Serie A

A Roma oferece um lugar para Lukaku ser amado, mesmo com suas atitudes recentes

Lukaku queimou seu filme ao renegar a Inter para forçar sua ida à Juventus, mas, quando parecia improvável, descobriu que ainda poderia ser idolatrado na Itália

Romelu Lukaku se tornou um nó a se desatar na atual janela de transferências. Estava difícil de encontrar um destino ao centroavante, e muito por sua própria atitude. Dono de seu contrato, o Chelsea não vê o belga como parte dos planos, entre a falta de rendimento em campo e as declarações polêmicas que aceleraram sua saída na temporada passada. A Internazionale era a mais disposta a assegurar a contratação em definitivo do herói do último Scudetto, mas Lukaku implodiu qualquer resquício de idolatria quando tentou forçar a saída para a Juventus. Também não seria aceito em Turim, com protestos massivos da torcida. E, diante de todas as circunstâncias, o desfecho nem é tão ruim ao artilheiro. Lukaku vestirá a camisa da Roma, que garante doses enormes de carinho, independentemente das idas e vindas dos últimos meses.

Lukaku tem contrato com o Chelsea até junho de 2026. Desta maneira, os Blues precisavam de uma solução que não significasse perder dinheiro ou entregá-lo de graça. Uma venda para a Arábia Saudita foi ventilada nas últimas semanas, mas não pareceu realmente concreta. O centroavante estava propenso a ficar nas grandes ligas e nunca escondeu seu apreço pela Itália. A Roma não é uma solução definitiva, mas cai bem ao belga. A Loba pagará €5,8 milhões pelo empréstimo de Lukaku por uma temporada. O salário está na casa dos €7 milhões anuais, com sobras o maior do elenco, mas precisou que o astro rebaixasse um pouco seu patamar anterior.

O sinal mais concreto de que Lukaku terá um tratamento especial na capital aconteceu logo em sua chegada. Os torcedores da Roma acompanharam avidamente a rota do avião que levava o centroavante até a cidade – pilotado por ninguém menos que Dan Friedkin, proprietário do clube. Mais de cinco mil pessoas estavam no aeroporto para dar calorosas boas-vindas ao artilheiro, enquanto os primeiros murais com as imagens do “Imperador Romel” apareceram pintados nas ruas. A Roma pode não ser um time com ambições tão grandes quanto as de Inter ou Juventus e segue fora da Champions, mas oferece sobretudo adoração. Paulo Dybala certamente não se arrepende da escolha, o que Lukaku começa a experimentar agora.

E se o diferencial da Roma para atrair estrelas não é exatamente o topo da tabela, o clube também precisa se esgueirar em atalhos no mercado de transferências. Na última semana, ao comentar a vinda de Renato Sanches, José Mourinho admitiu que a Loba precisa mirar em reforços com algum tipo de problema ou interrogação. Não deixa de ser o caso de Lukaku. O treinador ligou nos últimos dias para o belga, seu conhecido dos tempos de Chelsea e principalmente de Manchester United. Disse que os romanistas “têm um bom time, mas precisavam de um campeão”. Jeito fácil de convencer quem, até outro dia, estava sendo achincalhado em Turim e Milão.

O momento de Lukaku

Lukaku não vem de sua melhor temporada. O atacante viveu o auge de sua carreira por clubes na Inter, sobretudo na campanha do Scudetto em 2020/21. Porém, a frustrada ida para o Chelsea em 2021/22 quebrou sua sequência e os problemas físicos recorrentes também atrapalharam seu retorno a Milão. Não se nega que o belga teve sua importância na equipe de Simone Inzaghi em 2022/23, ao auxiliar a caminhada até a decisão da Champions League. Todavia, aos 30 anos, tem dificuldades de recuperar sua confiabilidade e também fez uma Copa do Mundo muito abaixo da crítica.

Os melhores momentos de Lukaku aconteceram na reta final da temporada. Foi quando o centroavante recuperou sua melhor forma física e teve mais sequência em campo. O belga ainda era uma alternativa de segundo tempo na Champions, com o ataque da Inter formado por Edin Dzeko e Lautaro Martínez. Mesmo assim, o artilheiro marcou gols importantes contra Porto e Benfica, além de oferecer a assistência que selou a classificação na semifinal contra o Milan. Já pela Serie A, Lukaku recuperou a posição de titular para dar um descanso aos companheiros e liderou a campanha dentro do G-4. Foram sete gols e quatro assistências nas oito rodadas finais. Marcou inclusive um gol decisivo no confronto direto com a Roma.

Manter a forma física é um desafio constante a Lukaku em sua carreira. Entretanto, o centroavante se mostrou mais disciplinado desde os tempos de Manchester United, mesmo que as lesões sejam inescapáveis em certos momentos. E tal parceria com Mourinho também merece ser valorizada. O belga não foi impecável em Old Trafford, mas teve bons momentos sob as ordens do treinador. Não à toa, chegou em boas condições para brilhar na Copa do Mundo de 2018. A Roma oferecerá um novo tipo de ambiente e pressão. Pela maneira como Mou tem os giallorossi em suas mãos, pode impulsionar Lukaku.

Como Lukaku pode auxiliar a Roma

A Roma tem um grande problema em seu ataque, que é a lesão ligamentar sofrida por Tammy Abraham na temporada passada. O inglês era o ponto focal da linha de frente giallorossa e fica a dúvida inclusive sobre suas condições no recomeço, previsto para janeiro. Abraham teve um desempenho estelar em 2021/22, mas caiu de rendimento em 2022/23. Lukaku oferece características parecidas como homem de área e uma experiência em alto nível ainda mais valiosa para liderar a Loba. Curiosamente, vira o substituto de um jogador que acabou relegado pelo Chelsea após a volta do belga em 2021/22.

