Cruzeiro: sem ter para onde correr, SAF atropela próprio discurso e aposta em Zé Ricardo
Zé Ricardo, de 52 anos, tem passagens por Flamengo, Vasco, Botafogo, Internacional e Fortaleza e assume o Cruzeiro até o final de 2023
Uma semana após a demissão do português Pepa, o Cruzeiro fechou com o novo treinador que comandará a equipe até o final de 2023. E o nome é controverso. Se trata de Zé Ricardo, de 52 anos, que já teve passagens por Flamengo, Vasco, Botafogo, Internacional e Fortaleza, antes de dirigir o Shimizu S-Pulse, do Japão, seu último clube. Os jornalistas Samuel Venâncio e Lucas Pedrosa adiantaram a possibilidade do acerto, confirmado nesta terça-feira (5).
Experiente dentro do Campeonato Brasileiro e com um perfil agregador de elenco, Zé Ricardo se encaixa nas características que passaram a ser buscadas pela SAF do Cruzeiro para o nome comandante celeste após a recusa do ex-zagueiro argentino Gabriel Milito, na última semana. O técnico ainda aceitaria um contrato curto, somente até o fim do ano, outra exigência da diretoria estrelada, que encontrou dificuldades em achar um nome de peso, para assumir um projeto de longo prazo, mas que aceitasse começar a trabalhar com a temporada já em andamento.
Se a SAF do Cruzeiro entendeu Zé Ricardo como o melhor nome disponível para a função, parte da torcida celeste seguiu caminho oposto. Ainda que alguns cruzeirenses decidiram dar um voto de confiança ao técnico, outros passaram a reclamar muito nas redes sociais. As principais organizadas da Raposa emitiram uma nota de repúdio conjunta, se opondo à contratação do treinador.
Em outro comunicado, a Máfia Azul, maior organizada do Cruzeiro, chegou a afirmar que o ex-jogador Ronaldo Nazário, dono da SAF celeste, estaria “brincando de Brasfoot” — game de gerenciamento de clube de futebol — com o time estrelado. A torcida organizada disse, ainda, que o Fenômeno não é cruzeirense e que jamais teve gratidão ou exaltou o clube.
A SAF do Cruzeiro começa a mostrar as velhas práticas da associação no quesito gestão do futebol. Ruptura de trabalho sem a ideia de um substituto. Agora, uma possível mudança brusca no estilo de jogo entre Pepa e Zé Ricardo. A diretoria está perdida.
O que o torcedor Cruzeirense tem que entender é que ele Ronaldo nunca foi Cruzeirense; Ronaldo nunca foi grato ao Cruzeiro; Ronaldo nunca exaltou o Cruzeiro quando ganhou como melhor do mundo; Ronaldo quando ainda jogava, voltou ao Brasil e fez leilão entre Flamengo e Corinthians; E Definitivamente, Ronaldo não salvou o Cruzeiro! É apenas mais um empresário no ramo do futebol querendo obter lucro — Torcida Organizada Máfia Azul, em comunicado.
Veja a nota na íntegra clicando aqui.
Encurralada, SAF precisou ir contra seu próprio discurso
Desde que assumiu a administração do Cruzeiro SAF, a diretoria celeste pregou alguns “valores inegociáveis” dentro do clube. Entre eles, estava o perfil de treinador buscado pela gestão. Intensidade e estilo de jogo atrativo e ofensivo, que colocasse o time celeste como protagonista nos jogos, eram os principais requisitos. Isso foi avaliado na contratação do uruguaio Paulo Pezzolano, que comandou a equipe na Série B de 2022 e no Campeonato Mineiro de 2023, do português Pepa, técnico na Copa do Brasil e Campeonato Brasileiro da atual temporada.
Com a demissão de Pepa, sacramentada antes mesmo do treinador completar seis meses de Cruzeiro, a diretoria celeste já foi na contramão das suas ideias, que pregavam continuidade e respaldo ao trabalho dos treinadores. Apesar de tal incoerência, o desempenho do time, que havia vencido duas partidas em 17 disputadas nos últimos tempos, e problemas na gestão do elenco, foram as justificativas para a saída do português.
Quando Pepa deixou o clube, a ideia da diretoria celeste era efetivar o diretor técnico e ex-treinador Paulo Autuori, que conquistou a Copa Libertadores de 1997 pelo Cruzeiro. Entendendo que a temporada já está em momento avançado, a gestão da SAF viu em Paulo Autuori um perfil semelhante ao enxergado em Zé Ricardo. Mas a administração estrelada não contava com a recusa de Autuori, focado em seu atual cargo.
Chuva de “não” e indefinição
A partir do “não” de Paulo Autuori, a diretoria do Cruzeiro se viu obrigada a refazer seu planejamento. O primeiro nome que entrou em pauta foi o de Gabriel Milito, ex-zagueiro argentino que havia pedido demissão de seu clube, o Argentinos Juniors, pouco depois da demissão de Pepa. O nome de Milito se afastava do perfil de Autuori, mas se aproximava dos valores inegociáveis propostos no planejamento da SAF.
Mas Milito também recusou. Cansado, o argentino se mostrou aberto ao projeto desde que este se iniciasse em 2024, com uma pré-temporada e participação na montagem do elenco.
Novamente sem seu treinador, o Cruzeiro passou a ter outros alvos. Nomes como o de Thiago Carpini, do Juventude, e António Oliveira, do Cuiabá, apareceram. Ainda assim, nenhuma proposta oficial foi feita.
