Brasileirão Série A

Opinião: por que a torcida do Atlético-MG acreditaria em seus ‘novos’ donos?

SAF do Atlético-MG foi aprovada, mas torcida tem se colocado contra em parte; e a Massa atleticana tem seus motivos para desconfiar

No fim da tarde de quinta-feira (20), o conselho do Atlético-MG aprovou a implementação da SAF no clube. Os compradores são os mesmos que atualmente já gerem o clube, os chamados 4Rs. A pergunta que fica é: por que a torcida atleticana tem de acreditar neles depois de tantas promessas não cumpridas e uma administração, feita pelos empresários que são os compradores, que endividou ainda mais o clube?

Quem são os novos donos do Atlético?

Os compradores majoritários da SAF do Atlético são os atuais mecenas do clube, conhecidos como “4Rs”: Rubens e Rafael Menin, Ricardo Guimarães e Renato Salvador. Eles são empresários mineiros e atleticanos, que há muitos anos ajudam o clube financeiramente, mas desde 2020 assumiram o comando ao lado da atual diretoria.

  • Rubens Menin: mais ativo dos investidores, Rubens Menin é chamado de “vovô” por alguns atleticanos. Ele é um empresário bilionário, fundador de grandes empresas como a MRV Engenharia, o Banco Inter e a CNN Brasil. Ele ainda adquiriu há alguns anos a Rádio Itatiaia, principal veículo de comunicação de Minas Gerais.
  • Rafael Menin: filho de Rubens, Rafael é o atual presidente e CEO da MRV Engenharia
  • Ricardo Guimarães: outro empresário muito ativo na vida do Atlético, tendo passado até pela presidência do clube entre 2001 e 2006, vivendo o primeiro rebaixamento da história do Galo. Ele é dono e presidente do Banco BMG.
  • Renato Salvador: mais reservado do grupo dos 4Rs, Renato e sua família são proprietários da rede de hospitais Mater Dei, uma das mais relevantes do Brasil.

Aumento da dívida do Atlético

Desde que os 4Rs entraram para ajudar no comando do Atlético, no início de 2020 após a vexatória eliminação do clube para o Afogados na Copa do Brasil, até o momento atual, a dívida do Galo mais do que dobrou. No balanço de 2019, a dívida atleticana estava na casa dos R$ 800 milhões. No último balanço, de 2022, era de R$ 1.5 bilhão, mas agora já bate os R$ 1.8 bilhão, segundo eles mesmos anunciam.

As dívidas e os faturamentos do Atlético-MG – informações do balanço do clube
Faturamento Dívida
2019 R$ 256 milhões R$ 830 milhões
2020 – primeiro ano dos 4Rs R$ 140 milhões R$ 1.3 bilhão
2021 R$ 475 milhões R$ 1.3 bilhão
2022 R$ 395 milhões R$ 1.5 bilhão
2023 Em andamento R$ 1.8 bilhão

É verdade que o faturamento também aumentou, o clube trouxe jogadores de renome mundial e conquistou títulos importantes. Mas questiono: valeu a pena? Não era melhor, ao invés de criar mais dívidas pegando mais empréstimos e construindo um estádio, usar o dinheiro para pagar uma parte do que devia. E outra pergunta: o que fizeram com o dinheiro do shopping?

O Atlético vendeu um dos shoppings mais luxuosos de Belo Horizonte, localizado em um bairro nobre da capital, lucrando mais de R$ 600 milhões. Para onde foi esse dinheiro? O CEO do clube, Bruno Muzzi, disse que foram para pagar dívidas e algumas coisas do futebol, mas cadê uma explicação exata? O Galo não pode explicar onde e quando gastou esse dinheiro?

Com mais de R$ 600 milhões, se o Atlético negociar diretamente com quem ele deve, consegue descontos e poderia ter desafogado. Por que isso não aconteceu? Essa foi uma promessa feita por essa mesma diretoria, de que só a venda já ajudaria a salvar o clube. Por que não explicam o que aconteceu?

Falsas promessas

A promessa de sanar boa parte das dívidas com o shopping não foi a única que não foi cumprida pela atual diretoria do Atlético. Várias outras ficaram pelo caminho ou sofreram grandes alterações. Sobre a própria SAF, o discurso inicial era de que os 4Rs não queriam de jeito nenhum fazer parte. Depois falaram que aceitariam um pequeno percentual pelo perdão da dívida deles com o clube. Por fim, se tornaram os sócios majoritários alegando ser a única forma e salvação do clube. O mesmo clube que eles mesmos administraram,ou seja, que eles mesmos colocaram nessa situação.

