Del Nero ‘esquece’ quem é ao dizer que está preocupado com ‘rumos financeiros’ da CBF
Ex-presidente da CBF e banido do futebol por receber propina em contratos de direitos de televisão, Marco Polo Del Nero aproveitou o momento de contestação de Ednaldo Rodrigues para sair das sombras
Os resultados ruins da Seleção Brasileira em 2023, a campanha bem abaixo do esperado nas Eliminatórias Sul-Americanas, a novela envolvendo Carlo Ancelotti e as muitas reclamações sobre a arbitragem do Brasileirão abriram espaço mais do que suficiente para uma enxurrada de críticas à CBF e seu presidente, Ednaldo Rodrigues. A falta de popularidade da entidade neste fim de ano fez com que até quem não tem moral alguma para reprovar o comando do futebol brasileiro saísse das sombras para aparecer como oposição. É o caso de Marco Polo Del Nero.
Presidente da CBF de abril de 2015 a dezembro de 2017 e banido do futebol pela Fifa por receber propina em troca de vantagens em contratos de direitos de televisão, Del Nero achou de bom tom escrever um texto publicado nesta quinta-feira (30) no Uol dizendo estar preocupado com os rumos financeiros da entidade. Além disso, pediu a renúncia de Ednaldo, em um claro sinal de que não liga para a punição imposta a ele em 2018, quer ser oposição à atual gestão e, quem sabe, voltar a ter algum poder no esporte.
Del Nero: “Pelo bem do futebol brasileiro, Ednaldo deveria renunciar à CBF” https://t.co/TSectpH8EL
— UOL Esporte (@UOLEsporte) November 30, 2023
Um suposto déficit de R$ 400 milhões da “gestão precária, temerária e dissociada da realidade” motivou as principais críticas de Del Nero, que teve a coragem de afirmar que escreveu o texto por ser “torcedor e entusiasta do potencial do futebol brasileiro”. O ex-presidente ainda falou em “gastos descontrolados, receitas em queda e contratos renegociados de forma absurda para valores inferiores aos praticados atualmente”, mas em nenhum momento citou qualquer fonte para bancar as declarações.
— A saúde financeira da CBF que parecia inabalável parece agora estar em iminente risco. A atual gestão herdou um caixa de R$ 1,25 bilhão e receitas crescentes. E pelo que temos notícia, agora o saldo já está abaixo dos R$ 870 milhões. De abril até agora — escreveu em determinado momento.
— E se o presente preocupa, o que se projeta para o futuro é ainda pior. Gastos descontrolados, receitas em queda e contratos renegociados de forma absurda para valores inferiores aos praticados atualmente. Tem patrocinador que pagava R$ 80 milhões e agora paga R$ 40 milhões. Direitos da Seleção Brasileira desvalorizados em outros R$ 40 milhões por ano. Seis patrocinadores abandonaram ou não renovaram seus contratos. Nenhuma nova marca conquistada. Dezenas de fornecedores recorrendo à justiça para receber pelos serviços prestados. Protestos, SERASA, tudo um caos — continuou Del Nero mais à frente.
A ‘cara não arde'
Em dezembro de 2015, Marco Polo Del Nero foi indiciado pela Justiça dos Estados Unidos na operação Fifagate, que investigava esquemas de corrupção de dirigentes ligados ao futebol. Na eclosão do caso, mandados de prisão foram emitidos e cumpridos na Suíça, onde estava o ex-mandatário para um congresso da Fifa. O brasileiro conseguiu deixar o país antes de ser detido pelas autoridades.
Outro ex-presidente da CBF, José Maria Marin não teve a mesma sorte, foi detido em Nova York condenado por organização criminosa, fraude financeira e lavagem de dinheiro. Em depoimento à corte americana, o advogado de Marin incriminou Del Nero e o identificou como o chefe do esquema de corrupção da entidade brasileira.
Mesmo depois de ser indiciado, Del Nero seguiu no comando da CBF por mais dois anos e se manteve em solo brasileiro para se esquivar do FBI. No sorteio dos grupos da Copa do Mundo de 2018, realizado no início de dezembro do ano anterior na Rússia, o Brasil foi o único participante do torneio que não contou com a presença do presidente da sua federação. No mesmo mês, ele acabaria suspenso preventivamente pela Fifa e entregaria o cargo nas mãos do Coronel Nunes.
