Deneisha Blackwood simbolizou o espírito da Jamaica na heroica estreia na Copa
Eleita a melhor em campo contra a França, Deneisha Blackwood foi excelente nos bloqueios pelo lado esquerdo da defesa
A Jamaica garantiu uma das maiores surpresas da primeira rodada da Copa do Mundo Feminina. As Reggae Girlz tiveram uma atuação heroica contra a França. Seguraram o empate por 0 a 0, tiveram chances de anotar seu gol e apresentaram uma consciência tática tremenda. A vibração das jamaicanas na defesa seria determinante ao resultado: por mais que as francesas buscassem alternativas na frente e ameaçassem pelo alto, encontravam uma enorme barreira humana nos arredores da área adversária. E ninguém simbolizou melhor esse empenho que Deneisha Blackwood. A lateral esquerda viveu uma noite impecável e recebeu o prêmio de melhor em campo. Seria até carregada nos braços pelas companheiras.
Blackwood é uma das principais jogadoras na ascensão da Jamaica no futebol feminino durante os últimos anos. A defensora participou de todas as principais competições com as Reggae Girlz desde 2018, incluindo a Copa do Mundo de 2019. Formada no futebol universitário dos Estados Unidos, a lateral também possui experiências na Europa e na NWSL. É um exemplo da progressão que as jamaicanas vivem e do senso coletivo que se criou no ambiente da seleção. Mesmo correndo por fora no Grupo F, o time parou a França e inspira cuidados ao Brasil na sequência da competição.
— Só quero apoiar minhas companheiras de equipe, dentro e fora do campo. Essa sempre foi minha maior preocupação sendo parte desse conjunto das Reggae Girlz: a maneira como jogamos umas com as outras e também umas pelas outras. Isso é o mais importante. — declarou Blackwood, em entrevista ao Guardian.
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Atacante, meio-campista, lateral
Deneisha Blackwood nasceu em Kingston, mas mudou-se para os Estados Unidos ainda garota. A jamaicana passou pelo Navarro Bulldogs e pelo West Florida Argonauts no nível universitário. O mais curioso é como a jovem se destacava por seus gols marcados: ao longo da carreira, Blackwood se encaixou em diferentes posições e se sobressaía pela qualidade no ataque durante seus primórdios. Também jogou como meio-campista, enquanto brilhou na Copa do Mundo como lateral esquerda. É uma jogadora que se vale de sua determinação e do espírito de luta, além do estilo incansável durante os 90 minutos.
Ainda na universidade, Deneisha Blackwood ganhou as primeiras chances na seleção. A Jamaica despontou no futebol feminino apesar da falta de apoio. A ascensão das Reggae Girlz dependeu do envolvimento direto de Cedella Marley, filha de Bob Marley, como embaixadora para viabilizar patrocínios – o da Adidas é o principal deles, rendendo inclusive a preparação ao Mundial nas estruturas do Ajax. O início do caminho seria duro, mas alcançar a Copa do Mundo de 2019 foi uma grande conquista. Blackwood disputou as três partidas, sem evitar as derrotas acachapantes num grupo duríssimo contra Brasil, Itália e Austrália.
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Experiência na Europa e nos EUA
Após o Mundial, Deneisha Blackwood aproveitou a visibilidade garantida pelo torneio e se transferiu para a Europa. Seria uma experiência importante no Slavia Praga, um dos raros clubes do Leste Europeu que valorizam o futebol feminino. A jamaicana conquistou o Campeonato Tcheco e participou da Champions League. Sua passagem pelas alvirrubras durou uma temporada, até 2020. Durante a pandemia, a jamaicana voltou aos Estados Unidos e se transferiu ao Orlando Pride, para disputar a NWSL, a principal liga local.
Blackwood permaneceu duas temporadas nos EUA, defendendo depois o Houston Dash. Não teve espaço e, mais recentemente, retornou à Europa. A defensora veste a camisa do Issy, equipe da segunda divisão do Campeonato Francês. Se não é uma situação que chame atenção, o futebol de seleções trata de oferecer uma ponte para jogadoras transformarem suas histórias e ganharem fama mundial. Mais irônico ainda é a partidaça de Blackwood acontecer exatamente diante da França.
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Os acertos da Jamaica para o empate
A Jamaica ainda encontrou problemas para segurar a França, sobretudo nas bolas aéreas. Em compensação, pelo chão, as Reggae Girlz travaram os espaços das adversárias. Conseguiram se defender a partir de um bom posicionamento, de muita concentração e também de uma intensidade muito alta. Existiam dúvidas até se as jamaicanas conseguiriam sustentar o ritmo até os minutos finais. Não só seguraram o placar zerado durante os 90 minutos, como também superaram a expulsão injusta de Khadija Shaw, sua principal jogadora, nos acréscimos – o segundo amarelo não permitiu revisão do VAR.
Deneisha Blackwood foi a líder de ações defensivas na partida. A lateral rifou a bola sete vezes em meio ao constante assédio, com mais três desarmes. Ao lado da zagueira Chantelle Swaby, montou uma fortaleza pelo lado esquerdo da área. Faltou a Blackwood apresentar um pouco mais sua aptidão ofensiva, mas as preocupações eram outras na noite. Ainda assim, providenciou escapes esporádicos, sobretudo no primeiro tempo. Uma das finalizações da Jamaica saiu a partir de um passe da defensora, enquanto ela também arriscaria um chute de longe defendido pela goleira Pauline Peyraud Magnin.
Blackwood ainda terá um reencontro nessa caminhada: com Marta, sua antiga companheira no Orlando Pride e também sua oponente no Mundial passado. Durante a Copa de 2019, a vitória do Brasil sobre a Jamaica ficou barata, pela quantidade de oportunidades que as brasileiras criaram – os três gols foram anotados por Cristiane. Quatro anos depois, o tamanho do problema para a Seleção é bem distinto, com as Reggae Girlz de cabeça erguida depois de tudo o que demonstraram nessa primeira partida.
O tamanho do sonho da Jamaica
Ainda é cedo para dizer se a Jamaica terá condições de brigar pela classificação no Grupo F. As Reggae Girlz precisarão aproveitar o bom momento na segunda rodada, contra o Panamá, se quiserem sonhar contra o Brasil. O desfalque de Khadija Shaw será massivo, mas o favoritismo continua com as jamaicanas, de melhores resultados dentro da Concacaf. O saldo de gols pode ser importante, dentro das perspectivas do grupo.
E, desde já, a Copa do Mundo de 2023 entra na história da Jamaica. A partida deste domingo valeu para garantir um resultado memorável, com o primeiro ponto em Mundiais. Também recompensou o apoio crescente ao futebol feminino no país (que vem mais de fora do que da própria federação local) e também sublinhou a qualidade do trabalho feito em campo pelo técnico Lorne Donaldson, no cargo desde 2022. As jamaicanas tiveram sede de um grande resultado, assim como empenho e inteligência para conquistá-lo.
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