Por falar na dívida deles com o Atlético, quando assumiram, em 2020, afirmaram que estavam emprestando dinheiro ao clube sem juros e correções, que o Galo poderia pagar quando quisesse. Bem, a primeira promessa foi cumprida, os valores não se alterara, mas a segunda teve reviravolta. A dívida com os 4Rs saiu de “quando quiser”, ou seja, última da fila, para a primeira, já que ela está sendo convertida em porcentagem na SAF.

Outro ponto dessa questão da venda da SAF para os 4Rs, que foi questionado diariamente pela torcida, é o conflito de interesses. Os gestores que já estavam no Atlético definiram um preço para eles mesmos comprarem. Como um estádio de R$ 1 bilhão, que nem sequer foi inaugurado, e um CT, que já foi eleito um dos melhores do mundo, entram na conta da SAF e o pagamento sai abaixo de R$ 1 bilhão? Os próprios empresários já haviam dito, quando negociavam com estrangeiros, que, caso incluíssem essas propriedades, o valor passaria do bilhão. Por que com eles comprando o valor ficou abaixo?

Essa mesma diretoria também prometeu “três ou quatro jogadores do quilate” de Hulk se concluísse a venda do shopping, um acordo com a nova liga e a SAF. Tudo isso está feito, e agora? O Galo perdeu dois de seus jogadores “quilate Hulk” (Allan e Nacho Fernandez) e é falado que pode perder mais. E outra, já foi informado que a SAF terá teto de gastos e o dinheiro não será usado para o futebol, e sim para as dívidas, ou seja, não vai ter alto investimentos, como vão trazer “novos Hulks”?

Faltam explicações à torcida do Atlético

Não adianta os agora oficialmente donos do Atlético e a sua atual diretoria falarem em transparência e processo correto quando eles deixaram de cumprir muitas promessas e dar várias explicações durante esses últimos anos. Após a aprovação da SAF, pela primeira vez, eles assumiram que erraram, o que já é um bom sinal, mas não responde tudo. Custa eles citarem o que erraram e explicarem o porquê? Não vai fazer mal dizer “eu errei sobre a venda do shopping, calculei errado, me empolguei, a verdade é que …”.

Alguns questionamentos para os novos donos do Atlético

  • Por que as várias mudanças de discurso ao longo do tempo?
  • Quem fez e como fez as contas para chegar ao valor de R$ 913 milhões?
  • Vocês erraram. Ok, admitiram. Mas erraram em quê? E porque? Se precipitaram? Se empolgaram? Aconteceu algo que mudou o que disseram? Se sim, o que foi?
  • O que exatamente foi feito com todo o dinheiro da venda do Diamond Mall?
  • O que fez a dívida aumentar em R$ 1 bilhão desde que vocês passaram a comandar o clube? Foram erros de vocês? Foi o mercado? A pandemia? Tudo isso?
  • Por que o processo da SAF foi tão rápida, se dando em menos de 30 dias desde que o modelo foi anunciado? Se o Atlético não podia esperar mais, como foi dito, por que chegou nesse ponto? Qual a culpa de vocês nisso?
  • Expliquem porque não há um conflito de interesse sendo que vocês já estavam no comando do clube que agora estão comprando.

As SAFs chegaram ao Brasil com a promessa de serem mais justas, corretas e transparentes. A maioria é e passaram por processos do tipo, como o Bahia, que fez inúmeras reuniões com todo mundo possível, incluindo sua torcida, para tirar a limpo todas as dúvidas. Mas, no Atlético, uniram um processo cheio de promessas não cumpridas e erros nos últimos anos, com uma aceleração para aprovação de um SAF que foi divulgada há menos de um mês.

Torço para que a SAF do Atlético, na mão de empresários atleticanos, possa ser uma revolução no Brasil. Que eles mostrem que ter uma gestão “caseira” é melhor, que consigam finalmente cumprir com as promessas de sanar as dívidas do clube e elevá-lo a um patamar mundial. Mas, baseado nos últimos anos, com esses mesmos empresários no comando, não consigo dizer que tenho confiança que isso vá acontecer, e acho que boa partida da torcida também não tem.

Foto de Alecsander Heinrick

Alecsander HeinrickSetorista

Jornalista pela PUC-MG, passou por Esporte News Mundo e Hoje em Dia, antes de chegar a Trivela. Cobriu Copa do Mundo e está na cobertura do Atlético-MG desde 2020.
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