Tchau, tchau Del Nero: ex-presidente da CBF é banido do futebol pela Fifa. https://t.co/yG2dkw6ByS pic.twitter.com/M4NUm4g7jS
— Trivela (@trivela) April 27, 2018
Mesmo cumprindo suspensão, ele orquestrou a eleição de Rogério Caboclo, que assumiria o comando da CBF em abril de 2019 e ali permaneceria até junho de 2021, quando foi afastado da presidência por ter sido denunciado por assédio moral e sexual.
Em abril de 2018, a Fifa baniu Del Nero do esporte, alegando que o dirigente do Palmeiras no começo da década de 1970 concedeu contratos de direitos de transmissão e marketing de torneios de futebol, incluindo Copa América, Copa Libertadores e Copa do Brasil, em troca de suborno. A investigação da entidade máxima do futebol mundial declarou-o culpado de suborno e corrupção, oferecer e aceitar presentes e outros benefícios, conflitos de interesses, quebra de lealdade e regras gerais de conduta.
CBF rebate Del Nero, acusado de planejar um golpe
O texto de Marco Polo Del Nero foi prontamente rebatido pela CBF, que enviou uma nota de resposta ao Uol. Nela, a entidade chamou de “fake news” as acusações de seu ex-presidente e alegou ter tido o maior superávit da sua história em 2022. No fim, ainda deu uma leve alfinetada ao mencionar estar seguindo cláusulas da Fifa de transparência e anticorrupção.
— A CBF não comenta fake news. No mais, é público que a entidade teve em 2022 o maior superávit de sua história. Além disso, é público também que a CBF tem feito o maior investimento de sua história , atendendo os esquecidos até anos atrás, como os clubes das Séries C e D e o futebol feminino, o que já foi amplamente noticiado. Tudo isso seguindo cláusulas de transparência e anticorrupção avalizadas pela Fifa, que anos atrás suspendeu repasses à CBF em função de escândalos de corrupção — disse a CBF em nota.
Importante ressaltar que na quarta-feira (29) o senador e ex-jogador Romário (PL-RJ) foi a público acusar Del Nero e Ricardo Teixeira — outro ex-presidente da CBF — de estarem planejando um golpe para retomar o comando do futebol brasileiro. O campeão mundial em 1994, no entanto, não informou como seria essa recuperação do poder, já que o primeiro está banido do esporte e o segundo não pode sair do país por ter recebido propina para votar no Catar como sede da Copa do Mundo de 2022.
— No momento, temos conhecimento de que dois ex-presidentes da CBF estão se mobilizando de maneira oportunista, aproveitando o atual momento da seleção, para iniciar um movimento visando dar um golpe na gestão atual e retomar o poder em nosso futebol. É muita cara-de-pau. Ricardo Teixeira e Marco Polo del Nero estão na lista vermelha da Interpol e não podem sair do Brasil ou serão presos, por terem sido condenados nos EUA. O crime? Corrupção — escreveu Romário nas redes sociais.
No momento, temos conhecimento de que dois ex-presidentes da CBF estão se mobilizando de maneira oportunista, aproveitando o atual momento da seleção, para iniciar um movimento visando dar um golpe na gestão atual e retomar o poder em nosso futebol. É muita cara-de-pau. Ricardo… pic.twitter.com/p1xbMivLbx
— Romário (@RomarioOnze) November 29, 2023
Por mais que um golpe pareça improvável, até pela reputação e condições em que se encontram Del Nero e Ricardo Teixeira, a CBF vai se apoiando na sua boa relação com as federações estaduais para garantir que isso não aconteça. Também na quarta-feira, a entidade publicou um vídeo e uma nota onde os 27 dirigentes das federações estaduais exaltam à administração de Ednaldo Rodrigues após o lançamento do Programa CBF Transforma.
O projeto tem como objetivo “fomentar o desenvolvimento do futebol brasileiro”. Segundo a própria entidade, serão investidos R$ 200 milhões ao longo dos próximos três anos na plataforma, onde as 27 federações espalhadas pelo país poderão se beneficiar de programas e fundos da FIFA, CONMEBOL e da própria CBF. Vale lembrar que os presidentes das federações estaduais e dos clubes da Séries A e B do Brasileirão elegem a cada quatro anos quem comandará o futebol brasileiro.