Futebol ofensivo, posse de bola e muito mais: por que o Girona de Míchel não é zebra em LaLiga?
Como técnico, Míchel é adepto da ideia de ser protagonista dentro de campo, e isso ajuda a explicar a campanha estupenda do Girona em LaLiga
Pelo menos uma vez em 2023/24 você ouviu (ou leu) o nome do Girona em algum lugar. Clube sem muita tradição localizado na Catalunha, os Blanquivermells surpreenderam a Espanha (e por que não o mundo?) ao se colocarem na briga pelo título de LaLiga. Quem vê de longe pode pensar que isso é uma tremenda zebra no futebol europeu. Contudo, essa máxima é falsa, já que o trabalho de Míchel precisa ser valorizado.
Desde julho de 2021 no cargo, o treinador espanhol pegou o Girona na segunda divisão espanhola para, nesta temporada, brigarem pela liderança na 2ª colocação com 55 pontos em 22 rodadas, apenas dois pontos a menos que o Real Madrid. Mesmo assim, os Blanquivermells estão a oito pontos de distância do Atlético de Madrid e do Barcelona, que completam a zona de classificação à próxima Champions League.
Mais do que resultados, quem para e assiste o Girona fica animado com o que vê: um futebol ofensivo (melhor ataque de LaLiga), priorizando a posse de bola (4ª maior do campeonato), e com alternativas interessantes para bater de frente com os gigantes espanhóis. Nessa análise tática da Trivela, explicaremos como Míchel monta seu time e suas ideias de jogo que têm feito história em 2023/24.
22 JORNADAS | 17 VICTORIAS | 4 EMPATES.
¡GIRONA ❤️ MÍCHEL!#LALIGAEASPORTS pic.twitter.com/XdySnsT26E
— LALIGA (@LaLiga) January 29, 2024
Quem é Míchel e o que ele pensa para o futebol?
Míchel foi um meia que jogou profissionalmente na Espanha entre 1992 e 2012, fazendo a maior parte de sua carreira no Rayo Vallecano. Aliás, foi ali que começou sua trajetória como técnico. Primeiro, assumindo as equipes das categorias de base até chegar ao time principal, em 2017. Naquela temporada, ele levou os Franjirrojos até LaLiga sendo campeão de LaLiga 2.
Em 2018/19, Míchel acabou sendo demitido no meio da temporada devido aos resultados ruins com o Rayo Vallecano (que terminaria rebaixado na última posição). Na sequência, o treinador foi para o Huesca, onde repetiu o sucesso dos Franjirrojos ao vencer a segunda divisão espanhola e sacramentar o acesso. Entretanto, o final também foi o mesmo: ele foi demitido durante LaLiga 2020/21, quando os Oscenses caíram.
Míchel então foi para o Girona para a temporada seguinte por ter o perfil “Mr. Acesso”. E não deu outra, os Blanquivermells subiram de LaLiga 2 em 2021/22. E o que ajuda a explicar os feitos do técnico? Bom, ele mesmo explica. O espanhol de 48 anos se define como um adepto à ideia de ser o protagonista dentro das quatro linhas. Ou seja, pegar a bola e partir para cima, sem ficar na retranca mesmo comandando equipes menores.
🤣 MÍCHEL, dentro del rondo del GIRONA.
👀 Al técnico le ha tocado sufrir la clase de sus jugadores.pic.twitter.com/2UPXuKNXn2
— El Chiringuito TV (@elchiringuitotv) January 31, 2024
Só que isso teve um custo. As demissões no Rayo Vallecano e no Huesca foram causadas justamente por esse perfil proativo. Ter um futebol ofensivo na segunda divisão espanhola é uma coisa. Fazer a mesma coisa em LaLiga com um time de menor investimento e sem estrelas no elenco é outro totalmente diferente. Em meio a esse cenário, Míchel fez algumas adaptações que deram (muito) certo no Girona.
Como joga o Girona, sensação de LaLiga?
Em sua primeira experiência com o Girona em LaLiga, em 2022/23, Míchel conseguiu um incrível 10º lugar, passando longe da zona de rebaixamento e, até certo ponto, brigando por vaga em competições europeias. Na virada da temporada, o treinador perdeu boa parte de seu esqueleto titular, o que obrigou os Blanquivermells irem ao mercado. Aqui vale ressaltar que o clube catalão faz parte do Grupo City, assim como Bahia e Manchester City.
