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Rudi García não parece o mais credenciado para o Napoli, mas recebe a missão de suceder Spalletti

Rudi García possui trabalhos marcantes na carreira e longa caminhada no futebol, mas não era exatamente um treinador das primeiras prateleiras para assumir os atuais campeões italianos

O Napoli não tinha uma escolha fácil a fazer, diante da saída de Luciano Spalletti de seu comando. O veterano treinador conseguiu um feito histórico com a conquista do Scudetto e criou uma relação muito forte com os torcedores no Estádio Diego Armando Maradona. Todavia, preferiu tirar um ano sabático depois de seu ápice. Dificilmente os napolitanos conseguiriam um novo técnico com a mentalidade e também com a bagagem de Spalletti, ainda mais considerando as limitações orçamentárias. Ao longo das últimas semanas, diversos nomes foram especulados como possíveis sucessores. E se obviamente o herdeiro de Spalletti não chegaria com o moral do antecessor, não é que Rudi García pareça tão credenciado nos últimos anos para assumir os atuais campeões italianos. Até possui alguns feitos notáveis em clubes como o Lille e o Lyon. Ainda assim, o francês terá a principal missão de sua carreira, ao tentar manter o nível de uma equipe que superou todas as expectativas na atual temporada e conta com um altíssimo número de talentos.

O Napoli não deu muitos detalhes sobre o contrato de Rudi García no anúncio oficial feito pelo clube, mas a imprensa italiana aponta que o novo técnico assina por dois anos e poderá estender o vínculo por mais um. Em suas redes sociais, o presidente Aurelio De Laurentiis deu as boas vindas ao seu novo funcionário: “Tenho o prazer de anunciar que, depois de conhecê-lo e conviver com ele nos últimos dez dias, o senhor Rudi García será o novo treinador do Napoli. A ele dou minhas sinceras boas vindas e desejo muita sorte!”. O francês de 59 anos possui grande experiência, mas não circulava entre os principais técnicos da Europa nos últimos anos para ser visto como um nome cotado para assumir os celestes.

Rudi García teve uma carreira modesta como jogador. O ex-meia rodou por clubes da Ligue 1, como o Lille, o Caen e o Martigues. Sua trajetória como treinador começou ainda nos anos 1990, primeiro no pequeno Corbeil-Essones, antes de se tornar assistente do Saint-Étienne. Teve uma brevíssima passagem pelo comando principal dos Verts, quando não conseguiu evitar o rebaixamento na Ligue 1, até assumir outros times de menor projeção na virada do século. Ficou três temporadas à frente do Dijon na segundona e teve um bom ano com o Le Mans em 2007/08, com Gervinho e Túlio de Melo entre os principais destaques na equipe que alcançou a nona colocação na Ligue 1. Tal sucesso abriria as portas de novo no Lille.

Na velha casa, Rudi García fez o grande trabalho de sua carreira. Foram cinco temporadas completas à frente do Lille a partir de 2008, num período no qual o clube se acostumou a ocupar as primeiras colocações na tabela e a disputar as competições europeias. O ápice veio em 2010/11, com a dobradinha entre o título da Ligue 1 e também da Copa da França. Eden Hazard era o projeto de craque dos Dogues, mas a ótima equipe ainda reunia nomes como Mickaël Landreau, Mathieu Debuchy, Adil Rami, Yohan Cabaye, Rio Mavuba, Gervinho e Moussa Sow. Exibiam um estilo de jogo ofensivo e bastante direto. Naquele período, o Lille de Rudi García sempre ficou entre os seis primeiros do Francesão, ainda com uma terceira colocação em 2011/12.

O sucesso com o Lille impulsionou Rudi García para assumir a Roma em 2013/14. O treinador durou duas temporadas e meia no Estádio Olímpico. Foi bem especialmente no ano de estreia, quando a Loba chegou a liderar a Serie A nas primeiras rodadas e emendou dez vitórias nas primeiras dez partidas. Os romanistas perderam o fôlego depois disso e somaram 85 pontos, com o vice-campeonato, longe dos 102 pontos da hegemônica Juventus. A segunda posição se repetiu na temporada seguinte, mas com um aproveitamento bem inferior. Isso até que o francês acabasse demitido no meio de sua terceira campanha com os giallorossi, após a eliminação na Copa da Itália diante do Spezia. Seus números gerais até foram melhores que no Lille, mas nada suficiente para marcar época.

