Diante da crise histórica do Ajax, a demissão de Maurice Steijn era irremediável
Maurice Steijn conquistou apenas 30,4% dos pontos disputados pelo Ajax, mas passa longe de ser o único responsável por uma ampla crise em Amsterdã
A situação de Maurice Steijn à frente do Ajax era insustentável. O treinador assumiu o clube sem sequer demonstrar confiança no seu taco e o trabalho nunca correspondeu. As dificuldades são flagrantes ao longo da temporada, sobretudo na Eredivisie, e pioraram com o passar das semanas. O resultado é desastroso: são oito partidas consecutivas sem vitórias. O que já era o pior início do clube na história do Campeonato Holandês se transformou na pior sequência em jejum da história dos Ajacieden por todas as competições. A derrota por 4 a 3 para o Utrecht, rival direto na tabela que colocou os Godenzonen na zona de rebaixamento, soava mesmo como a gota d'água. Nesta segunda-feira, o clube confirmou a esperada demissão. Steijn não é mais treinador da equipe, com a promoção do assistente Hedwiges Maduro de maneira interina.
Steijn durou míseros 11 jogos à frente do Ajax. O treinador venceu pela Eredivisie apenas na primeira rodada, contra o Heracles Almelo. Desde então, foram quatro derrotas e dois empates pela competição. São quatro derrotas consecutivas, incluindo os 4 a 0 para o rival Feyenoord no clássico em Amsterdã – que precisou ser interrompido e encerrado outro dia, por causa dos sinalizadores atirados em campo. Também não auxiliaram os 4 a 3 do Utrecht, em que os Ajacieden perderam de virada. Já na Liga Europa, o time alcançou a fase de grupos, mas seu único triunfo ocorreu nas preliminares, diante do Ludogorets. O aproveitamento ridículo de Steijn não passou dos 30,4% dos pontos, com 19 gols anotados e 22 sofridos.
Maduro deve ficar apenas temporariamente à frente no Ajax. Terá compromissos duros na sequência da semana, ao enfrentar o Brighton pela Liga Europa e o PSV pela Eredivisie. O intuito da direção é recorrer a um antigo ídolo: John Van't Schip, que defendeu o clube de 1982 a 1992. Foi atacante em momentos importantes sob as ordens de Johan Cruyff e Louis van Gaal. Como treinador, o veterano teve diferentes passagens como assistente dos Ajacieden, sobretudo ao lado de Marco van Basten – com quem também trabalhou na seleção. Já como treinador principal, contudo, os trabalhos de Van't Schip são mais limitados. Dirigiu Melbourne Heart, PEC Zwolle e, mais recentemente, a seleção da Grécia. Saiu em 2021, sem levar o time para a Eurocopa. No último mês, voltou ao Ajax como observador técnico e vai ser o apontado para botar a cara na linha de frente.
O currículo de Steijn
Maurice Steijn caiu de paraquedas no Ajax. O treinador de 49 anos tinha um currículo bastante modesto. Como jogador, passou grande parte de sua careira entre ADO Den Haag e NAC Breda. Já sua formação como técnico também se concentrou em Haia: dirigiu diferentes categorias na base do Den Haag, tornou-se assistente da equipe principal e depois ficou quase três anos à frente do time, de 2011 a 2014. Seu ápice aconteceu com uma campanha que rendeu o nono lugar em 2012/13, mas foi demitido diante dos riscos de rebaixamento no campeonato seguinte. A partir de 2014, Steijn assumiu o VVV na segunda divisão holandesa. Foram cinco anos nos aurinegros, que levou de volta à elite e os manteve na primeira divisão.
Em 2019/20, Maurice Steijn durou apenas quatro partidas à frente do Al-Wahda, nos Emirados Árabes. Já em 2020/21, passou pelo NAC Breda na segunda divisão. Isso até que ficasse pouco mais de uma temporada no Sparta Roterdã, no trabalho mais relevante de sua carreira. O 14° lugar na Eredivisie 2021/22 não era tão digno de nota, porque dirigiu o time em míseras quatro partidas, mas conquistou dez pontos e evitou o descenso. Por fim, elevou a equipe à metade de cima da tabela em 2022/23. A sexta posição por pouco não reconduziu o clube às copas europeias, com 16 vitórias em 33 compromissos. Chegou aos playoffs da Conference, mas não se impôs nos confrontos diretos. Ainda assim, o Ajax o viu como uma opção.
Steijn vinha para renovar os ares na Johan Cruyff Arena. Não tinha qualquer tipo de DNA ligado ao clube, mas trazia um conhecimento importante na Eredivisie. Era uma aposta diferente, num momento de várias mudanças no Ajax. Parecia válido tentar, até porque o antigo assistente Alfred Schreuder foi um fracasso ao substituir Erik ten Hag em 2022/23 e sequer terminou a temporada. Entretanto, não deu certo. Steijn não demonstrou muita convicção nem em sua apresentação, ao declarar que ele mesmo estava surpreso. Por outro lado, afastava o ceticismo em relação à falta de experiência em alto nível. Mas, quando o calo apertou, não estava preparado.
