Copa do Mundo Feminina

Hannah Wilkinson e sua arte: o primeiro gol da Copa e outras pinturas

Hannah Wilkinson garantiu a primeira vitória da história da Nova Zelândia na Copa feminina no mesmo estádio onde possui um mural grafitado desde 2022

Um vendaval devastou a defesa da Noruega na abertura da Copa do Mundo Feminina. Um furacão de camisa 17, faixa na cabeça e uma fome de gols absurda. Hannah Wilkinson foi o grande nome no primeiro dia do Mundial de 2023. A atacante da Nova Zelândia anotou o gol na vitória por 1 a 0 sobre as norueguesas, mas fez muito mais ao longo da noite em Auckland, com arrancadas fulminantes que deixavam rombos na zaga escandinava. A atacante de 31 anos, referência técnica das Ferns, garantiu o primeiro triunfo das neozelandesas em Copas. E tudo isso num ambiente muito especial, dentro do Eden Park, estádio que também abriga um mural da craque que concilia gols e artes plásticas.

Wilkinson, afinal, é artista nas horas vagas. A atacante se dedica aos quadros e aos grafites. A neozelandesa teve suas obras expostas em evento relacionado aos Jogos Olímpicos de 2020, em Tóquio. No entanto, mais importante ainda é a arte exposta nos muros do Eden Park, numa Copa do Mundo que a jogadora atua em casa. O mural grafitado por Wilkinson combina traços da arte tradicional da Nova Zelândia com os esportes femininos. Em branco e preto, as cores das seleções nacionais, estão representadas mulheres praticando futebol, rúgbi e críquete – os três Mundiais sediados no país desde 2022. Já em campo, a camisa 17 completou sua pintura com outra pintura.

O que representa o mural no Eden Park

Hannah Wilkinson recebeu o convite para criar o mural no Eden Park em 2022 da própria administração do estádio. Seriam as boas-vindas aos torcedores com uma obra de arte e também uma maneira de salientar a importância do local para o desenvolvimento do futebol feminino. De tão empolgada com a ideia, a atacante enviou seu esboço em 24 horas e duas semanas depois o grafite estava pronto, com quatro metros de altura e dez de comprimento. Fauna, flora, artes e atletas estão integradas no desenho.

— O maior equívoco sobre o esporte feminino é de que ninguém assiste. Bem, ninguém conseguiu realmente ser capaz de assistir porque tendemos a priorizar as transmissões de TV e a promoção de esportes masculinos –, declarou Wilkinson, em entrevista ao New Zealand Herald.

Crianças – meninos ou meninas – admiram os grandes exemplos. O fato de que podemos inspirar além dos gêneros é fantástico. Eu diria a qualquer jovem por aí que apenas siga em frente e faça o que você ama, nunca desista.”

Sobre o mural, Wilkinson ressaltou inclusive a importância da arte indígena na sua ideia:

— Nossas atletas e nossos símbolos nacionais estão conectados por uma fita estilo kirituhi, sendo eu mesma não-maori. Os elementos deste design são inspirados nas formas de arte kowhaiwhai exclusiva de Aotearoa Nova Zelândia.

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As artes olímpicas inspiradas em Dragon Ball Z

Antes do mural no Eden Park, Wilkinson tinha apresentado seus traços numa exposição realizada pelo Comitê Olímpico Internacional numa estação do metrô em Tóquio, antes e depois dos Jogos Olímpicos. Tal projeto envolveu vários esportistas com um pé nas artes. As pinturas da neozelandesa eram relacionadas às modalidades olímpicas, incluindo futebol, skate e surfe. Por conta da pandemia, os quadros foram criados digitalmente. A galeria reunia várias telas coloridas. A neozelandesa se inspirou em animes, sobretudo em Dragon Ball Z, assim como em arte pop.

— A arte realmente me ofereceu um recomeço ou um tipo de bom equilíbrio para a alta pressão do futebol. Há momentos em que o futebol é realmente duro, a pressão é alta e talvez eu possa estar lesionada – passei por várias lesões. É neste ponto que minha arte realmente me salvou de várias maneiras –, declarou a atacante, ao site dos Jogos Olímpicos.

Hannah Wilkinson inclusive vende seus trabalhos como artista no tempo livre, além da rotina no futebol. A atacante faz serviços de ilustração digital, pinta murais rotineiramente, possui quadros à venda e produz até desenhos para tatuagens. Ela se descreve como “jogadora de dia, artista freelancer à noite”. Tem um estilo bem característico:

— Amo capturar a ação o máximo possível e em detalhes. Sou muito inspirada por animes. Cresci vendo Dragon Ball Z com meus irmãos e acho que sou inspirada por algo. Crio muitos trabalhos e não paro.

