Libertadores

Humano, John Kennedy é o herói perfeito do Fluminense campeão da Libertadores

Entre erros normais da juventude, carinho e acolhimento do clube e o gol do título da Libertadores, John Kennedy era mesmo o único herói possível do Fluminense

Cada lugar tem um menino. Em Xerém, fábrica de talentos das divisões de base do Fluminense, muitos deles saem de lá para o mundo. Mas nem todos têm o mesmo futuro. John Kennedy foi um deles, mas cresceu. Se tornou homem, pai, marido, e agora ídolo do Tricolor. Herói do time campeão da Libertadores em 2023, o camisa 9 virou rei do seu lugar. O menino rei das Laranjeiras.

O herói do primeiro título do Fluminense na Libertadores é negro, favelado e usa cabelos platinados. Com orgulho. Por vezes, chega para os jogos com óculos de armação metálica e lentes de reflexo, o popular “Juliet”, com correntes de ouro no peito enquanto ouve funk em uma caixa de som bem grande. Tem tatuagens espalhadas pelo corpo e um sangue diferente nas veias.

Sangue frio. Tanto que antes mesmo do jogo, previu em um grupo de amigos no WhatsApp, em um áudio transcrito de maneira completa pela Trivela, que seria herói.

— Tô ansioso não, cara. Quem vai resolver o jogo vai ser eu, cara. Caralho, neguinho, tá mentalizado, irmão. Quando eu falo que vou fazer gol, me arrepio todo. Essa porra o gol é meu. É questão de tempo. A final é questão de honra, o gol é meu. É meu. O gol do título é meu. Vou virar ídolo dessa porra com 21 anos — disse John Kennedy antes da final.

Entre palavrões e a fala informal do mineiro de Itaúna que se tornou fluminense em Xerém e Itaboraí, a Glória Eterna tem um novo dono. A Taça Libertadores da América é do Fluminense. E John Kennedy é o herói humano perfeito para esse time campeão.

 

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John Kennedy, o Furacão do Fluminense na Libertadores

Se a Libertadores assustava os tricolores, ela não passou nem perto de intimidar John Kennedy. O atacante saiu do banco e balançou as redes em todas as fases de mata-mata.

Se Jairzinho não foi Pelé em 1970 e John Kennedy não foi Germán Cano em 2023, pouco importa. O menino foi um Furacão na Libertadores.

Levantou a torcida no Maracanã contra o Argentinos Juniors, teve uma atuação soberba contra o Olimpia no Defensores del Chaco, tirou o Flu do sufoco contra o Internacional no Beira-Rio e o grito da garganta dos tricolores, de novo, contra o Boca Juniors, no Rio de Janeiro.

Ao todo, foram quatro gols e três assistências em 10 jogos. Um dos gols estará para sempre na história. O gol do primeiro título da Libertadores do Fluminense é do herói John Kennedy. E que golaço!

 

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Profecia de Diniz virou verdade: John Kennedy fez o gol do título da Libertadores

John Kennedy aquecia atrás do gol em frente ao setor sul do Maracanã, onde tradicionalmente fica a torcida do Fluminense, quando o auxiliar Wagner Bertelli chamou o preparador físico Marcos Seixas. O recado era simples: “Chama o John”.

O menino apontou para o próprio peito, já estufado, e perguntou: “Eu?”. Ao ver que a mensagem era essa, correu em disparada. O movimento levantou a torcida em um momento chave do jogo.

John Kennedy, o heroi humano do Fluminense na final da Libertadores - Foto: Lucas Merçon/Fluminense FC
John Kennedy, o heroi humano do Fluminense na final da Libertadores – Foto: Lucas Merçon/Fluminense FC

O Fluminense havia deixado o Boca Juniors empatar o placar, não tinha boa atuação no segundo tempo e os tricolores esmoreciam, talvez pelas lembranças ruins desta competição neste mesmo lugar 15 anos atrás.