Entre os que saíram, Taty Castellanos, Oriol Romeu, Rodrigo Riquelme e Santi Bueno são alguns exemplos de que deixaram a Catalunha após serem constantemente utilizados pelo treinador espanhol. Por outro lado, Blind, Yan Couto, Savinho e Dovbyk foram algumas das peças contratadas. E esses quatro jogadores estão fazendo a diferença.
Girona FC 23/24 – No Church in the Wild pic.twitter.com/OBlGg2GVbJ
— 🇰🇷 (@kaskantte) January 28, 2024
Gastando bem menos que seus coirmãos, o Girona trouxe peças fundamentais – e que se encaixam no modelo de jogo de Míchel – e tiveram um desempenho ainda melhor. Partindo para cima do adversário, mas sem deixar de proteger sua defesa, o técnico espanhol conseguiu um equilíbrio maior nos Blanquivermells, cuja filosofia de jogo será explica abaixo.
4-3-3 no papel, mas isso não significa muita coisa
No papel, o Girona joga em um 4-3-3, mas isso não significa muita coisa. Isso porque Míchel preza pela ocupação dos espaços, e os jogadores não têm problemas em deixar suas posições de origem para manter o sistema coeso. Ou seja, Blind – que é um dos segredos desse time – tem atuado tanto como zagueiro, quanto lateral-esquerdo. Mesmo assim, não é incomum vê-lo avançando pelo meio para abrir espaço no último setor.
A saída do Girona é feita com três jogadores, sendo que os laterais se comportam como alas, dando opção para o passe nas extremidades do campo. Como a posse de bola é um fator importante para Míchel, os Blanquivermells tentam sair com ela no chão desde o goleiro, sem apelar para a ligação direta (famoso chutão).
O técnico costuma povoar mais o lado direito, deslocando os meias para esse setor visando avançar com a bola. Com isso, Savinho – outro destaque – tem espaço na esquerda, podendo receber a posse e partir para o drible, sua característica mais forte. Aliás, é preciso dar uma atenção maior ao lado de campo do brasileiro, que é algo diferente do usual.
O lateral-esquerdo Gutierrez tem como característica pisar mais no meio-campo, o que abre espaço para Blind (zagueiro de origem) ocupar o lado deixado pelo espanhol. Já quando a bola está próxima do último terço, a dupla tem liberdade para encontrar vazios entre a marcação rival para puxar defensores, abrindo uma brecha para Savinho na extremidade do campo.
Tanto o brasileiro, quanto o outro ponta, Tsygankov, são jogadores agudos que buscam a linha de fundo, o que permite os meias a avançarem até à grande área. Adotando um 3-1-3-3 com a bola, o Girona consegue explorar os espaços do adversário para chegar com perigo à frente. Sem a posse, os Blanquivermells se defendem com duas linhas de quatro.
Quando Míchel enfrenta um time de maior poderio ofensivo, a defesa fica com cinco defensores, com Yan Couto se juntando aos companheiros. Já para sufocar o adversário, o Girona chega ao último setor num 3-2-5, que pode se tornar até mesmo um 1-3-6. Ainda no ataque, os Blanquivermells priorizam passes rápidos e triangulações para superar os defensores.
O Girona de Míchel explora muito os cruzamentos, sejam eles pelo alto ou rasteiros para trás. Dovbyk é um centroavante padrão, que busca vencer a marcação avançando por suas costas. O que torna os Blanquivermells tão interessantes são seu apelo pelo ataque, utilizando muitos jogadores para incomodar a defesa rival, sendo que cada um pode apresentar um risco diferente pelo local que ocupam.
Como consequência, o Girona acaba se tornando vulnerável em contra-ataques. Mesmo assim, o sistema ofensivo tem valido a pena, já que os surpreendentes 52 gols superam todos os outros adversários em LaLiga. Ainda não dá para saber se os Blanquivermells irão levantar o título no final da temporada, porém, é inegável que é um time gostoso de acompanhar.