Didi e as histórias que se misturam: o craque brasileiro e o mentor peruano
Se tem algo que liga muito o futebol do Brasil e do Peru, é Didi. Craque em campo com a camisa da Seleção, ele foi também técnico do Peru em um momento histórico
* Post publicado originalmente em 7 de julho de 2019
Pouco importa o que acontecerá em campo. A semifinal da Copa América tem uma unanimidade entre brasileiros e peruanos. Os caminhos percorridos por ambas as seleções possuem um personagem em comum. O homem que liderou o Brasil ao seu primeiro título mundial e que levou o Peru à sua melhor campanha em uma Copa do Mundo. Didi inspira respeito em qualquer uma das torcidas, pelas enormes contribuições que ofereceu em sua carreira, seja como jogador ou como treinador. Sua aura certamente estará presente neste embate tão importante.
A história de Didi como melhor da Copa de 1958 começa, afinal, antes da Copa de 1958. E foi justamente no Maracanã, contra o Peru, que o craque se assumiu como protagonista rumo à Suécia. As duas seleções eram adversárias diretas nas Eliminatórias. Quem vencesse estaria classificada ao Mundial. A primeira partida, em Lima, não facilitou ao Brasil. O empate por 1 a 1 gerava a obrigação da vitória no reencontro, dentro do Rio de Janeiro. Um jogo parelho, que só teria resolução com a arte mais famosa do meio-campista.
O lance fatal aconteceu aos 11 minutos do primeiro tempo. O Brasil definiu a vitória por 1 a 0 graças a uma cobrança de falta na intermediária. Mesmo de tão longe, Didi arriscou a folha seca. Tiro certeiro que encontrou o caminho das redes. “Não deu para esboçar qualquer gesto. Apenas assisti. Foi a coisa mais estranha… Quando olhei para trás, a bola estava no fundo das redes. Foi como se alguém a tivesse colocado ali com as mãos”, definiu o goleiro Asca, dono da meta peruana naquela ocasião. A apresentação fraca da Seleção não renderia mais gols. Seria aquele determinante para conduzir o escrete rumo ao Mundial.
“Os peruanos formaram uma barreira compacta. Didi, porém, achou uma pequena brecha para operar o milagre de transformar uma falta nas imediações da área em um grande gol. Nada pôde fazer o goleiro peruano, a não ser acompanhar a trajetória do couro às suas redes”, descreveu o Jornal dos Sports, na época, antes de avaliar o craque. “Didi voltou a ser o mais regular dos integrantes da ofensiva. Se muito não fez, basta-lhe o gol. Acontece que fez, bastante. Infinitamente mais do que todos os outros”.
Curiosamente, Didi também balançou as redes peruanas em ambos os duelos que teve com a Blanquirroja pelo antigo Campeonato Sul-Americano. Em 1957, semanas antes das Eliminatórias, garantiu o triunfo por 1 a 0 cobrando pênalti. Já em 1959, deixaria o seu no empate por 2 a 2, no qual Pelé também marcou para o Brasil. Aos 16 minutos, aproveitou uma sobra de bola para novamente vencer Asca. Seria o último capítulo desta história com a camisa amarela, retomada apenas do outro lado, de vermelho e branco.
O reencontro de Didi com o Peru aconteceu quando ainda calçava chuteiras. Na primeira metade da década de 1960, assinou com o Sporting Cristal para ser jogador-treinador. Sua experiência valia demais aos peruanos. O craque era tratado como sumidade e suas sugestões valeram para desenvolver o esporte no país. O veterano voltou ao Brasil para encerrar a carreira e, de chuteiras penduradas, assinou novamente com o Sporting Cristal em 1967, agora apenas para comandar. Conquistou o título nacional em 1968, o segundo do clube, e se tornou praticamente unanimidade.
Às vésperas da Copa de 1970, os peruanos buscavam um treinador para assumir a Blanquirroja. Adolfo Pedernera era o favorito, mas a alta pedida salarial assustou os dirigentes. Então, foram atrás de Didi. Não poderiam tomar decisão melhor. O maestro pediu liberdades totais para conduzir seu trabalho, e ganhou. Liderou uma revolução à frente dos Incas. Trabalhou principalmente para afastar qualquer complexo de inferioridade, adotando táticas que ofereciam um futebol solto, ainda que fizesse adaptações conforme os adversários. Além disso, focava seus esforços sobre o trato psicológico dos jogadores. Apesar de disciplinador, seus regimes de concentração e treinamentos ajudavam a fortalecer o grupo.
A primeira missão de Didi aconteceu nas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 1970. Os Incas eram vistos como azarões em uma chave que tinha Argentina e Bolívia. Terminaram com a vaga no México. O emblemático jogo da classificação aconteceu em Buenos Aires. Os dois gols de Oswaldo Ramírez garantiram o empate por 2 a 2 e confirmaram a classificação inédita, levando os peruanos ao seu segundo Mundial – após o convite em 1930. Era uma seleção que mereceria respeito, e Didi inspirava isso.
A preparação à Copa do Mundo teve as suas turbulências. Didi não teve pedidos atendidos pela federação, o que gerou atritos. Da mesma maneira, a rigidez insistente de seus métodos começou a provocar incômodo em algumas estrelas do grupo. Entretanto, quando a Copa do Mundo chegou, os resultados vieram. O Peru venceu Bulgária e Marrocos, apesar da derrota para a Alemanha Ocidental. Conquistou a classificação às quartas de final. O problema? Passar ao outro lado e enfrentar justamente o Brasil.
Antes do duelo, Didi demonstrava confiança à imprensa. Reiterava seu profissionalismo e acreditava que seus jogadores pudessem surpreender os brasileiros. Quando a partida começou, porém, os nervos do maestro ficaram evidentes. Fumava um cigarro atrás do outro, sem parar. Gesticulava como um louco, quase entrando em campo para resolver a situação ao seu time. E vestia um casaco de lã pesadíssimo, mesmo sob um calor escaldante em Guadalajara. Tomou um calor também em campo, derrotado por 4 a 2.
“O pior momento daquela partida foi a hora em que o hino nacional foi executado. Eu fiquei paralisado, com a boca seca, imaginando que estava com a camisa oito do Brasil. Pensava se os brasileiros iriam me chamar de traidor, caso o Peru vencesse, e os peruanos poderiam pensar que eu facilitaria a vitória do Brasil”, contou Didi, anos depois.
Independentemente da queda, os peruanos festejaram a campanha histórica. Uma multidão recebeu Didi e seus jogadores no aeroporto. Diante do presidente da república, o General Alvarado, o treinador ouviu um pedido para que rasgasse o passaporte e assumisse a nacionalidade peruana. O mar de rosas, todavia, não duraria tanto. Os atritos com os dirigentes abreviaram sua passagem pela seleção. Logo deixaria a Blanquirroja. No país, ainda conquistou mais um título nacional com o Sporting Cristal, em 1970. O tempo fez questão de exaltar seu legado, impulsionando a melhor geração peruana de todos os tempos.