Como a bagunça na CBF afastou Ancelotti da Seleção e abriu caminho para renovação com Real Madrid
Trivela detalha a cronologia do desastre que fez Ancelotti deixar de ser o futuro técnico da Seleção para renovar com o Real
Carlo Ancelotti foi Carlo Ancelotti em essência em sua primeira entrevista coletiva de 2024 – a primeira depois da renovação de contrato com o Real Madrid que fez a CBF ficar com cara de bobo ao redor do mundo. Ao seu estilo, o treinador admitiu que teve conversas com o agora ex-presidente da entidade, Ednaldo Rodrigues, para assumir a seleção brasileira a partir do segundo semestre. Foi o jeito do italiano de dizer que a história sobre a sua “recusa” à Seleção não foi bem assim.
– A realidade é a que todo mundo sabe, o Real Madrid também, que eu tive contato com o presidente naquele período, que era o Ednaldo Rodrigues. Quero agradecê-lo porque me demonstrou carinho e interesse para que eu treinasse a Seleção Brasileira. Me deixou muito honrado, mas dependia da minha situação no Real Madrid. Que isso fique claro para todos. Nos últimos meses, aconteceu que o Ednaldo não é mais presidente da confederação. No fim das contas, as coisas foram como queria, que era continuar aqui – disse Ancelotti durante a sabatina com os jornalistas.
“Nos últimos meses, aconteceu que o Ednaldo não é mais presidente da confederação”. Esta frase é o resumo para explicar como Ancelotti deixou de ser o futuro técnico da Seleção para permanecer no Real Madrid por mais duas temporadas.
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— Real Madrid C.F. (@realmadrid) January 2, 2024
A cronologia do desacerto
Meses atrás, o então presidente da CBF Ednaldo Rodrigues chegou a um acordo com o italiano para ele assumir a seleção brasileira a partir de junho deste ano, já para a disputa da Copa América. À época, o treinador não poderia assinar contrato com a entidade, justamente por ter vínculo vigente com o Real Madrid até a metade de 2024. O técnico merengue era a prioridade do ex-dirigente desde a saída de Tite, após a Copa do Mundo de 2022.
Mesmo sem a assinatura, a CBF tinha garantias para bancar a chegada do treinador. Prova disso é que o próprio Ednaldo Rodrigues deixou escapar logo após a primeira convocação de Diniz, que o italiano assumiria a Seleção. O ex-mandatário inclusive mantinha contato frequente com Ancelotti e falava sobre o presente e o futuro do Brasil. Ele não contava, porém, que seria deposto do cargo de presidente da entidade por conta de um imbróglio na Justiça.
Fora do cargo, Ednaldo informou o treinador que não conseguiria honrar o acordo selado entre eles na metade do ano passado. Por meio de intermediários, o ex-dirigente da CBF “liberou” Ancelotti de qualquer obrigação com a entidade. Foi a partir daí que o italiano deu sequência às conversas com o Real Madrid para renovar seu contrato.
O dito papelão da CBF com a permanência de Ancelotti na Espanha, portanto, tem muito mais a ver com a postura da entidade do que com o anúncio feito pelo Real Madrid na última sexta-feira (29). É que a chegada do italiano era tratada como assunto já resolvido há tempos. O ex-presidente Ednaldo Rodrigues se orgulhava de um acerto com o treinador desde junho deste ano, pouco antes do anúncio de Fernando Diniz como técnico. Mas aquele velho ditado já lembrava: o peixe morre pela boca, e o ser humano morre pela língua.
E que língua! Não bastasse afirmar informalmente a jornalistas que Ancelotti seria o técnico da Seleção a partir de junho, Ednaldo Rodrigues também garantia aos jogadores que o treinador assumiria a equipe. O descrédito da CBF reina até mesmo entre o elenco, dentro do vestiário da seleção brasileira. O relato ouvido pela Trivela, aliás, é de que o ex-mandatário teve de pedir o contato do técnico a um dos atletas que já trabalhou com o italiano para iniciar as conversas.
O afastamento de Ednaldo Rodrigues
O Tribunal de Justiça decidiu destituir o mandatário do cargo por entender que um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre a CBF e o Ministério Público do Rio de Janeiro, em março de 2022, é ilegal. O documento, assinado pelo próprio Ednaldo Rodrigues, foi o que permitiu que fosse realizada a eleição que o colocou na presidência da entidade, com um mandato de quatro anos. Mas o imbróglio judiciário é bem mais antigo do que isso e começa em 2017. No plenário, a destituição foi aprovada por três votos a zero. Os desembargadores Mauro Martins e Mafalda Luchese acompanharam o voto do relator Gabriel Zéfiro.
O processo judicial foi aberto em 2018, após o Ministério Público questionar uma Assembleia Geral da CBF que mudou as regras para as eleições na entidade, à época sob o comando de Marco Polo Del Nero. O MP contestou a mudança porque ela ocorreu sem a participação dos clubes na tomada de decisão.
Sob o novo regimento eleitoral, Rogério Caboclo foi eleito presidente da CBF para um mandato de quatro anos, desde abril de 2019 até abril de 2023. Em 2021, o ex-mandatário foi afastado do cargo por conta de denúncias de assédio sexual. A Justiça decidiu anular a eleição e nomeou o presidente da Federação Paulista de Futebol, Reinaldo Carneiro, e o presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, como interventores.
Esta decisão acabou sendo anulada pelo Tribunal meses mais tarde. Em agosto daquele ano, os vice-presidentes da CBF nomearam Ednaldo Rodrigues como presidente interino até a conclusão do mandato de Caboclo, em abril de 2023. Em do ano passado, o agora presidente deposto assinou um TAC com o Ministério Público do Rio de Janeiro para extinguir a ação na Justiça contra a CBF.
Foi graças a esse termo e às novas regras, que Ednaldo foi candidato único na eleição e acabou eleito presidente da CBF em 2022, para um mandato de quatro anos. A alegação do Tribunal de Justiça é que Ednaldo não poderia assinar o TAC na condição de interino, porque ele poderia se beneficiar do acordo.
Diniz não foi procurado sobre renovação
A situação atual é tão grave, que a única certeza sobre a seleção brasileira tem um curto prazo de validade. De fato, só é possível afirmar que Fernando Diniz será o técnico até junho, quando encerra o seu contrato. A partir daí, tudo é terreno nebuloso para o futuro em campo do brasil.
Até agora, o treinador não foi procurado para tratar de renovação, ou de permanência ao menos até a Copa América. Também, seria impossível algo diferente disso: a CBF atualmente está sob o comando interino de José Perdiz, presidente licenciado do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) por 30 dias. Ou seja: sequer há um mandatário que possa conduzir quaisquer decisões sobre o cargo de treinador. Além disso, o técnico está offline. Ele desfruta de um merecido período de férias após a disputa do Mundial de Clubes pelo Fluminense.
Quando a Seleção volta a jogar?
Ao menos, a Seleção só volta a jogar em março do ano que vem. No dia 23, o Brasil enfrenta a Inglaterra em um amistoso em Wembley, em Londres. Está previsto ainda outro duelo com a Espanha, no Santiago Bernabéu. Mas até agora, esta partida não foi oficializada pela CBF. Estes serão os últimos dois compromissos sob o comando do técnico Fernando Diniz e antes da disputa da Copa América. Resta saber quem assumirá a seleção brasileira a partir daí.