De volta à França, Rudi García passou três temporadas no Olympique de Marseille. Assumiu em outubro de 2016, no lugar de Franck Passi, e não conseguiu resultados tão estrondosos no Campeonato Francês. Foram três campanhas na Ligue 1 em que oscilou entre a quarta e a quinta colocação. O desempenho que gerou maior empolgação veio na Liga Europa, com a caminhada até a final de 2017/18, apesar do título perdido diante do Atlético de Madrid. Já o outro feito relevante de sua carreira aconteceu no Lyon, contratado em outubro de 2019. García assumiu um time caótico após a demissão de Sylvinho, sob o risco de rebaixamento. Não apenas conseguiu levar os Gones para a metade de cima da tabela na Ligue 1, como alcançou as semifinais da Champions League 2019/20, em sua maior façanha continental. Eliminou Manchester City e Juventus, antes de sucumbir diante do Bayern de Munique.

Rudi García deixou o Lyon ao final da temporada 2020/21. A equipe brigou pelo título da Ligue 1 até a reta final, mas viu o Lille ser campeão e ainda ficou de fora da Champions League. O técnico tinha péssima relação com Juninho Pernambucano na diretoria, o que o desgastou mesmo com os resultados. Sem conseguir novos trabalhos na Europa, o francês partiu à Arábia Saudita para fazer um bom dinheiro em 2022/23. Entretanto, sequer terminou a temporada à frente do Al-Nassr. Mesmo recebendo o reforço de Cristiano Ronaldo e voltando aos holofotes, García perdeu fôlego na disputa pelo título do Campeonato Saudita e foi demitido em abril. Neste momento, até parecia difícil vê-lo se reencaixar num grande centro. O Napoli cai do céu.

Uma das premissas de Aurelio De Laurentiis para contratar seu novo treinador era contar com alguém que mantivesse o desenho tático no 4-3-3. Rudi García deve aproveitar o modelo de jogo e não deve representar grandes cisões em relação a Spalletti. Também favorece um estilo mais agressivo. É um treinador com grande rodagem, como os próprios 59 anos de idade indicam. Possui sua experiência anterior na Serie A e também disputou várias temporadas das competições continentais. Mas não é alguém tão acostumado a clubes importantes, como no caso do próprio Spalletti. García concentrou sua carreira na Ligue 1, sem o maior nível competitivo possível.

Também pesa a ausência de títulos nos últimos anos para Rudi García. Tudo bem que Spalletti não era um grande exemplo neste sentido, mas o francês não levou mais nenhum caneco desde aquela dobradinha com o Lille em 2011/12. Chegar a uma semifinal de Champions com o Lyon e a uma final de Liga Europa com o Olympique de Marseille são feitos raros, é verdade. Mas os melhores desempenhos do técnico ao longo da última década não se transformaram em título. Talvez falte um pouco mais de peso para assumir um time recém-campeão e que, pelo aproveitamento que teve na Serie A, fatalmente será visto como candidato ao bi.

De Laurentiis prefere concentrar sua aposta, mais uma vez, num técnico que vem em baixa. Isso se repetiu ao longo dos últimos anos e tantas vezes deu certo, a exemplo de Carlo Ancelotti e Luciano Spalletti. O presidente do Napoli tem seus méritos pelas boas escolhas na direção celeste, com menções honrosas também a Walter Mazzarri e a Maurizio Sarri. Entretanto, pelos holofotes que circulam ao redor dos napolitanos, era de se esperar que o clube estivesse com força o suficiente para atrair um treinador de primeira prateleira. De Laurentiis preferiu limitar seus gastos e trabalhar dentro da própria realidade. García ganha uma chance de ouro nas mãos. Terá que se provar digno da confiança dos partenopei e acima das projeções de tantos que torcem o nariz neste momento.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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