Um mapa interativo com as 736 convocadas à Copa do Mundo Feminina

A carreira de Hannah Wilkinson

A relação de Hannah Wilkinson com o futebol começou na infância. A atacante nasceu em Whangarei, no norte da Nova Zelândia, e passou a praticar esportes ao lado de seus irmãos. A garota experimentou rúgbi e críquete, mas seu interesse se concentrou mesmo no futebol, com os primeiros passos nos gramados aos oito anos de idade. A partir de então, construiu uma trajetória de sucesso que teve as artes plásticas como um importante desafogo – assim como a música, outro hobby, especialmente pelas habilidades da atacante no violão.

Wilkinson viveu na Nova Zelândia até os 19 anos de idade, quando se mudou para os Estados Unidos, onde atuou na NCAA – a liga universitária americana. Depois de quatro anos no Tennessee Volunteers, a atacante se tornou jogadora profissional na Europa. Rodou por equipes como o Vittsjö (Suécia), o Sporting (Portugal), o Djurgardens (Suécia) e o Duisburg (Alemanha). Já em 2021, a artilheira voltou à Oceania e se tornou uma das referências do futebol na Austrália, com a camisa do Melbourne City.

Já pela seleção, Wilkinson fez a sua estreia no time sub-20 da Nova Zelândia em 2010, semanas antes de disputar sua primeira partida no time principal. A atacante esteve presente na Copa do Mundo de 2011, nas Olimpíadas de 2012, na Copa do Mundo de 2015 e nas Olimpíadas de 2016. Um momento importante aconteceu com sua convocação à Copa do Mundo de 2019, meses depois de se recuperar de uma grave lesão ligamentar no joelho. Segundo a atacante, foi nesse momento de incerteza que as artes plásticas a ajudaram a se reerguer. Também esteve presente nas Olimpíadas de Tóquio, em 2021, quando superou os 100 jogos pela seleção.

O gol histórico de Wilkinson

(Icon Sport)

Hannah Wilkinson é a quarta maior artilheira da seleção da Nova Zelândia, com 28 gols, e a maior delas ainda em atividade. A atacante de 31 anos, contudo, costumava ser cobrada pela falta de tentos nos grandes torneios. Só havia balançado as redes duas vezes em Copas ou Olimpíadas: em empates contra o México em 2011 e contra a China em 2015. Pesava ainda mais a falta de vitórias das neozelandesas em Mundiais. O país acumulava 15 partidas no torneio sem um triunfo sequer, além de somente três empates.

Até por isso, a Nova Zelândia corria por fora na abertura do Mundial de 2023, mesmo jogando em casa. A Noruega possui um elenco mais estrelado e um histórico inegavelmente mais glorioso no futebol feminino. Então, lideradas por Hannah Wilkinson, as Ferns se superaram no Eden Park. Impressionou a pegada das neozelandesas, com uma marcação muito intensa e recuperações rápidas. As anfitriãs forçavam os erros das norueguesas e apresentavam um conjunto mais azeitado. Tantas vezes, acionavam a velocidade de Wilkinson no ataque e a camisa 17 representava um perigo constante no mano a mano.

O gol de Hannah Wilkinson, o que valeu a primeira vitória da Nova Zelândia em Copas, aconteceu no início do segundo tempo. Foi uma grande construção coletiva das Ferns, a partir do campo de defesa, com o cruzamento perfeito de Jacqui Hand. Wilkinson deixou a marcação para trás, com enorme aceleração, e apareceu sozinha na área para concluir. A camisa 17 parecia mais alta, mais forte e mais rápida que qualquer marcadora, como se atuasse numa categoria abaixo da sua. Também contou com o bom trabalho de outras companheiras, como Indiah-Paige Riley, Ria Percival e Victoria Esson.

A Nova Zelândia dá um passo grande em busca da inédita classificação para os mata-matas da Copa do Mundo. E fica bem claro como o sucesso do time passa pelos pés de Wilkinson. Se o time avançar em primeiro, volta a ter a chance de atuar no Eden Park nas oitavas. Na segunda colocação, o retorno ao estádio aconteceria apenas numa eventual passagem às quartas de final. Houve uma sinergia especial entre as Ferns e a torcida no local. E se o mural de Wilkinson deixa exposta sua importância por ali, a memória que criou nos compatriotas ficará pintada na retina por mais tempo. A arte do futebol é feita disso.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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