Do escândalo Vai de Bet ao mico com Carlos Miguel: como o Corinthians mergulhou numa profunda crise política e esportiva
Atual 17º colocado do Brasileirão vê situação caótica nos bastidores respingar dentro de campo e preocupar torcedores

O Corinthians está perdido. Nesta sexta-feira (7), o clube anunciou que a Vai de Bet, que assinou em janeiro deste ano o maior acordo de patrocínio master do futebol brasileiro, no valor de R$ 360 milhões, decidiu rescindir o contrato.
A decisão é fruto de uma profunda crise política que se instaurou no Parque São Jorge após as denúncias do envolvimento de um suposto laranja na negociação, feitas pelo jornalista Juca Kfouri.
#EXCLUSIVO | Figuras importantes do Corinthians estudam deixar gestão de Augusto Melo. A Trivela revela detalhes de revolta interna e pagamentos incomuns à intermediária realizados após ingerência de diretor.
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— Trivela (@trivela) May 22, 2024
Como se não bastasse, a crise política respinga dentro de campo. Depois de acertar a despedida do ídolo Cássio, o clube preparou o reserva Carlos Miguel para assumir a vaga de goleiro titular.
O problema é que Carlos Miguel também está de saída. O promissor arqueiro viu sua multa contratual ser diminuída na última vez que renovou o vínculo, o que atraiu o interesse de fora. Seu destino deve ser o Nottingham Forest.
Mais um episódio que escancara a dificuldade da nova administração em assumir as rédeas do Timão. A preocupação só aumenta com a atual 17ª posição do Brasileirão, dentro da zona de rebaixamento. E desperta a pergunta: como o Corinthians conseguiu acumular tantas notícias ruins?

Como o Corinthians chegou até aqui?
Dentro de campo, o Corinthians não vive grande fase há muito tempo. Mas, aos trancos e barrancos, conseguiu chegar a decisões até 2022. Com o treinador Vítor Pereira, o time foi vice-campeão da Copa do Brasil, perdendo para o Flamengo na final, e parou nas quartas de final da Libertadores, também eliminado pelo Rubro-Negro.
Com um elenco que, à primeira vista, não fazia o torcedor ter grandes aspirações, as campanhas vieram muito por mérito do treinador e de Roger Guedes, destaque em campo à época.
A saída de VP no fim da temporada culminou em um rodízio de treinadores com características totalmente distintas, que só chegou ao fim com António Oliveira, em 2024 — fato que comprova a falta de direção e projeto esportivo.
De lá para cá, Fernando Lázaro, Cuca, Vanderlei Luxemburgo e Mano Menezes estiveram à frente do elenco, que foi perdendo qualidade e referencial técnico.
Na última temporada, Roger Guedes e Renato Augusto, dois dos principais nomes do elenco, deixaram o clube. Envolto em polêmicas, como a causada com a contratação de Cuca, hoje no Athletico-PR, dívidas, e falta de dinheiro em caixa, contratar virou um grande desafio.

Augusto ‘fala muito'
O cenário parecia de terra arrasada quando Augusto Melo assumiu a gestão do Corinthians, em janeiro de 2024.
Mas o presidente, que derrotou a Renovação e Transparência (R&T) de Duílio Monteiro Alves, Andrés Sanches e companhia nas urnas do Timão, dizia ter a solução: a Vai de Bet, empresa do ramo de apostas que prometia ao Corinthians o maior patrocínio da história do Brasil.
Os diversos problemas herdados da R&T deram espaço a novos equívocos. Ainda em janeiro, Lucas Veríssimo, a primeira contratação da temporada, deixou o Corinthians rumo ao Catar. Augusto chegou a criticar o jogador, que rebateu a versão e disse, mais tarde, que se sentiu desvalorizado pela diretoria.
Matías Rojas, que pouco jogou, se transferiu para o Inter Miami porque o Corinthians não pagou o que devia. Augusto chegou a dizer em entrevista a Benjamin Back que tudo estava “em ordem”, mas não foi o que aconteceu.
O presidente cortejou Gabigol como pode e até mesmo mencionou um possível acordo, desmentido logo depois pelo agente do jogador. A situação gerou uma guerra de versões.

