Do ouro olímpico à Copa América, Di María prova seu gosto pelos grandes momentos e se eterniza de vez como herói da seleção
Como em Pequim, um golaço por cobertura de Di María garantiu a conquista, agora no Maracanã que lhe foi negado há sete anos
Ao longo de sua carreira, Ángel Di María se acostumou aos papéis secundários. Foi assim nas melhores fases de sua trajetória, por Real Madrid ou Paris Saint-Germain. Isso não significava, porém, que o ponta deixava de ser decisivo. Até mesmo em final de Champions com os merengues tinha desequilibrado, mesmo negociado pouco depois. Na seleção argentina, ao lado de Lionel Messi, não seria diferente. Ainda assim, nesses tantos anos, Di María quase sempre foi o mais brilhante coadjuvante da Albiceleste. Marcou o gol que valeu o ouro olímpico em 2008 e era o melhor da equipe até se lesionar na Copa de 2014. E a Copa América serve para consagrar de vez El Fideo como um personagem histórico da Argentina. A face da vitória é a de Messi. De novo, quem garantiu a conquista foi Di María, com um verdadeiro golaço no Maracanã, o estádio que lhe foi negado há sete anos.
O talento de Di María é conhecido na Argentina há 15 anos. O ponta surgiu cedo no Rosario Central e seria um ídolo instantâneo dos canallas, até acabar vendido para o Benfica. E o sucesso na seleção também foi precoce, em 2007, no Mundial Sub-20. O astro da geração era Sergio Agüero e o Fideo não saiu do banco naquela decisão, mas anotou três gols ao longo do torneio e teve sua parte na conquista da competição. Seria só o começo de sua trajetória marcante com a camisa albiceleste, despontando também para integrar o time sub-23 nos Jogos Olímpicos de Pequim um ano depois.
De novo, Di María era peixe pequeno na China. Aquele time tinha Messi e Agüero, além de Juan Román Riquelme com a 10 e a faixa. Ainda assim, o ponta esquerda seria um herói repetido ao longo dos mata-matas. Marcou o gol da vitória na prorrogação contra a Holanda pelas quartas, deu uma das assistências no baile contra o Brasil pelas semifinais. E o triunfo por 1 a 0 contra a Nigéria teria a assinatura do Fideo. Olhando aquele gol 13 anos depois, até parece uma premonição do que ocorreria no Maracanã. Messi girou no meio e esticou a bola rasteira na ponta esquerda. Di María ficou de frente com o goleiro e cavou, mandando para dentro com uma linda cobertura. Golaço que valeu o ouro tão almejado pelos albicelestes.
A carreira de Di María decolou a partir de então. Seria decisivo ao Benfica na conquista do Campeonato Português em 2009/10, o que o levou ao Real Madrid. Acumulou temporadas em altíssimo nível no Santiago Bernabéu, como um incrível garçom nas pontas. E se reconhecimento pelos merengues deveria ser maior, pelo peso que teve na final da Champions de 2014. Voou baixo na prorrogação contra o Atlético de Madrid e teria enorme influência na goleada. Se Florentino Pérez preferiu vendê-lo diante da proposta suntuosa do Manchester United, perdeu um jogador de partidas grandes. E se o rosarino não emplacaria em Old Trafford, o Paris Saint-Germain desfrutaria de um Di María efetivo ano após ano.
A seleção também contaria com esse Di María notável nos clubes. Sua estreia pela equipe principal aconteceu logo depois das Olimpíadas. Esteve presente na Copa de 2010, mas não se salvou, como o resto da equipe de Diego Maradona. Permaneceria intocável, mesmo que perder a Copa América em casa em 2011 tenha doído. O Mundial de 2014 parecia o seu momento. Assim como Javier Mascherano, Di María destruía nos estádios brasileiros, até melhores que Messi naquela competição. Decidiu as oitavas contra a Suíça. Mas deixou o time contra a Bélgica e, lesionado, não se recuperaria até a final. Do banco no Maracanã, sentiu o amargor da derrota para a Alemanha, quando certamente poderia melhorar o potencial ofensivo da Albiceleste.
Ter Di María em campo não seria a diferença para a Argentina em seus novos fracassos na Copa América. De novo o ponta foi excepcional em 2015, com dois gols e três assistências, mas não apareceria tanto na decisão. Já em 2016, as lesões o perseguiram outra vez e, depois de perder três jogos, sua presença em 57 minutos da final não impediria a segunda derrota para o Chile. Ficava a impressão de que alguma maldição atravancava a talentosa geração à disposição da Albiceleste.
A Copa de 2018 serviu para esclarecer algo importante: não dava para sonhar com o título tendo um amontoado em campo. Craques são importantes, mas com bons ajudantes e um coletivo que funcione. A participação de Di María seria tímida naquela competição, apesar de um gol na eliminação contra a França. E, durante a renovação a partir da decepção na Rússia, o ponta começava a sair dos planos. Seria um mero reserva na Copa América de 2019 e tantas vezes sequer figurou nas convocações de Lionel Scaloni. Quando superou os 100 jogos pela Albiceleste, na rodada das Eliminatórias em junho, parecia que seu melhor havia passado.
Di María passou despercebido ao longo da Copa América. Só foi titular em uma partida na fase de grupos, quando deu a assistência para Papu Gómez marcar diante do Paraguai. O veterano era um peça a mais na rotação. Acabava esquecido, até pela forma como Messi carregava a Argentina e parecia disposto a resolver tudo sozinho. Todavia, na final contra o Brasil, o maior rival e o adversário mais duro possível, seria preciso algo a mais além do camisa 10. E se a entrada de Di María como titular no lugar de Nico González surpreendia, a resposta seria dada em campo. O Fideo entregaria o pedido por Scaloni.
Não foi uma boa partida ofensiva da Argentina. Di María, no entanto, seria letal na primeira brecha dada pelo Brasil. Uma grande parte do gol vai para o lançamento de Rodrigo de Paul, outra para o vacilo de Renan Lodi. Mas também é preciso reconhecer a maestria do Fideo na conclusão. O domínio seria um luxo, com as pernas cruzadas no ar, fazendo a bola dormir. Ederson cometeria um pecado capital: se anteciparia diante de um talento como Di María. O toque por cobertura foi frio, foi manso, foi certeiro. Tal qual aquela pintura na final das Olimpíadas, o camisa 11 reproduziu a parábola perfeita rumo às redes. Bastou na noite travada dentro do Maracanã, ainda que o ponta direita tenha causado outros pesadelos para cima de Lodi em momentos pontuais da final.
A Copa América é de Messi e fica difícil de mudar esse enredo tão cantado há tempos. Mas essa Copa América também é muito de Di María. O camisa 11 apareceu no maior momento, para protagonizar outra conquista ímpar da Albiceleste neste século. As 106 partidas pela seleção e os 20 gols anotados já dizem muito de sua estatura dentro da equipe nacional. Ainda assim, o que o torna mais histórico é a primazia de brilhar nos maiores momentos, mesmo que nem sempre a taça tenha vindo. Di María é um gigante da seleção argentina. Que bom que esse título da Copa América reconhece não apenas Messi, mas também os méritos do ponta para registrar tal marco. E, aos 33 anos, ele faria acontecer.