Brasileirão Série A

Cruzeiro nunca pareceu convicto sobre Zé Ricardo, e apelará ao manjado ‘fato novo’

A realidade do Cruzeiro é diferente do rebaixamento de 2019, mas a atual gestão parece insistir em erros iguais e tenta uma cortina de fumaça para evitar a queda

O Cruzeiro chega às rodadas finais do Campeonato Brasileiro sem indicar qualquer rumo. Tudo bem que os celestes possuem duas partidas a menos que os concorrentes diretos, com mais seis compromissos pela frente. Porém, a situação do clube é caótica por aquilo que não se nota. É um time à deriva, que se afunda na zona de rebaixamento, enquanto outros concorrentes demonstram mais gás para o sprint final. A derrota para o Coritiba neste sábado simbolizou o pior momento dos cruzeirenses, e não apenas pelo resultado contra um rival no Z-4, mas também pela barbárie que tomou o campo na Vila Capanema. A esta altura, restava à “moderna” SAF apelar aos velhos métodos da cartolagem brasileira e ao tão conhecido “fato novo”. Zé Ricardo acabou demitido do comando técnico, como já até era esperado. Mais um capítulo ao 2023 negativo.

Zé Ricardo durou míseras dez partidas à frente do Cruzeiro. O treinador conseguiu três vitórias e perdeu cinco partidas. O clássico contra o Atlético Mineiro no meio de outubro até ofereceu um respiro, depois de empates preocupantes contra América Mineiro e Cuiabá – numa altura em que os temores quanto ao rebaixamento estavam claros. No entanto, os celestes perderam seus três últimos compromissos. O triunfo do Coritiba foi a gota d'água. Se não restava muita coisa para o clube mexer a esta altura, vão procurar um novo treinador que chacoalhe o ambiente. Tudo que encubra os problemas da SAF.

A falta de convicção em Zé Ricardo

O ponto é que Zé Ricardo nunca pareceu o treinador certo para o Cruzeiro. Sua chegada já foi bastante cercada de desconfianças. Seu currículo não o referenda. Os bons momentos do comandante são poucos, basicamente restritos ao início de sua carreira (com ressalvas) ou à passagem pelo Vasco na Série B. O Cruzeiro é o quarto clube em que dura menos do que 12 partidas – algo que, no Brasil, também aconteceu em Fortaleza e Internacional. Até recebeu oportunidades no exterior, mas não emplacou no Qatar SC ou no Shimizu S-Pulse. Foi inclusive rebaixado no Japão em 2022, antes de perder o emprego no início da segunda divisão. Naturalmente, não empolgava os cruzeirenses.

Sequer a diretoria do Cruzeiro indicava convicção em Zé Ricardo. Basta lembrar que ele não era a primeira opção para substituir Pepa em agosto. O plano A era efetivar Paulo Autuori, treinador histórico pela conquista da Libertadores de 1997, mas que não quis deixar o posto de diretor técnico para voltar à casamata. Outros nomes passaram a ser cogitados na Toca da Raposa, como Gabriel Milito e Odair Hellmann, mas ninguém fechou contrato. Zé Ricardo veio basicamente como aquele que estava ao alcance, enquanto o tempo urgia por uma solução. Mas não que os celestes tivessem certeza. Sequer parecia existir uma ideia sobre o estilo de jogo.

O novo técnico desembarcou sem qualquer segurança ao seu redor. Quem pregava a SAF como um salto ao clube não imaginava Zé Ricardo como um “treinador de vanguarda”, diferentemente do que as apostas em Paulo Pezzolano ou mesmo em Pepa poderiam sugerir. Sem firmeza, o time caiu pelas tabelas. Zé Ricardo assumiu a Raposa no 13° lugar e até estreou com uma vitória importante contra o Santos. Entretanto, seu perfil não se mostrou o suficiente para tomar as rédeas nos celestes e muito menos o futebol compensou dentro de campo. A demissão, de certa maneira, já era anunciada desde sua contratação.

Os velhos problemas da nova gestão

Obviamente, a culpa não deve recair apenas sobre Zé Ricardo. Não é de hoje que a administração do Cruzeiro mete os pés pelas mãos. As decisões questionáveis da SAF pintam desde a chegada de Ronaldo à Toca da Raposa. Entretanto, os acertos se tornaram bem mais aparentes com o acesso na Série B. Já a temporada de 2023 é turbulenta como um todo. A saída de Paulo Pezzolano aconteceu em circunstâncias no mínimo questionáveis, especialmente pela maneira como ele se mostrava disposto a ir à Europa desde antes e então assumiu o Valladolid de Ronaldo na sequência. Mesmo a escolha de Pepa não foi tão assertiva, pesando a grife estrangeira. Os resultados ruins abreviaram sua passagem por Belo Horizonte, assim como ele não primava pela gestão de grupo.