Em meio aos atritos com atletas e estafes, houve ainda desconfortos com patrocinadores, as declarações públicas que contradiziam a realidade e a saída conturbada do Rubens Gomes, o Rubão, diretor de futebol, no início de maio, motivada, principalmente, pelos primeiros capítulos do escândalo Vai de Bet.
Em entrevista à Gazeta, Rubão contou os bastidores do desentendimento entre ele e o presidente. O ex-cartola revelou que Augusto Melo disse que toda a negociação com o patrocinador foi realizada sem a presença de um intermediário.
Porém, após a finalização do contrato, a empresa Rede Social Media Design, de Alex Fernando André, o Alex Cassundé, surgiu como facilitadora da operação. Ao estranhar a divergência, Rubão foi questionar Augusto Melo pessoalmente no CT Joaquim Grava, mas a indagação não foi bem recebida.
— Eu fui perguntar: você falou que não tinha intermediário? Quem é esse cara? Quem é essa empresa? “Você está desconfiado?” (Augusto teria questionado). Não, não estou desconfiado de você. Nunca. Se eu estou te perguntando, é porque eu quero saber — contou Rubão em entrevista ao programa “Mesa Redonda”, da TV Gazeta.
— E aí ele… Ficou assim, tal. Não gostou muito da indagação. Eu olhei para ele e falei: só estou te perguntando porque nós estamos aí numa jornada. E você me falou na minha casa que era sem intermediário e agora apareceu uma empresa. Você está sabendo disso? Até onde você sabe disso? E aí? — declarou Rubão, dando a entender que a relação entre os dois ficou estremecida após o episódio.
Ainda segundo o relato do ex-diretor, Augusto afirmou que teria renegociado o valor referente à intermediação — de 10% para 7%. Ao todo, a casa de apostas pagará ao Timão R$ 360 milhões, divididos em três anos. Ou seja, a empresa de Alex embolsou cerca de R$ 25,2 milhões.
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— Trivela (@trivela) May 10, 2024
Caso Vai de Bet foi se agravando
As declarações de Rubão aconteceram ainda antes da revelação dos detalhes da negociação no Blog do Juca. A reportagem contou que a Rede Social Media Design Ltda realizou dois repasses a uma terceira, de nome fantasia Neoway.
Esses valores seriam oriundos da comissão do negócio entre a Vai de Bet e Corinthians. No entanto, a Neoway é colocada como uma companhia “fantasma”, segundo a reportagem, que afirma a inexistência de atividades nos endereços cadastrados na Jucesp (Junta Comercial do Estado de São Paulo).
A Trivela apurou que houve ingerência no pagamento da comissão. Ou seja: desrespeito aos procedimentos internos do cube. Isso porque Rozallah Santoro, então diretor financeiro do clube, não havia autorizado esses depósitos, feitos por Marcelo Mariano, diretor administrativo.
Segundo fontes, na ausência de Rozallah, que estava em viagem, Mariano esteve no departamento financeiro por três vezes, uma delas acompanhado por Alex Cassundé, pressionando o gerente do setor financeiro, Roberto Gavioli, para pagar as notas emitidas pela Rede Social Media Design Ltda.
Em duas oportunidades, o Corinthians não tinha caixa. Na terceira, o aval para a liberação do dinheiro foi concedido.

Na esteira da saída da Vai de Bet, Rozallah e Fernando Alba, diretor-adjunto de futebol, entregaram nesta sexta seus cargos para Augusto Melo.
A dupla pertence ao grupo político Movimento Corinthians Grande, que diante das primeiras revelações, já debatia o desembarque da gestão, conforme antecipou a Trivela. A mesma polêmica já havia motivado a saída de Yun Ki Lee, ex-diretor jurídico, e Fernando Perino, ex-diretor jurídico adjunto.
Quanto o Corinthians já recebeu da Vai de Bet?
O contrato entre Corinthians e Vai de Bet previa o pagamento de R$ 10 milhões no dia 5 de cada mês em 36 parcelas, mais R$ 10 milhões de adiantamento no primeiro mês de vigência. A essa altura, segundo o documento, o Timão já teria recebido R$ 60 milhões.
E não para por aí…
De volta ao campo, a situação não fica menos complicada. Segundo o ge, a direção tenta convencer Carlos Miguel a permanecer no Corinthians, mas, ao que parece, a decisão já foi tomada — e comunicada.
O vínculo do goleiro com o Timão vale até o fim de 2025 e ele tem propostas de Nottingham Forest e West Ham, da Inglaterra, sob a mesa. O modelo de gestão e a condução do dia a dia do clube teriam pesado na decisão.

Em meio a mais esse imbróglio, chamou a atenção do torcedor a diminuição da multa contratual do jovem jogador de R$ 286 milhões para R$ 22 milhões. Quem responde a essa pergunta é Duílio Monteiro Alves, ex-presidente, que comandava o clube na época em que os valores mudaram.
— Em janeiro de 2023, a renovação do contrato foi feita assim: a partir de janeiro de 2024, a multa cairia para 4 milhões de euros (pelo câmbio de hoje, R$ 22 milhões). Se você pesquisar, raríssimos goleiros são vendidos por esse preço no Brasil, ainda mais reservas. Carlos Miguel tinha apenas duas partidas disputadas pelo Corinthians naquela altura. Cássio estava em ótima forma — afirmou, à TNT Sports.
Se rescindir, Carlos Miguel pode deixar o clube imediatamente. Matheus Donelli é o substituto imediato, e aí pode morar mais um problema para a diretoria. O jogador tem contrato apenas até 5 de janeiro de 2025, e poderia assinar um pré-contrato a partir de 5 de julho.
De acordo com informações do Meu Timão, uma proposta de renovação já foi feita, mas o jogador ainda avalia, já que recebeu outras sondagens.
O clube ainda se vê sem grandes referências no elenco. Antes de Cássio, nomes pesados como Renato Augusto e Gil já haviam saído. Depois foi a vez de Paulinho. O fardo cai sobre Fagner, que nunca assumiu um papel de liderança semelhante ao que desempenha hoje.
Por último, o Timão ainda sofre a ameaça de receber um transfer ban na janela de julho. O Santos Laguna, do México, decidiu acionar o Corinthians na Fifa por dívida de R$ 5,8 milhões por Félix Torres. Existe ainda uma multa de 15% do valor da parcela por atraso.
A gestão de Augusto Melo ainda deve dois meses de direitos de imagem a Torres e ao restante do elenco, segundo o UOL.
O corinthiano segue a espera dos próximos capítulos, com medo de que a pior notícia será sempre a próxima e a esperança de que o trem alvinegro volte aos trilhos.