Brasil

Atlético-MG 116 anos: o primeiro como SAF traz estabilidade financeira, mas questionamentos da torcida

SAF trouxe estabilidade financeira ao Atlético, mas também parece afastar o torcedor

25 de março, o ano novo do atleticano. Nesse mesmo dia, em 1908, alguns jovens se reuniam no Parque Municipal, no centro de Belo Horizonte, e fundavam o Clube Atlético Mineiro. 116 anos depois, o Galo é um dos mais tradicionais clubes do futebol brasileiro, e celebra, pela primeira vez, um aniversário como SAF, que trouxe estabilidade financeira, mas também muitos questionamentos com a torcida.

Em 2023, o Atlético teve que ser transformado em clube-empresa com a explicação de que era “a única saída” em meio ao mais de R$ 2 bilhões em dívidas, entre outros problemas. Dessa forma, em julho, a SAF foi aprovada pelo Conselho. Em novembro, foi tudo oficializado e o Galo se dividiu entre a empresa Clube Atlético Mineiro e a Associação de mesmo nome.

O Atlético foi vendido por R$ 913 milhões, sendo que R$ 313 milhões abatidos das próprias dívidas do clube com quem o comprara, os empresários mineiros e atleticanos Rubens e Rafael Menin, e Ricardo Guimarães, que já investiam no clube há vários e vários anos. Eles estavam a frente (ou por trás) do Galo desde 2020, como mecenas, e decidiram se tornar oficialmente proprietários do Alvinegro.

+ Dos pés a cabeça: Entenda como vai funcionar a SAF do Atlético-MG

Com a SAF, o Atlético passou a viver um dia a dia mais tranquilo, pelo menos na teoria. Notícias sobre atrasos de salários e pagamentos não acontecem mais no clube. A dívida já teve uma boa diminuição, segundo o CEO Bruno Muzzi, e está no processo para ser cada vez mais abatida. As receitas também vão melhorando, principalmente agora com a Arena MRV. Financeiramente, o Galo nunca esteve tão estável. Em campo, o time segue forte, mantendo, por exemplo, o (cada vez mais) ídolo Hulk. Apesar disso tudo, boa parte da torcida ainda tem críticas e desconfiança, mas por quê?

Tudo novo gera desconfiança e as promessas não cumpridas pelos donos

SAF é algo bem recente no Brasil. Na elite nacional, só Botafogo, Vasco e Cruzeiro, que estavam em situações bem piores, adotaram esse modelo antes do Atlético. Então, é natural haver uma dúvida e uma desconfiança pelo modelo que o torcedor não está tão familiarizado.

Mas, além disso, no Atlético, há outros fatores que ajudam a reforçar essa desconfiança. O primeiro deles é como o processo de SAF foi conduzido. A ideia sempre foi ter um investidor de fora, com os atuais donos garantindo que não iriam participar da compra do clube. No entanto, tudo isso mudou de repente: o empresário de fora não apareceu ou não conseguiu as garantias do investimento e os então mecenas se viram “obrigados” a comprar o clube. Fora que o processo foi todo acelerado, sem muito tempo para explicações e debates de como ele iria funcionar.

Além do processo nada transparente, os compradores, como citado, já estavam no clube de forma ativa desde 2020. Nesse período, eles foram os responsáveis por evoluírem e valorizarem o time atleticano, que se tornou campeão brasileiro e da Copa do Brasil em 2021, por exemplo. Ao mesmo tempo, eles fizeram algumas promessas, que não foram cumpridas, o que ajuda o torcedor a ter o pé atrás com a gestão.

Rafael Menin, Rubens Menin, Renato Salvador e Ricardo Guimarães celebrando o título da Copa do Brasil do Atlético em 2021 (Pedro Souza/Atlético)

Promessa de “4 Hulks” no time, ou seja, quatro jogadores de altíssimo nível. Que a venda do Diamond, shopping que pertencia ao Atlético, seria suficiente para abater as dívidas. Ou mesmo que eles não iriam ter nem uma porcentagem mínima na SAF, e agora são os donos majoritários. Tudo isso são algumas das promessas feitas pelos empresários que ainda não foram cumpridas ou explicadas.

Alguns questionamentos não respondidos

  • Por que as várias mudanças de discurso ao longo do tempo?
  • Quem fez e como fez as contas para chegar ao valor de R$ 913 milhões?
  • Vocês erraram. Ok, admitiram. Mas erraram em quê? Se precipitaram? Se empolgaram? Aconteceu algo que mudou o que disseram? Se sim, o que foi?
  • O que exatamente foi feito com todo o dinheiro da venda do Diamond Mall?
  • O que fez a dívida aumentar em R$ 1 bilhão desde que vocês passaram a comandar o clube? Foram erros de vocês? Foi o mercado? A pandemia? Tudo isso?
  • Por que o processo da SAF foi tão rápida, se dando em menos de 30 dias desde que o modelo foi anunciado? Se o Atlético não podia esperar mais, como foi dito, por que chegou nesse ponto? Qual a culpa de vocês nisso?
  • Expliquem porque não há um conflito de interesse sendo que vocês já estavam no comando do clube que agora compraram.