Outras alternativas também aparecem no ataque da Roma. Andrea Belotti começou a temporada como titular e possui um ótimo histórico na Serie A, mas teve muitas dificuldades em seu primeiro ano na capital. Aquele momento avassalador dos tempos de Torino parece ter ficado para trás, apesar da estreia com dois gols neste Italiano. Enquanto isso, a janela de transferências rendeu o empréstimo de Sardar Azmoun. O iraniano é um atacante técnico e de ótima mobilidade, que também pode atuar como homem de referência. Entretanto, sua passagem recente pelo Bayer Leverkusen foi apagada, sem reproduzir o bom futebol que oferecia ao Zenit.

Lukaku vai ser mesmo o novo homem forte do ataque da Roma. E mais importante ainda será o entendimento com Paulo Dybala, de longe o melhor do time na última temporada. Os dois astros são complementares, entre a presença de área de Lukaku e a criatividade de Dybala. Não surpreenderá se o argentino conseguir representar, de maneira parecida, uma parceria como a que o belga tinha com Lautaro Martínez na Inter. Obviamente, Dybala é um jogador mais cerebral e técnico que o compatriota, mais explosivo e goleador. De qualquer maneira, tende a se beneficiar bastante da companhia de um centroavante decisivo e rompedor. Os alas romanistas também devem criar muitas oportunidades para o novo centroavante.

O mercado da Roma

A Roma não gastou muito dinheiro no atual mercado de transferências, até pelas limitações no Fair Play Financeiro, mas não se nega que as opções à disposição de José Mourinho melhoraram. O investimento dos giallorossi não passa de €9,3 milhões. O clube concentrou suas movimentações em jogadores emprestados ou sem contrato. A maior parte do dinheiro será empregado para bancar os salários dos tantos novatos. Ser treinado por José Mourinho é um atrativo, bem como as boas campanhas continentais recentes, com o título da Conference em 2021/22 e o vice da Liga Europa em 2022/23.

Lukaku é exatamente o reforço mais caro, mesmo chegando apenas por empréstimo. Azmoun foi outro atacante emprestado pela Roma nesta janela. O meio-campo ganhou o empréstimo de Renato Sanches junto ao PSG, a chegada do talentoso Houssem Aouar ao final de seu contrato com o Lyon e a pechincha de Leandro Paredes, de volta à Loba. O argentino andava em baixa no Paris Saint-Germain e custou módicos €2,5 milhões. Já na defesa, Evan Ndicka foi outro talento promissor que estava sem contrato, após não renovar com o Eintracht Frankfurt, e Rasmus Kristensen veio para a lateral emprestado do rebaixado Leeds United.

O mercado da Roma é superavitário, com os €73 milhões em vendas. Grande parte do dinheiro veio da saída de Roger Ibañez ao Al-Ahli, mas não que o beque seja insubstituível. De resto, os romanistas se desfizeram de vários jogadores encostados, como Justin Kluivert, Carles Pérez e Gonzalo Villar. Também saíram promessas como Cristian Volpato (Sassuolo) e Benjamin Tahirovic (Ajax), enquanto o veterano Nemanja Matic aceitou uma proposta do Rennes. Georginio Wijnaldum e Mady Camara, que estavam emprestados, não renovaram. Entre tantas perdas, a base titular da Loba ainda está mantida. Há melhorias a se fazer e o início instável na Serie A indica isso, mas Mourinho também possui melhores ferramentas para elevar o rendimento desta vez.

A atitude de Lukaku

Talvez o grande ponto para Lukaku será o seu comportamento na Roma. Sua imagem, afinal, ficou bastante manchada pela maneira como tratou a Internazionale nas últimas semanas. É verdade que os ultras dos nerazzurri não foram os mais compreensivos com o belga, quando ele decidiu se transferir ao Chelsea e também pela maneira como não o apoiaram em episódios de racismo na primeira passagem. Entretanto, havia uma reconciliação que se desenhou na última temporada, com a maioria dos interistas disposta a passar uma borracha nas decisões do herói do Scudetto de 2020/21. Teria inclusive o apoio com um bandeirão em gesto antirracista. Isso até que ele virasse as costas para o clube na atual janela de transferências.

Lukaku tem o direito de não querer voltar à Inter, seja lá qual foi o motivo. Entretanto, não agiu com muita sinceridade quando sinalizou a assinatura em definitivo com o clube e depois mudou de ideia, deixando de responder os dirigentes nerazzurri. Muito pior foi o seu flerte com a Juventus, tentando sair exatamente para os rivais dos interistas. Só que os próprios juventinos não queriam ver o belga com a camisa do clube, até pelos entreveros da temporada passada – também com episódios de racismo contra o atacante, porém. O artilheiro parecia ter perdido seu bonde na Serie A.

Lukaku precisará construir sua relação com a Roma a partir de atitudes. Os giallorossi se mostram dispostos a aplaudir o novo centroavante, mas ele não pode virar as costas como fez com a Inter. Depois de tudo o que rolou nas últimas semanas, o belga precisa ter consciência de que a Loba é uma oportunidade melhor do que sua postura merecia. Precisa decidir o que quer da carreira e se está interessado a continuar escrevendo uma história grandiosa na Serie A.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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