O Ajax entrou em espiral durante as últimas semanas. As atuações ruins se encadeavam e Steijn não conseguia apresentar soluções. O próprio time estava perdido e o comandante não contava lá com muito respaldo das arquibancadas. A demissão parecia questão de tempo, e até demorou diante da maneira como os Ajacieden se viam atolados. A goleada do Feyenoord por 4 a 0 no clássico em Amsterdã servia como um retrato imenso dos problemas. Mesmo com um voto de confiança da direção, Steijn não achou um caminho.
Depois da derrota para o Utrecht neste domingo, o técnico inclusive admitiu a falta de controle sobre a crise. “Essa é a pergunta que nos fazemos: como podemos reverter isso? Se eu tivesse a resposta, faríamos isso”, apontou. “A única coisa que posso fazer é continuar fiel a mim mesmo e trabalhar com o grupo. Já estive nesta situação antes. Estou 100% comprometido com o Ajax. Se o Ajax acreditar que essa (demiti-lo) é a solução para alcançar resultados, quem sou eu para impedir isso? Eu entendo as perguntas, mas está fora do meu controle. Concordamos que isso é indigno do Ajax, mas continuo combativo e quero trabalhar com esses caras para mudar a maré”. Contudo, não teve uma nova oportunidade.
Problemas além do treinador
O Ajax tem condições de sair da zona de rebaixamento. A equipe só conquistou cinco pontos em 21 possíveis, mas o duelo contra o Volendam foi adiado pelos problemas ocorridos contra o Feyenoord e o jogo ante o RKC Waalwijk, uma vitória parcial, precisou ser interrompido por questões médicas. Os Ajacieden estão a apenas sete pontos da metade de cima da tabela. O difícil é mesmo atender às ambições normais dos Godenzonen. O líder PSV aparece 22 pontos à frente, 27 no total. Há um quarteto em ritmo muito forte, com AZ, Feyenoord e Twente todos entre 25 e 22 pontos. A esta altura, mesmo uma vaga na Conference soa como tarefa hercúlea, quanto mais na Champions League.
O elenco do Ajax perdeu mais força na atual janela de transferências, depois de sucessivos desmanches. O clube ganhou um bom dinheiro ao vender jovens como Mohammed Kudus, Jurrien Timber, Edson Álvarez e Calvin Bassey. Também permitiu que lideranças como Davy Klaassen e Dusan Tadic saíssem de graça antes do final de seus contratos – algo que meses antes ocorrera com Daley Blind. Agora, o papel de referência recai a jovens como Kenneth Taylor e Brian Brobbey, bem como a outros mais rodados a exemplo de Steven Bergwijn e Steven Berghuis. Não dão conta do recado. Da mesma forma, o mercado de transferências se voltou mais a jogadores de potencial que, por enquanto, não se provam. Ainda se espera muito de novatos como o zagueiro Josip Sutalo, o lateral Borna Sosa, o ponta Carlos Forbs e os atacantes Georges Mikautadze e Chuba Akpom. Mas, no meio da bagunça, fica difícil de cobrar.
O Ajax atual não possui mais qualquer elo com o time que alcançou as semifinais da Champions 2018/19. Também está bem diferente em relação à empolgante campanha na Champions 2021/22. E a crise em campo reflete mais problemas de planejamento do que necessariamente daqueles colocados na fogueira. Erik ten Hag saiu por causa da proposta do Manchester United, enquanto Marc Overmars antes perdera o emprego na direção pelas denúncias de assédio. Na temporada passada, Edwin van der Sar também optou por sair após as cobranças sobre si. E o novo protagonista na direção esportiva, o alemão Sven Mislintat, não ficou mais do que alguns meses no cargo. Deixou o posto em setembro, sob acusação de conflitos de interesses no mercado de transferências.
Há uma posição fragilizada do Ajax em sua administração esportiva. Não à toa, o clube recorreu a Louis van Gaal e o veterano reassumiu como consultor no início deste mês. Outro que voltou como consultor é Danny Blind, capitão no último título europeu, exatamente conquistado sob as ordens de Van Gaal. Contudo, ainda é pouco para acreditar que os Ajacieden voltarão aos prumos em breve. Os problemas recentes retratam a coleção de decisões ruins tomadas pelo clube. A derrota para o Utrecht é o novo fundo do poço, como nunca se viu na história dos Godenzonen. Mas não que a demissão de Maurice Steijn deva colocá-lo como culpado. Talvez ele seja um dos menos responsáveis por uma crise que transpassa várias frentes.
Para terminar o dia…
FIO: PROBLEMAS NO AJAX – EM (RE)CONSTRUÇÃO
Pior começo de Campeonato Holandês desde 1964: sem vitórias após cinco rodadas.
Alta desconfiança de que o time não durará muito na Liga Europa.
Contratações discutíveis para muitos.
Por quê o Ajax caiu tanto? pic.twitter.com/MNktXuzE8Y
— Espreme a Laranja (@espremealaranja) September 19, 2023