As mudanças constantes de treinadores quebram o próprio discurso da SAF, de priorizar trabalhos de longo prazo e de oferecer tempo para os treinadores construírem uma ideia. Os riscos de rebaixamento se tornam mais urgentes, especialmente quando é o lucro dos gestores que se coloca em jogo, ainda mais quando o Cruzeiro vem de uma situação tão preocupante do ponto de vista financeiro. Até pela forma como os celestes andaram em círculos na escolha de Zé Ricardo, mesmo o último treinador não aparentava ser alguém para ficar durante muitos anos na Toca da Raposa. Ia ser o bombeiro da vez e, como o incêndio aumentou, pegou o boné.

As condições do Cruzeiro ao seus treinadores não são as melhores. O elenco passa longe de ser o mais qualificado do Brasileirão, as contratações recentes se mostraram insuficientes e a equipe ainda teve problemas com lesão. O próprio Zé Ricardo admitiu que lidava com uma pressão interna por mudanças. E isso com uma torcida que nunca o respaldou totalmente, já irritada com a gestão de Ronaldo por outros motivos. Aos poucos, o futebol da Raposa derreteu e a zona de rebaixamento se tornou uma temida realidade. As cenas brutais que aconteceram contra o Coritiba, ainda que alheias ao controle do clube e de responsabilidade maior dos invasores, refletem também um clima pesado. E que servirá até de cortina de fumaça para Ronaldo, que mesmo em outros momentos botou na conta da torcida o que era erro da própria administração.

Qual a solução?

Não dá para dizer que a trajetória do Cruzeiro nesta Série A se assemelha tanto ao que aconteceu no rebaixamento em 2019. Existia todo o drama do ineditismo e da calamidade financeira, com um clube que foi das glórias incontáveis à bancarrota num estalar de dedos – mas, claro, graças a uma inacreditável picaretagem de seus dirigentes. Desta vez, o pesadelo nem é novo, até por uma torcida calejada pelas dificuldades na Série B. Nem o poço parece tão escuro, porque os cruzeirenses atingiram um patamar mais fundo há poucos anos. De qualquer maneira, a SAF repete erros dos velhos cartolas no aspecto esportivo. Ronaldo não se mostra um administrador que faça jus ao seu passado como craque, sequer entendendo o que é o Cruzeiro, e o diretor Pedro Martins também é criticado até por declarações pitorescas.

Há quatro anos, o Cruzeiro apostou em diferentes técnicos ao longo do fatídico Brasileirão. Mano Menezes caiu depois de uma longa passagem que se desgastou. Rogério Ceni e Abel Braga sequer terminaram o campeonato. Adilson Batista não evitou a queda na reta final. As passagens de Pepa e Zé Ricardo não diferem tanto daquele sentimento de inoperância. Contudo, se naquela época o elenco estava recheado de estrelas acomodadas, desta vez há uma aparente falta de material humano – exceção feita a poucos nomes. Uma opção era apostar mais nos garotos da base, o que não vinha acontecendo da maneira esperada.

Resta saber qual vai ser a solução mirabolante que o Cruzeiro tirará da cartola para essas rodadas finais. Depois de tantas negativas nos últimos meses, não dá para ter muita esperança de que alguém chegará para o longo prazo. E, bem, se os antecessores na direção apelaram a Felipão e Vanderlei Luxemburgo nos tempos sombrios de segundona, a SAF também não parece imune a resgatar algum medalhão. O que resta a essa altura? Na melhor das perspectivas, mexer com os vestiários e tirar o máximo de um elenco perdido. Contudo, diante de todos os problemas, mudar o técnico agora é só arranjar um boi de piranha e tentar varrer a sujeira para debaixo do tapete. Um possível rebaixamento, bem palpável agora, deixaria tudo isso mais exposto.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
Foto de Maic Costa

Maic CostaSetorista

Maic Costa é mineiro, formado em Jornalismo na UFOP, em 2019. Passou por Estado de Minas, No Ataque, Superesportes, Esporte News Mundo, Food Service News e Mais Minas, antes de se tornar setorista do Cruzeiro na Trivela.
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