Copa América 2024

O dia em que a Argentina rejeitou Messi

Eliminação para o Uruguai, na Copa América de 2011, teve xingamentos à família do craque na arquibancada

A noite gelada de Santa Fé prometia um jogo quente. Argentina e Uruguai, pelas quartas-de-final da Copa América de 2011.

O palco era o mítico estádio Brigadeiro General Estanislao López, conhecido como Cemitério dos Elefantes, em virtude da canseira que o Colón de Santa Fé aplicava em grandes times que por ali passavam (inclusive o Santos de Pelé, derrotador por 2 a 1 em amistoso realizado em 1964).

Onze anos antes da consagração na Copa do Mundo do Catar, Messi era visto com desconfiança pelos argentinos. O dono dos corações dos vizinhos era Carlos Tévez. 

Dias antes do confronto com os uruguaios, a Argentina enfrentou a Colômbia em Santa Fé. Durante a execução do hino nacional, Tévez cantou quase aos berros, com as câmeras registrando tudo.

A imagem seguinte mostrou um Messi calado, concentrado, sem entoar uma nota. Virou assunto nacional na Argentina. As entrevistas feitas com torcedores à porta dos estádios revelavam uma profunda decepção.

Messi decepcionado após confronto da Argentina contra a Colômbia na Copa América 2011 (Foto: Iconsport)

“Não tem ovos, não joga como argentino”, vociferavam alguns após o empate sem gols com os colombianos. 

Lembro que fizemos um bate-volta de carro de Buenos Aires para Santa Fé, eu e o narrador Luís Carlos Júnior, enfrentando um dia de frio extremo. O grande Walter Casagrande assistiu ao jogo em nossa cabine. O Clássico do Rio da Prata mexe com quem ama o futebol. 

Em campo, Argentina e Uruguai entregaram a carga de emoção que se esperava. Embora muito cobrado pela mídia argentina e pela torcida de Buenos Aires, Messi, que é “santafesino”, nasceu em Rosário, capital da província de Santa Fé, foi recebido calorosamente pela torcida.

Jogou bem, em especial no primeiro tempo, mas viu o Uruguai sair na frente com Diégo Pérez. O jogo era brigado. Pérez chegava junto pelos uruguaios, e o atual treinador do Galo, Gabriel Milito, devolvia pelos argentinos.

Messi deu o gol de empate para Higuaín, e Pérez, que seguia dando botinadas, foi expulso. Tévez entrou no segundo tempo, para festa da torcida, mas nada de a Argentina aproveitar a vantagem numérica, mesmo com Messi querendo consagrar Higuaín, que desperdiçava todas as oportunidades.

Identificados pela geração de imagens da TV argentina, os pais de Messi estavam na arquibancada do Cemitério dos Elefantes, como torcedores comuns.

A tensão crescia, e a decisão foi para os pênaltis. Quanto mais fazia frio em Santa fé, mais quente ficava o estádio.

Tévez perdeu pela Argentina, e Cácerez converteu para os uruguaios. A pequena torcida charrúa foi ao delírio, e Cáceres, alucinado, perdeu totalmente a compostura e mostrou “os cojones” para a torcida argentina, numa mensagem clara de que o time tinha “aquilo roxo”, como disse um presidente brasileiro de triste memória.

A eliminação fez com que aquela imagem de Messi calado durante o hino se voltasse contra seus pais, que foram hostilizados na arquibancada em Santa Fé, inclusive sendo alvo de alguns objetos atirados conta eles. Felizmente, a intervenção de torcedores civilizados e de forças de segurança evitou o pior.

A eliminação para o Uruguai, que seria campeão da Copa América, custou o emprego do técnico argentino, Sérgio “Checho” Batista, ex-jogador campeão do mundo em 1986.

Argentina de Messi foi eliminada pelo Uruguai na Copa América 2011 (Foto: Iconsport)

Ainda que tivesse sido campeão olímpico em 2008, a reconciliação de Messi com os torcedores argentinos passou duas vezes pelo Maracanã. Ali, ele perdeu a final da Copa do Mundo de 2014 e conquistou a Copa América de 2021.

Ali, o menino que deixou Rosário aos 13 anos, para se formar jogador em Barcelona, recebeu a cidadania argentina em definitivo. A genuína emoção demonstrada pelo maior jogador de sua geração na derrota de 2014 e na vitória de 2021 conquistou os argentinos.

Estava pavimentado o caminho para a catarse com a conquista do Mundial de 2022, no Catar. Fechava-se o ciclo cujo ponto mais dramático tinha acontecido onze anos, antes, naquela noite gelada em Santa Fé: de rejeitado a ungido.

Foto de Mauricio Noriega

Mauricio Noriega

Colunista da Trivela
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