o começo da operação saudita, é notável que os principais jogadores do Newcastle nunca entraram na máquina de especulações. Pode ser apenas uma casualidade. Muitos deles são jovens e não se encaixam no perfil. Mas, quando entraram, foi exatamente quem os Magpies queriam vender para equilibrar as contas do Fair Play Financeiro – tanto da Premier League, quanto da Uefa, que se tornou relevante depois da classificação à Champions League.
Aprendendo com os exemplos de Manchester City e Paris Saint-Germain, que tiveram problemas com os órgãos financeiros da Uefa, o Newcastle está mais cauteloso. Investe bem, mas devagar, mais ou menos em linha com outros clubes do segundo escalão da Premier League. Tem uma facilidade maior porque, além de bons salários, pode proporcionar um projeto ambicioso e, agora, futebol de Champions League. O que explica, por exemplo, trazer Sandro Tonali, um dos pilares do Milan semifinalista europeu, ou antes Alexander Isak, um jovem de grande potencial.
– Maxi é um jogador que está gerando interesse. O Fair Play Financeiro é uma nova dinâmica que realmente emergiu na minha primeira janela aqui e sabia que nos impactaria – disse Eddie Howe após amistoso contra o Rangers dez dias atrás – O comércio de jogadores é uma parte chave. Somos forçados a vender jogadores nesta janela. Eu ficaria feliz se esse negócio não se concretizasse. Obviamente impactaria nossa habilidade de trazer mais jogadores e potencialmente teríamos que vender outro jogador. É como funciona o Fair Play Financeiro. Entendemos isso. Maxi é um jogador de primeira linha e definitivamente não queríamos perdê-lo. Queremos fortalecer nosso grupo. Essas coisas acontecem às vezes e temos que aceitar.
Do jeito que ele está dizendo, parece que um dos seus jogadores mais importantes está indo embora. Mas a prática não corrobora o discurso. Contratado do Nice em 2019, Saint-Maximin perdeu espaço na última temporada. Na Premier League, disputou 25 rodadas, 12 como titular, com um total de 1.115 minutos em campo. São números de um reserva e, por mais que seja importante ter elenco, se o Newcastle precisa vender alguém, o ponta de 25 anos é realmente um ótimo candidato.
4 years ago, I wore the Newcastle jersey for the first time. At that moment, I hadn’t realized that not only was I about to become a Newcastle player, but I was also about to become a Geordie.
You might think « nice Goodbye message » but the sentiment runs deeper than any words… pic.twitter.com/wA0RsQfEZF
— Allan Saint-Maximin (@asaintmaximin) July 29, 2023
E se ele estava no mercado de qualquer maneira, por que importa quem o contrata? Importa porque o mundo real não é o Fifa. Querer vender o jogador é apenas o começo e, geralmente, quando esse desejo se torna público, o clube comprador tem poder de barganha para negociar. A chave está no valor do negócio. Segundo o The Athletic, será nas redondezas de € 30 milhões, e as regras da Premier League dizem que todas as transações acima de £ 1 milhão são avaliadas para verificar que elas não excedem o “valor de mercado”. Mas como determinar valor de mercado?
A Juventus, por exemplo, perdeu pontos na Serie A e acabou excluída das competições europeias pela Uefa porque inflacionou transferências para maquiar as suas contas. No entanto, a própria Justiça italiana admitiu que é impossível chegar a uma avaliação objetiva do valor de um jogador, e o caso andou apenas porque os dirigentes da Velha Senhora foram tontos o bastante para discutir fraudes financeiras pelo telefone. É impossível ter certeza se Saint-Maximin foi super-valorizado pelo Al Ahli.
E mesmo se tivesse sido sub-valorizado, outra suspeita surgiria: de que a Arábia Saudita teve vantagem para contratar um jogador do Newcastle por um preço menor, o que poderia ser prejudicial aos ingleses se o Fair Play Financeiro fosse uma preocupação séria no momento. Acontece mais ou menos isso entre as duas franquias europeias da Red Bull. O Leipzig tem uma linha direta para contratar jogadores do Salzburg e os preços nem sempre são os mais altos do mundo.
Podemos ter uma ideia do valor de mercado pela comparação. Felix Nmecha, contratado por um Borussia Dortmund que todo mundo sabia que tinha dinheiro pela venda de Jude Bellingham, chegou do Wolfsburg por um valor parecido – em que pese as necessidades financeiras diferentes de clubes ingleses e alemães. Mas Christian Pulisic, com idade similar à de Saint-Maximin, foi mais barato para o Milan, apenas € 20 milhões. Contando os variáveis, os italianos contrataram Samuel Chukwueze, um ponta em ascensão, por um valor similar ao pago pelo Al Ahli. Muito mais jovem, da mesma posição, e ainda um jogador inferior, mas não muito, Anthony Elanga custou quase metade.
As circunstâncias de todos esses exemplos são diferentes, e o mercado tem dessas também. Às vezes você dá uma sorte e consegue uma venda melhor. Mas quando a dose de sorte vem de um clube com o mesmo dono, fica todo mundo que nem o Carlo Ancelotti: com as sobrancelhas erguidas.
Quem o Newcastle contratou nesta janela?
- Sandro Tonali (Milan)
- Harvey Barnes (Leicester)
- Yankuba Minteh (Odense BK)