O que os torcedores acham da SAF do Atlético?

Além dessas questões que deixam a torcida ainda com uma desconfiança, outro ponto sempre apontado nas redes sociais é a forma como a empresa Atlético faz pouco pelo torcedor, chegando até a fastá-lo do clube, principalmente o “povão”. Ingressos extremamente caros, falta de transparência e até uma “defesa” em prol de Felipão, que rebateu a torcida durante toda a sua passagem pelo clube e uma atitude pública nunca foi tomada – até a demissão dele na última quarta (20).

Diante desse cenário, a Trivela conversou com dois torcedores que hoje são parte da voz atleticana nas redes sociais e no estádio. Lucas Gusmão, dono do canal Contra o Vento, que acompanha o Atlético em praticamente todos os jogos (dentro e fora de casa), e mostra a rotina real de um torcedor, comentou sobre o que vê do clube com a SAF:

– A SAF, infelizmente, foi necessária, senão o clube não aguentaria sanar todas as dívidas com as próprias pernas. O fato de atleticanos terem comprado nos deixaram um pouco mais aliviados. Vejo muita gente criticando, mas acho que os caras não brincam em serviço, todos são grandes empresários. Vejo a falta de transparência como um grande problema, tudo muito mal explicado, e também agora com a Arena MRV vejo que cada vez mais estão pensando apenas no dinheiro, deixando a Massa de lado — afirmou Lucas.

Acredito realmente que o Atlético não sai mais dos favoritos a títulos em todas as temporadas, mas também não queremos o clube cada vez mais distante do povao! — Lucas Gusmão, do canal Contra o Vento

Os ingressos altos na Arena MRV realmente são uma crítica constante da torcida. O aumento no preço com a casa nova era até algo esperado pela maioria, mas, ainda assim, os preços subiram muito, mais do que dobrando o valor.

Outro torcedor contatado pela Trivela foi Marco Geves, também jornalista do Canal Bica Galo, que além tem mais de 45 mil inscritos. Para ele, a SAF traz ao Atlético uma boa projeção diante do cenário que vivia, já que os empresários assumiram o clube “quebrado financeiramente”.

– Ainda está no início. Os caras pegaram um Atlético muito quebrado financeiramente e, na minha humilde opinião, se aproveitaram disso para poder barganhar o valor do clube, tendo já um plano de ação para poder executar as dívidas, pagar tudo, usar as suas influências, empresas e nomes, inclusive como garantias bancárias — iniciou Geves.

Para o apresentador do Bica Galo, a SAF vai dar certo financeiramente, pois já teve o primeiro investimento que abateu uma parte das dívidas e, mais recentemente, um novo aporte de R$ 200 milhões foi aprovado, além de R$ 100 milhões que estão sendo captados por um fundo de investimentos (FIGA).

Já sobre a relação desse “novo Atlético” com a torcida, Geves entende que ele trouxe “esperança”, mas cita o mesmo problema que Lucas, da falta de transparência dos novos donos, que não aparecem para dar explicações, como faz, por exemplo, John Textor, dono do Botafogo.

Acho que é uma questão de compasso de espera. O recorte que a gente tem de tempo é muito pequeno para fazer uma análise se deu certo, se vai dar errado, mas acho que há uma esperança, principalmente pela experiência dessas pessoas — Marco Geves, do Canal Bica Galo

O primeiro aniversário como SAF tem pontos positivos e negativos

Em resumo, a SAF do Atlético trouxe uma tranquilidade financeira ao clube, mesmo que ele ainda tenha muito a pagar em dívidas. Além disso, apesar de não ter recebido investimentos pesados, o time em campo segue muito forte e um dos melhores do Brasil, sempre apontado como um dos favoritos aos títulos. No entanto, pelo outro lado, ainda gera desconfiança no torcedor, que muitos, principalmente o “povão”, se sentem mais distantes.

É só o primeiro aniversário do Atlético como SAF, que está em vigor a menos de seis meses, mas, acima de sanar dívidas ou ter um time muito competitivo em campo, é preciso entender que está a torcida, o maior patrimônio do Galo, que não pode ser afastada ou “descartada”, pelo contrário, quanto mais a tiver próxima, melhor. A demissão de Felipão e a contratação de Milito para o comando técnico do clube já recuperou parte dessa confiança do torcedor.

Foto de Alecsander Heinrick

Alecsander HeinrickSetorista

Jornalista pela PUC-MG, passou por Esporte News Mundo e Hoje em Dia, antes de chegar a Trivela. Cobriu Copa do Mundo e está na cobertura do Atlético-MG desde 2020.
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