Marcelo Gallardo no Al-Ittihad indica uma opção mais financeira do que esportiva
Depois de recusar diversos clubes na Europa com projeto esportivo mais atrativo, Gallardo decidiu voltar com quem tem um cheque em branco para pagar seu salário
Há pouco mais de um ano, Marcelo Gallardo anunciou a sua saída do River Plate. Ele deixou o clube ao final do ano e parecia pronto para seguir a carreira na Europa. Só que isso não aconteceu. Nesse tempo, foram diversas especulações, algumas propostas e, no fim, o mais badalado treinador sul-americano teve seu novo destino definido: aceitou proposta para dirigir o Al-Ittihad, da riquíssima Arábia Saudita, capaz de pagar salários que até Deus duvida.
O Al-Ittihad está sem técnico desde a saída de Nuno Espírito Santo, demitido no começo de novembro. O favorito a ocupar o posto era o espanhol Julen Lopetegui, demitido em agosto do Wolverhampton. Só que o espanhol não aceitou a proposta do Al-Ittihad, o que abriu as portas para que Gallardo entrasse em pauta.
🇦🇷 Gallardo confirms: “I’m gonna accept Al Ittihad proposal also due to personal reasons. They motivated me with huge project in new interesting league”.
— Fabrizio Romano (@FabrizioRomano) November 18, 2023
“This is gonna open my mind. I see that as something different, it motivates me and I really can’t wait to get back to work”. pic.twitter.com/bBkROTJCyP
O time saudita tem como principal jogador Karim Benzema, de 35 anos. O time ainda tem N’Golo Kanté, 32 anos, Fabinho, 30 anos, Jota (ex-Celtic), 24 anos, Luiz Felipe, 26 anos, além de outros que já estavam lá, como Romarinho, 32 anos, Igor Coronado, 31 anos, e Marcelo Grohe, 36 anos. O Al-Ittihad é o atual campeão saudita, mas está em quinto na atual Saudi Pro League, 11 pontos atrás do líder, Al-Hilal. O time irá jogar também o Mundial de Clubes em dezembro como o campeão do país-sede, já que o torneio será na Arábia Saudita.
Expectativa frustrada de futebol europeu
A expectativa era que Gallardo fosse para o futebol europeu. E não foi por falta de propostas que o ex-técnico do River Plate não voltou à Europa. Antes do início da atual temporada, o Olympique de Marseille fez proposta pelo treinador, que ouviu atentamente e um acordo pareceu estar iminente. Ele seria o substituto de Igor Tudor. Só que o argentino não aceitou a proposta dos marselheses. A rigor, a reclamação do Olympique de Marseille é que o argentino sequer respondeu à proposta. Sem resposta de Gallardo, o Marseille buscou Marcelino Garcia Toral.
Não foi a única oportunidade que Gallardo recusou. O seu nome esteve em pauta em diversos clubes, como o Napoli, após a saída de Luciano Spalletti. O seu nome, porém, acabou não sendo considerado de verdade. O time escolheu Rudi Garcia, que acabou demitido e substituído por Walter Mazzarri, o que parece ser um erro substituído por outro.
Antes disso tudo no Napoli, Gallardo recebeu propostas oficiais de ao menos dois outros times. O Sevilla quis contratar o argentino quando decidiu demitir o técnico Jose Luis Mendilibar, mas Gallardo recusou a proposta. Quem ficou com o cargo foi o uruguaio Diego Alonso, ex-seleção uruguaia.
Por fim, mas não menos importante, quem procurou Gallardo foi o Villarreal. Após a demissão de Quique Setién, em setembro, Gallardo foi abordado. Mais uma vez, o argentino recusou a proposta. Veio primeiro Pacheta, um técnico que durou 62 dias e agora foi substituído por Marcelino Garcia Toral, aquele mesmo, ex-Marseille.
Al-Ittihad vai pagar algo que nenhum clube europeu paga
Todas essas propostas eram mais atraentes, esportivamente, do que assumir o Al-Ittihad. O Marseille é um clube gigantesco na França, um país onde Gallardo teve muito sucesso como jogador do Monaco e do PSG. Parecia a oportunidade perfeita para Gallardo ingressar no futebol europeu: um clube grande, de repercussão, com capacidade de investimento (não dos mais ricos, mas significativa para a França) e em um país onde ele não só conhece, como fala a língua.
