Sintético ou natural? Debate sobre gramados foi um dos motivos da criação da Champions
No Brasil, jogadores com mais experiência estão deixando clara a sua posição sobre o tema

Passaram um pouquinho mais de 70 anos desde o jogo que abriu as portas para a criação da Liga dos Campeões – e a nossa história tem tudo a ver com o estado do gramado.
Em 1954, Wolverhampton Wanderers – Wolves – foi um pioneiro em organizar jogos a noite, com a novidade glamorosa de iluminação artificial. Convidou grandes times estrangeiros – e o maior, do dia 13 de dezembro, foi o Honved da Hungria. Base da seleção húngara que venceu a Inglaterra por 6 a 3 e 7 a 1, o Honved poderia ter sido o melhor time do mundo, ou certamente da Europa.
Wolves quis muito ganhar. Mas como, contra um adversário de tanta qualidade? Como igualar o campo? Fácil – usar o campo para roubar.
Choveu muito lá na região – que não seria novidade para alguém com conhecimento de Wolverhampton no inverno – que já deixou o gramado bastante pesado. Mas Wolves deu uma ajudinha. O Honved rapidamente abriu 2 a 0. No intervalo, os atletas da categoria da base do clube tiveram uma tarefa – jogar mais água no campo. E no segundo tempo, a bola quase não rolava. E Wolves levou uma vantagem de luta livre na lama. Ganhou 3 a 2 – com a imprensa inglesa proclamando o clube inglês como campeão do mundo.
A notícia chegou na França – onde, logicamente e com toda razão – houve uma certa revolta. Campeão do mundo, que nada! A gente precisa de um campeonato onde, em condições de igualdade, possa definir quem realmente é melhor. E aí nasceu no ano seguinte o torneio que hoje em dia se chama Liga dos Campeões.
Entre os jogadores jovens de Wolves que molharam o gramado de Molineux, teve um certo Ron Atkinson. Confessa que com um campo de qualidade, o Honved ia vencer por 10 a 0. Trinta anos mais tarde, ele era o técnico carismático de Manchester United – foi ele quem deu lugar para Alex Ferguson. Atkinson não conseguiu ganhar o campeonato inglês, embora tenha produzido times atraentes. Muitas vezes o seu time iniciou bem a temporada. Se destacava nos campos limpos de agosto e setembro. Mas sofria quando chegava o inverno. O time leve não gostava dos campos pesados e encharcados de novembro até março. Atkinson foi vítima do mesmo veneno que na juventude ele passou para o Honved.
Lembro bem da mentalidade do futebol inglês na época. Tinha um culto à mediocridade. Reinava a ideia que jogar bem em campos bons era uma coisa, mas que o verdadeiro teste era jogar nos gramados cheios de lama. Aí ia se ver quem mereceu ser campeão….

E isso talvez seja a maior mudança no jogo desde o início da Premier League. Se tomou a decisão de melhorar os gramados de todos os clubes, sem exceção. Melhorando o campo melhora o espetáculo, em consequência ajuda a produzir e atrair melhores jogadores. Trata-se de um círculo virtuoso.
Aí vem a grande pergunta. Se for possível melhorar tanto os gramados na Inglaterra, por que parece tão difícil no Brasil?
O clima ajuda? Talvez. A quantidade de jogos atrapalha? Com certeza. O modelo de negócios é um problema? Acho que sim. O futebol como negócio é muito estranho. O futebol inglês conseguiu lucrar como uma consequência de melhorar o espetáculo. Isso é possível no Brasil? No curto prazo tem vantagens em ter estádios com gramado sintético porque facilita usar o espaço para shows também – mas os jogadores com mais experiência estão dando uma opinião clara sobre isso.