Mas John Kennedy foi o suficiente para alegrar cada um dos torcedores presentes nos setores sul, leste e oeste do Maracanã. E sempre é. O menino faz a alegria dos torcedores desde que saiu de Xerém com a fama de Carrasco do Flamengo que ratificou como profissional.

O carinho das arquibancadas nunca foi à toa. Será ainda menos a partir de agora. Está estampado em camisas e nas máscaras de Urso, outro dos apelidos do menino, espalhadas pela torcida do Fluminense.

 

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Ao chegar no banco de reservas, ouviu de Fernando Diniz: “Você vai fazer o gol do título!”. O que o técnico não fazia ideia é que isso já estava escrito. É Deus quem aponta a estrela que tem que brilhar. E John Kennedy sabia que a honra seria dele.

John Kennedy foi de problema a solução no Fluminense

Antes de ser ídolo aos 21 anos, John Kennedy por pouco não ficou pelo caminho como temia Fernando Diniz. O treinador que é especial porque se preocupa com as pessoas tomou o atacante como um projeto pessoal. Assim como o diretor Paulo Angioni e o presidente Mario Bittencourt, fora de campo, e Fred, agora dirigente, mas antes companheiro, também dentro dele.

— A gente já perdeu muitos John Kennedys por aí. E continua perdendo. Eu vou fazer de tudo para poder ajudá-lo, para ele poder ter uma vida digna no futebol. Principalmente quando ele parar de jogar, para que ele viva daquilo que construiu no futebol. Essa é a minha intenção com ele claramente — disse Diniz, após a classificação do Flu para a final da Libertadores.

A cúpula do futebol do Fluminense sabia do talento de John Kennedy, que fazia chover por onde jogava nas divisões de base do clube. E também do ser humano que precisava ser acolhido. O menino pobre que deixou sua família muito cedo e anda com más companhias é um estereótipo do futebol brasileiro. Diniz sabia disso, e conseguiu fazer do problema uma solução.

Fernando Diniz abraça John Kennedy após o título da Libertadores do Fluminense: treinador tem relação especial com heroi da final - Foto: LUCAS MERÇON / FLUMINENSE F.C
Fernando Diniz abraça John Kennedy após o título da Libertadores do Fluminense: treinador tem relação especial com heroi da final – Foto: LUCAS MERÇON / FLUMINENSE F.C

Mas isso também dependia de John Kennedy. E ele fez sua parte. Treinou e jogou como nunca em 2023 pela Ferroviária no Paulistão. Encantou treinadores e companheiros. Ao voltar, deu sua palavra para Fernando Diniz: esse ano seria diferente.

— Ele tem muito talento. Nunca foi um jogador extremamente profissional e dedicado, mas esse ano ele passou a ser. John Kennedy está muito treinado. Ele é talentoso e está muito bem treinado. O cara está uma tora. Ele estava em condições de desequilibrar — acrescentou Diniz.

 

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O golaço na final sobre o Boca Juniors coroou a trajetória do menino. E colocou o Fluminense de Fernando Diniz cravado na Taça Libertadores da América como campeão de 2023.

Gol, expulsão e festa: John Kennedy é o heroi humano do Fluminense

Nada mais humano na trajetória de John Kennedy do que o dia 4 de novembro. O atacante era dúvida no time titular, mas começou no banco e teve poucos minutos até o fim do tempo regulamentar. Na primeira chance que teve, chutou, mas perdeu. Errou, mas seguiu tentando, como o “verdadeiro vencedor” das ideias de Fernando Diniz.

Em campo, como na vida, Deus lhe deu mais uma chance. A bola aparada por ele e lançada por Diogo Barbosa encontrou Keno, que amaciou de maneira perfeita para o camisa 9 correr, preparar e bater forte para vencer Romero e estufar as redes do Maracanã.

Louco da Cabeça como a torcida do Fluminense, John Kennedy corre para comemorar gol do título da Libertadores - Foto: LUCAS MERÇON / FLUMINENSE F.C.
Louco da Cabeça como a torcida do Fluminense, John Kennedy corre para comemorar gol do título da Libertadores – Foto: LUCAS MERÇON / FLUMINENSE F.C.

