Copa do Mundo

Lukaku tentou lutar contra o próprio corpo e terminou a Copa decepcionado com a melancólica versão de si

O corpo de Lukaku parecia não acompanhar mais seu cérebro e, por mais que tenha se esforçado, o atacante não foi sombra do que se viu no Mundial de 2018

Um misto de sentimentos dominou Romelu Lukaku após o apito final. Precisou ser consolado por Thierry Henry, cabeça encostada no peito do velho ídolo que atua como assistente técnico da seleção. Também não conteve sua fúria, com o soco no banco de reservas que destruiu o acrílico lateral. A eliminação da Bélgica na Copa do Mundo, ao que tudo indica, custa o fim da incensada geração dos Diabos Vermelhos que o centroavante ajuda a encabeçar. O Catar se fecha como um pesadelo bem distante dos sonhos alimentados na Rússia. Lukaku é uma face principal da frustração, por todo o esforço na recuperação que não se recompensou, pelo caminhão de gols perdidos que simbolizam o fracasso belga.

A Copa do Mundo possui lembranças bastante distintas a Lukaku. Em 2014, aos 21 anos, o centroavante decepcionou. Era uma promessa em quem muito se apostava, mas fez uma fase de grupos ruim e perdeu a posição para Divock Origi na sequência da competição. Até marcou um gol decisivo contra os Estados Unidos na prorrogação, mas nem isso garantiu sua volta ao 11 inicial. Deixou o Brasil devendo, como todo o restante da “promissora geração”. Entretanto, não dava para culpar apenas Lukaku por uma equipe completamente bagunçada. E os anos seguintes proporcionaram uma verdadeira ascensão, dele e dos Diabos Vermelhos.

Ainda não se viu a melhor versão na Euro 2016, longe disso, com a eliminação para Gales. Porém, o Lukaku mais demolidor tomou conta da seleção na preparação para a Copa do Mundo de 2018. O centroavante chegou ao Mundial em excelente forma. O que muitos dos adversários notaram, com participação excelente na Rússia. É verdade que a fonte de gols que brotou na fase de grupos minguou depois nos mata-matas. Mas não que alguém reclamasse, sobretudo pela forma como o improvisado ponta direita causou pesadelos no primeiro tempo contra o Brasil. Se os belgas alcançavam uma semifinal de Copa pela primeira vez em 32 anos e finalmente justificavam expectativas, o nome do atacante era um dos primeiros a ser citado.

O Lukaku empenhado em dar a volta por cima e focado em sua preparação física não desabrochou por completo no Manchester United. No entanto, a transferência para a Internazionale fez muito bem ao centroavante. Foi seu melhor momento por clubes, aquele que parecia colocá-lo novamente na prateleira mais alta do futebol mundial – como tinha se visto na Copa de 2018. O que não se sustentou por tanto tempo. A passagem pelo Chelsea foi um erro completo. Assim como a seleção belga acompanha essa queda, e aquele atacante doutrinador de outros tempos faz muita falta.

O primeiro sinal do declínio de Lukaku aconteceu na Euro 2020. Desgastado pela temporada do Scudetto com a Inter, não estava mais em sua melhor forma. Ainda marcou quatro gols, mas sem ser o protagonista que se imaginava. Desde então, poucas vezes a seleção da Bélgica realmente pôde contar com o centroavante. Quase sempre esteve lesionado, com no máximo um breve destaque pelo gol na eliminação contra a França na eletrizante semifinal da Liga das Nações. O matador desembarcou como uma enorme interrogação no Catar, por sua forma física e também pela técnica.

A luta de Lukaku nos últimos dois anos foi contra si mesmo. O centroavante penou para se manter livre das lesões e, quando teve a mínima sequência, se distanciou de seu melhor. Apesar disso, continuava como uma figura imprescindível para a Bélgica. Em seus melhores momentos, o camisa 9 era daqueles jogadores que melhoravam o coletivo como um todo – por seu poder de definição, mas também pela movimentação e pela capacidade de abrir espaços. Este era o momento em que os Diabos Vermelhos mais precisavam daquele atacante implacável, num time que via Kevin de Bruyne como uma ilha de criatividade. O problema é que Lukaku não estava mais em forma para isso.

Na estreia contra o Canadá, Lukaku não saiu do banco. Mesmo com a vitória, dava para dizer que fez falta. E essa noção se reforçou ainda mais contra Marrocos, em derrota que nem a entrada do centroavante nos minutos finais salvou a pele dos belgas. Foram pouco mais de dez minutos em campo, nos quais mal pegou na bola. Teria um breve instante na área, mas não conseguiu finalizar. Parecia fora de ritmo. O que se provou realmente na queda definitiva dos Diabos Vermelhos contra a Croácia.

Lukaku virou aposta logo na volta do intervalo. O centroavante tinha que entrar, num time que precisava botar a bola para dentro. E deu pena do que se viu. O camisa 9 se empenhou, tentou se apresentar. Claramente o corpo não acompanhou o cérebro dessa vez. Por mais que Lukaku estivesse no lugar certo e sempre se apresentasse, os erros se repetiam, se repetiam, se repetiam, com uma ponta de incompetência misturada à falta de sorte. Primeiro carimbou a trave, num lance no qual não fez errado, mas precisava ter feito melhor com o gol aberto. Ali sua confiança pareceu se desmontar. Sozinho na área, mandou uma cabeçada por cima do travessão, em lance que seria anulado se entrasse. Depois jogaria de zagueiro, metendo a perna numa bola cruzada de Thomas Meunier que seria muito mais perigosa se não tivesse se intrometido. Por fim, aos 45, o lance mais doloroso. O matador de outros tempos não soube como receber um cruzamento que veio em direção ao seu corpo. Não dominou nem finalizou. Apenas lamentou a bola que bateu na sua barriga e facilitou aos croatas.

A participação de Lukaku neste último jogo é melancólica. E dá para compreender sua reação depois da partida, entre a raiva e a frustração. Com uma história de vida única, só ele sabe a dor de “ser tratado como congolês quando pede e ser tratado como belga quando ganha”. Que os belgas ao menos reconheçam o que Lukaku representou em 2018 e já produziu pela seleção. Os gols perdidos têm um preço alto, claro, mas nem parecem o pior quando o time inteiro ficou muito aquém nesta Copa do Mundo. Esperava-se que a Bélgica pudesse decepcionar, mas não com a falta de brio que se notou no Catar. Neste ponto, o camisa 9 não foi dos piores. Entretanto, não conseguiu ser sequer uma sombra do temido atacante que se viu na Rússia. Resta saber como seu físico reagirá rumo a 2026, por mais que os 29 anos permitam plenamente uma próxima Copa.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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