Quem recebeu proposta oficial foi Odair Hellmann, de 46 anos, sem clube desde que foi demitido do Santos, no último mês de junho. Odair se empolgou com a possibilidade de treinar o Cruzeiro, mas o desejo da diretoria celeste em contar com o técnico somente até dezembro deste ano afastou possibilidades de acerto. “Papito”, como é conhecido no Rio Grande do Sul, decidiu que assumiria a Raposa somente em caso de continuidade para 2024.
O nome de Odair foi mais um que representou uma ruptura com o que a diretoria pregava e com o treinador procurado anteriormente, Gabriel Milito.
Os dias se passaram e o Cruzeiro se viu cada vez mais encurralado. Sem treinador e com mais um tropeço em casa no domingo (3), ao empatar em 0 a 0 com o RB Bragantino, num jogo ruim da equipe Mineirão — que ainda foi coroado com uma entrevista coletiva no mínimo surreal do treinador interino Fernando Seabra, originalmente técnico do sub-20 celeste —, a pressão sobre a diretoria aumentou e os torcedores passaram a cobrar explicações.
"Se o Cruzeiro não ganhar, olê olê olá, o pau vai quebrar", canta a torcida celeste pic.twitter.com/LMqflLn5bM
— Maic Costa (@omaiccosta) September 3, 2023
Zé Ricardo como cartada final
Completando uma semana sem treinador, o Cruzeiro chegou ao maior período sem um comandante nos últimos dez anos, perdendo somente para os 18 dias, entre 24 de abril e 11 de maio de 2016, entre a demissão de Deivid e a contratação do português Paulo Bento.
Treinadores valorizados, com os quais o Cruzeiro aceitaria fechar um contrato mais longo, são reticentes em aceitar projetos de curto prazo. Já outros, como Odair Hellmann, não queriam somente o papel de “tampão”. Assim, sem ter para onde correr, a diretoria da SAF precisou recorrer a Zé Ricardo, um nome que, provavelmente, torcedores e gestores jamais imaginaram no clube após a venda para Ronaldo Nazário. Era, pelo menos, o que o discurso da administração celeste dava a entender.
Apesar de ter feito trabalhos razoáveis no futebol brasileiro, Zé Ricardo segue mais a linha do pragmatismo, sendo um treinador que consegue pontuar bem, sem encher os olhos. E, correndo risco de rebaixamento, com dificuldades imensas de vencer seus jogos, o Cruzeiro precisa acumular pontos para se livrar do fantasma da Série B, focando num planejamento mais ousado para 2024.
⚠️Cruzeiro tem sequência complicada no Brasileirão
23ª rodada – Santos x Cruzeiro – 13/9 (quarta) – 21h30
24ª rodada – Fluminense x Cruzeiro – 23/9 (quarta) – 21h
25ª rodada – Cruzeiro x América-MG – 30/9 (sábado) – (A confirmar)
26ª rodada – Cruzeiro x Flamengo – (A confirmar)…— Maic Costa (@omaiccosta) September 4, 2023
Últimos trabalhos de Zé Ricardo
O último trabalho de Zé Ricardo no Brasil, comandando o Vasco na Série B de 2022, foi um de seus melhores na carreira. Ele tinha 12 vitórias, oito empates e cinco derrotas em 25 partidas quando pediu desligamento do clube para treinar o Shimizu S-Pulse, do Japão.
No país nipônico, o desempenho do treinador foi bem ruim. Ele assumiu a equipe após a 16ª rodada do campeonato japonês, 16ª posição — primeira da zona de rebaixamento da J-League —, com 13 pontos. Ele ainda foi eliminado da Copa do Imperador, a Copa do Japão, antes de terminar a temporada sendo rebaixado, na 17ª colocação, com 33 pontos.
Mesmo com a demissão, Zé Ricardo foi mantido no clube para a temporada seguinte. Mas a paciência dos japoneses não durou muito. O treinador foi demitido após sete rodadas na segunda divisão japonesa, onde deixou a equipe na 19ª posição, com cinco pontos, mesma pontuação do 21º colocado, JEF United, primeiro time da zona de rebaixamento para a terceirona do Japão.
Números dos trabalhos mais recentes de Zé Ricardo:
— Shimizu S-Pulse 🇯🇵 (06/2022 | 04/2023)
• 28 jogos
• 6 vitórias
• 11 empates
• 11 derrotas— Vasco da Gama 🇧🇷
• 25 jogos
• 12 vitórias
• 7 empates
• 6 derrotas📊 | @SofascoreBR pic.twitter.com/7NQURhNYHd
— Blog da Raposa 🦊 (@BlogRaposa) September 4, 2023
SAF do Cruzeiro age como qualquer outra diretoria brasileira
Se for, de fato, anunciado pelo Cruzeiro, Zé Ricardo será uma aposta alta da diretoria do clube. Não só pelos trabalhos inconstantes do treinador, mas também por colocar em xeque todo o discurso de modernidade e gestão diferenciada de outros clubes do futebol brasileiro.
Apesar dos gráficos e palavras bonitas, a SAF demitiu um treinador em poucos meses, depositou confiança em um nome que não aceitou o projeto, recalculou a rota diversas vezes na busca por um novo técnico e parece prestes a terminar com Zé Ricardo, uma aposta de um clube que não tem comandante, resultados e vê sua margem de erro ficar cada vez menor.