Humano, John Kennedy ficou Louco da Cabeça como torcedor do Fluminense que é. Saiu gritando palavrões. Correu para seu povo, no lado oposto, subiu as escadas e voltou para o abraço da arquibancada que tanto ama.

Por imperícia e absurdo da bola, uma regra antipática e estúpida lhe valeu o segundo cartão amarelo — o primeiro tinha saído em uma falta no meio-campo, jogando os braços para trás para se proteger da violenta zaga argentina.

Deixou o campo insatisfeito. Reclamou do árbitro Wilmar Roldán. Ficou no túnel, na saída do vestiário, assistindo os cerca de 20 minutos que restaram entre seu gol e o apito final. Quando o Fluminense enfim conquistou a Libertadores, correu em disparada de volta ao campo e já aos prantos, como na semifinal, abraçou o lateral-esquerdo Marcelo, que previu seu gol sobre o Argentinos Juniors, o primeiro na competição, e chamou o atacante de “meu ídolo”.

Marcelo e John Kennedy, passado, presente e futuro do Fluminense no título da Libertadores - Foto: Lucas Merçon/Fluminense FC
Marcelo e John Kennedy, passado, presente e futuro do Fluminense no título da Libertadores – Foto: Lucas Merçon/Fluminense FC

Se a Conmebol, por força de regulamento, inacreditavelmente impediu que o herói do título concedesse entrevistas por causa da expulsão, pior para ela. John Kennedy gritou, cantou e dançou em vídeos pelo Instagram. Fez a festa ao seu modo. Como um menino que virou menino rei.

John Kennedy, o herói do Fluminense na Libertadores, é um milagre

Semanas antes da final, esteve na capa dos noticiários. Sofreu uma virose e teve divulgada pelo clube uma pubalgia. Esteve em idas e vindas com a esposa Viviane Barros. Seu nome era comumente publicado nas redes sociais com alusões a drogas e crimes. O Fluminense ignorou. Ele também.

Ergueu a cabeça, meteu o pé na bola e foi na fé. Mandou a tristeza dos tricolores embora. Deu ao Fluminense o título da Libertadores.

— Estou muito feliz. É o gol mais importante da minha vida até o momento (risos). Gol de título… Esperei isso muito tempo, hoje veio, graças a Deus. Vim aqui na minha família e fui expulso, mas nada tira nosso dia hoje, hoje era nós e pronto — declarou, ao ge.

Felipe Melo, o melhor frasista do elenco, resumiu bem:

“John Kennedy é um milagre”.

Virou apelido no grupo. O Milagre é o novo ídolo do Fluminense, o herói do título da Libertadores.

— Muitas pessoas usam os jogadores como objeto desde a base, ninguém olha suas carências afetivas. E eu tenho como pilar central do meu trabalho olhar para os jogadores de uma maneira diferente. O John Kennedy, acho que se fosse em outro lugar, ele não tinha conseguido ficar e fazer o gol do título. É um trabalho não só meu, mas de muita gente que soube acolhê-lo e proporcionar esse momento — disse Diniz após o título da Libertadores.

Um novo dia raiou nas Laranjeiras. Como diz a letra do funk que serviu de trilha sonora para o gol de John Kennedy nas redes sociais do Fluminense: “Cada lugar tem um menino. E cada lugar tem um rei. O menino cresceu, e virou menino rei”.

Foto de Caio Blois

Caio Blois

Caio Blois nasceu no Rio de Janeiro (RJ) e se formou em Jornalismo na UFRJ em 2017. É pós-graduado em Comunicação e cursa mestrado em Gestão do Desporto na Universidade de Lisboa. Antes de escrever para Trivela, passou por O Globo, UOL, O Estado de S. Paulo, GE, ESPN Brasil e TNT Sports.
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