Serie A

Napoli recorreu ao passado para corrigir um erro e talvez tenha cometido outro

Walter Mazzarri retorna dez anos depois de um grande trabalho para substituir Rudi Garcia - e esquentar o banco de reservas

O fracasso de Rudi Garcia à frente do Napoli foi uma espécie de profecia auto-realizável. Nunca pareceu o nome certo para substituir Luciano Spalletti e defender o scudetto, nunca pareceu ter sido uma escolha convicta do presidente Aurelio de Laurentiis, que passou a Data Fifa anterior, de outubro, tentando trocá-lo por Antonio Conte. Sem confiança, e sem muita gente acreditando que daria certo, não deu mesmo e foi demitido nesta terça-feira. Mas para corrigir esse erro talvez o Napoli esteja cometendo outro. Porque o que fundamenta o retorno de Walter Mazzarri?

O passado, claro. O Napoli teve um dos times mais legais do futebol europeu quando alinhava Marek Hamsik, Ezequiel Lavezzi e Edinson Cavani. Foi responsável por levá-lo de volta à relevância após o processo de falência, com classificação à Champions League, um título da Copa Itália e um vice-campeonato na Serie A. Mazzarri fez um trabalho excepcional naquela época e parecia prestes a estourar. No entanto, aquela época foi 10 anos atrás. E ele nunca estourou.

Até era uma escolha natural para a Internazionale em 2013/14, mas não passou do quinto lugar, longe de vaga na Champions League e insistindo em um esquema com três zagueiros que não dava certo. Foi demitido em novembro, no começo da temporada seguinte, para dar lugar ao retorno de Roberto Mancini. Depois, foi um dos raros técnicos do Watford que conseguiram sobreviver à compulsão por mudanças da família Pozzo e comandou uma campanha inteira. Embora tenha escapado do rebaixamento, foi 17º colocado, quatro posições abaixo do ano anterior.

Teve apenas mais dois trabalhos. Com o Torino, um grande momento de alta foi a classificação à Liga Europa em 2018/19, e, logo em seguida, um grande momento de baixa, foi levar 7 a 0 da Atalanta e 4 a 0 do Lecce antes de ser demitido, em fevereiro de 2020. Com o Cagliari, passou a Seria A inteira enfrentando o rebaixamento e acabou perdendo a briga. A queda foi inevitável, apesar da sua demissão a três rodadas do fim.

Então não é tanto um problema que Mazzarri seja um apelo emocional do passado quanto o fato de que, nos últimos dez anos, o melhor que conseguiu foi um sólido sétimo lugar com o Torino. Não tem muita coisa, neste momento, que justifica a sua contratação como um profissional para manter o Napoli como um clube que briga pelos principais títulos. Mas tem algumas que o justificam como uma solução de curto prazo para terminar uma temporada mais complicada do que se imaginava.

À espera de Conte?

Ao ser abordado por De Laurentiis, Antonio Conte usou as redes sociais para reforçar que não está disposto a voltar a trabalhar. Por enquanto. Falou em “tirar um tempo e aproveitar a família”. Viciado em trabalho, e ainda com 54 anos, com certeza não se aposentará. É provável que esteja muito mais receptivo à proposta do Napoli durante a pré-temporada, quando terá acesso à conta bancária do cineasta para moldar o elenco à sua imagem, como gosta de fazer.

Rudi García balançou antes de outra pausa internacional, o único momento do calendário europeu em que é possível tirar um instante ou dois para respirar, e desta vez o favorito era Igor Tudor. Mas a sombra de Conte pairou em cima das negociações. Segundo a Sky Sports da Itália, De Laurentiis ofereceu um contrato de apenas sete meses, mantendo suas opções abertas para tentar o ex-treinador da seleção italiana novamente no verão europeu. Tudor queria vínculo até 2025.

Podemos discutir se a obsessão de De Laurentiis é saudável, e se vale a pena arriscar a atual temporada para talvez ter Conte para a próxima. Porque ele pode simplesmente aceitar outro trabalho antes. Ou recusar o Napoli de vez. E não é que seu último trabalho, pelo Tottenham, foi excepcional. Mas nesse contexto, a contratação de Mazzarri faz muito mais sentido.

Porque são poucos os treinadores de calibre que aceitariam se colocar em uma posição que é basicamente de interino. Entre elas, é compreensível a preferência por um profissional experiente, barato (€ 1 milhão pelos sete meses), com uma história bonita e que tem crédito com as arquibancadas. Enfim, não preciso explicar muito porque toda semana tem um clube brasileiro fazendo exatamente isso.

O problema é o que o Napoli está arriscando. Não ser campeão novamente depois do êxtase da quebra do jejum no Campeonato Italiano não é nenhum desastre, mas jogar toda uma temporada fora pode ser, sim. E se o clima piorar? E se ficar fora da Champions League? E se jogadores pararem de evoluir, o time se desorganizar totalmente, e, de repente, o clube deu um passo para trás? E se Kvaratskhelia perder a paciência e pedir para ser negociado?

O trabalho de Mazzarri obviamente é impedir que tudo isso aconteça e pode ser que ele consiga. Também não é um zero à esquerda. Teve momentos bons carreira, mesmo que longínquos, e conhece muito bem o ambiente. Considerando que precisou trocar de técnico, errou na contratação do sucessor, perdeu seu principal zagueiro, está em litígio com seu principal centroavante, e a ressaca natural depois uma campanha tão fantástica, a situação do Napoli, em quarto lugar e de boa para chegar às oitavas de final da Champions League, não é desesperadora.

Tem um caminho para um restante de temporada honesto, mas é curioso como a contratação de um técnico que o Napoli conhece tão bem pareça tanto um tiro no escuro.

Foto de Bruno Bonsanti

Bruno Bonsanti

Como todo aluno da Cásper Líbero que se preze, passou por Rádio Gazeta, Gazeta Esportiva e Portal Terra antes de aterrissar no site que sempre gostou de ler (acredite, ele está falando da Trivela). Acredita que o futebol tem uma capacidade única de causar alegria e tristeza nas mesmas proporções, o que sempre sentiu na pele com os times para os quais torce.
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