Depois, a oportunidade de treinar o Sevilla, um time que tem sucesso europeu nos últimos anos, na Espanha, onde não haveria qualquer barreira linguística. As recusas ao Sevilla e ao Villarreal indicavam que ele esperava algo maior. Algo que, honestamente, não viria. Dificilmente um clube dos maiores da Inglaterra ou da Alemanha, ou mesmo da Espanha, restringindo a Real Madrid e Barcelona, apostariam em Gallardo. Mesmo na Itália, não parecia provável. Então, por que a recusa?
Aceitar a proposta do Al-Ittihad indica que a questão era financeira. Gallardo recebia um salário bastante grande no River Plate, especulado em US$ 6 milhões por ano. Um salário alto mesmo para os padrões europeus. Os salários no Al-Ittihad seriam algo próximo a entre 20 e 25 milhões de euros por ano (entre 21 e 27 milhões de dólares), em um contrato inicial de 18 meses, ou seja, terminar a atual temporada, que está na metade, e mais uma temporada completa.
Esse salário não seria pago por nenhum outro clube europeu. Diego Simeone é o técnico mais bem pago do mundo, algo em torno de 30 milhões de euros por temporada. Nomes como Pep Guardiola recebem mais de 20 milhões por temporada. Gallardo teria que começar em outro patamar. Especialmente porque ele nunca treinou na Europa.
Técnicos sul-americanos em geral precisam se provar em clubes menores
Um técnico sul-americano que quer fazer carreira na Europa normalmente precisa passar por um teste em clubes menores. São raros os casos de técnicos que saem da América do Sul direto para um grande europeu —e esses exemplos são normalmente negativos, como o de Vanderlei Luxemburgo ou Gerardo Tata Martino. Por isso, é bom comparar com técnicos sul-americanos que fizeram a passagem da América do Sul à Europa.
Diego Simeone começou a carreira como técnico no Racing, treinou também o Estudiantes, treinou também o River Plate, o San Lorenzo e depois foi para a Europa. Lá, ele foi treinador do Catania, na Itália, onde conseguiu fazer um bom trabalho em uma situação dificílima. Assumiu no meio da temporada e salvou do time no rebaixamento. Ele voltaria à Argentina brevemente, treinando o Racing por um semestre. Em dezembro de 2011, assumiu o Atlético de Madrid, clube que dirige até hoje.
O chileno Manuel Pellegrini teve muito sucesso treinando na América do Sul, tendo o River Plate como o principal clube que treinou. De lá, foi para o Villarreal, na Espanha, onde conseguiu fazer um trabalho histórico por cinco anos. Foi assim que conquistou o seu espaço, treinou também o Málaga, o Manchester City, foi para a China, treinou o West Ham e o Betis, onde está atualmente.
Outro técnico sul-americano badalado na Europa é Mauricio Pochettino. Ex-jogador, começou no clube onde pendurou as chuteiras, o Espanyol, como assistente técnico no time feminino. Assumiu o time masculino em 2009, onde ficou até 2012. Depois, foi para o Southampton e fez um ótimo trabalho. De lá, foi para o Tottenham, onde fez o seu melhor trabalho na carreira, passou também pelo PSG e está no Chelsea nesta temporada.
Todos eles tiveram que passar por clubes menores. Há um fator eurocentrista nisso, sem dúvida: os sul-americanos precisam primeiro se provar. É verdade, um nome como Gallardo, se fosse europeu, teria portas muito mais abertas. A realidade, porém, é essa: quem quer trabalhar na Europa precisa mostrar que pode.
Gallardo, claramente, não quis seguir essa trajetória, que até seria facilitada por começar em times já boa repercussão. Ao escolher o Al-Ittihad, ninguém vai se convencer que é pelo projeto esportivo. Mesmo que o time hoje seja estelar, com nomes de muito peso, é difícil argumentar e convencer que esportivamente é mais atraente que o Marseille ou o Sevilla, especialmente. Ainda que os discursos que vejamos normalmente valorizem excessivamente isso.
A opção pelo Al-Ittihad é por uma proposta financeira muito atrativa e não há nenhum problema nisso. É parte do ambiente profissional. Cada profissional pode escolher como lhe convier. Pode ser que esta seja só uma etapa para que, enfim, Gallardo trabalhe na Europa. Neste momento, porém, é difícil imaginar isso, a não ser que o treinador decida aceitar esse tipo de proposta que já apareceu para ele.