Silhavy levou os tchecos à Euro, mas decidiu pedir demissão logo após a classificação
Jaroslav Silhavy fez uma campanha excelente na Euro 2020, mas agora preferiu sair de cena por conta da pressão, mesmo com a vaga na Euro 2024
A República Tcheca garantiu sua classificação para a Euro 2024 na última rodada do Grupo E, mas precisará procurar um novo treinador para a competição continental. Durante a coletiva de imprensa após a vitória sobre Moldova, o técnico Jaroslav Silhavy anunciou seu pedido de demissão. O comandante fez um trabalho de relevo à frente dos tchecos, com destaque à boa campanha na Euro 2020, em que eliminou a Holanda e levou o time às quartas de final. Entretanto, a ausência na última Copa do Mundo e os resultados inconsistentes minaram o ambiente. Segundo Silhavy, as duras críticas que vinha recebendo o levaram à decisão.
“Algumas vezes eu não entendo o porquê da raiva e da agressividade que são direcionadas contra mim”, declarou Silhavy, na coletiva de imprensa. “Embora estejamos felizes agora, já tínhamos decidido antes do jogo que não continuaríamos. Eu informei o presidente da federação. A pressão era enorme e isso contribuiu. Não é apenas sobre mim, mas sobre toda a comissão técnica. Estou convencido de que fizemos o trabalho e estamos deixando bons resultados”.
Embora a República Tcheca tenha confirmado a classificação para a Eurocopa apenas na última rodada do Grupo E, a equipe fez uma campanha razoável. Conseguiu superar a Polônia, grande favorita na chave. O empate por 1 a 1 em Varsóvia na última sexta-feira encaminhou a vaga, enquanto os tchecos confirmaram presença na Euro 2024 com uma tranquila vitória por 3 a 0 sobre a Moldova, nesta segunda-feira. O incômodo foi maior por um 3 a 0 acachapante da Albânia, assim como pelos placares magros contra adversários mais frágeis.
Além disso, um episódio de indisciplina no elenco estourou nesta semana: Vladimir Coufal, Jakub Brabec e Jan Kuchta foram cortados após serem flagrados numa casa noturna, às vésperas do jogo decisivo contra Moldova. Silhavy disse que não via a atitude do trio como algo premeditado para prejudicá-lo, embora o imbróglio também não tenha ajudado. Outros episódios de indisciplina já tinham ocorrido nos meses anteriores. O técnico, antes elogiado pelo bom diálogo com os jogadores e a serenidade no comando, perdeu as rédeas do grupo.
A passagem de Silhavy
Silhavy permaneceu cinco anos à frente da seleção da República Tcheca. Nos tempos de jogador, o ex-zagueiro teve uma breve passagem pela seleção tchecoslovaca entre 1990 e 1991. Foi um atleta de sucesso limitado, passando por clubes como Hvezda Cheb, Slavia Praga, Petra Drnovice e Viktoria Zizkov. Ainda assim, o defensor virou recordista em partidas pela liga local. E impacto maior Silhavy teve após pendurar as chuteiras, especialmente como assistente da seleção. O veterano foi auxiliar da República Tcheca de 2003 a 2009. Trabalhava ao lado de Karel Brückner na campanha marcante na Euro 2004 e também na classificação para a Copa de 2006.
Silhavy deu seus primeiros voos como treinador principal em clubes médios do Campeonato Tcheco. Teve experiências simultâneas enquanto ainda estava na seleção, até fazer um trabalho reconhecido à frente do Slovan Liberec. Foram três temporadas no time, com direito à conquista do título nacional em 2011/12. Silhavy também passou pelo Dukla Praga, antes de assumir o Slavia Praga e também deixar sua marca. O título de 2016/17 foi bastante importante, ao encerrar um período de seca dos alvirrubros e iniciar a hegemonia mais recente. Porém, Silhavy nem durou tanto na casamata, demitido após a eliminação na fase de grupos da Liga Europa. Já em 2018, seria convidado a dirigir a seleção.
Silhavy assumiu a República Tcheca após ciclos insatisfatórios, com uma fraca campanha na Euro 2016 e a ausência nas três Copas do Mundo anteriores. O treinador teve meses iniciais muito bons, ao conseguir o acesso para a primeira divisão da Liga das Nações e também classificar a equipe para a Euro 2020 – com direito a vitória sobre a Inglaterra. Já no torneio continental, a Tchéquia teve ótimo desempenho. Derrotou a Escócia e empatou com a Croácia para garantir a classificação na fase de grupos, apesar da derrota para a Inglaterra. Depois, eliminou a Holanda e deu trabalho para a Dinamarca nas quartas de final. Neste momento, o comandante conseguia exceder as expectativas ao redor do time.
Porém, o trabalho da República Tcheca não progrediu tanto depois disso. A equipe não conseguiu a vaga para a Copa do Mundo de 2022. Ficou abaixo de Bélgica e Gales em sua chave, com a queda para a Suécia nas semifinais da repescagem. Já na Liga das Nações, o time foi saco de pancadas na primeira divisão e terminou rebaixado. Restavam as eliminatórias da Euro 2024 para elevar um pouco o moral. Os tropeços contra a Albânia não auxiliaram, assim como o empate contra Moldova no primeiro turno. Mesmo que os tchecos ganhassem a corrida particular com a Polônia, só decidiram a classificação nesta rodada final contra os moldavos. Não existia mais uma satisfação plena com Silhavy.
O saldo rumo à Euro
O grande destaque do trabalho de Silhavy à frente da República Tcheca foi a capacidade coletiva do time. Em seu melhor momento, na Euro 2020, a equipe conseguiu ser muito forte na marcação, veloz nas transições e perigosa nas jogadas ensaiadas. Construiu os resultados lidando com as limitações de seu elenco. E o que deixa dúvidas é se algum sucessor conseguirá promover um salto. Não é que os tchecos vivam seu melhor momento em relação ao material humano, o que explica a queda de desempenho recente.
Há poucos jogadores da República Tcheca em atividade nas principais ligas da Europa. Os destaques ficam ainda com Tomás Soucek e o cortado Vladimir Coufal no West Ham. Há uma nova geração que tenta despontar na Bundesliga, encabeçada pelos atacantes Adam Hlozek (Bayer Leverkusen) e Tomás Cvancara (Borussia Mönchengladbach), assim como outros jogadores pintam em ligas secundárias – Ondrej Lingr (Feyenoord), Michal Sadílek (Twente) e David Jurásek (Benfica). Ainda assim, sequer há um extraclasse por enquanto. O time ainda se vê atrapalhado pela falta de sequência de alguns de seus principais talentos, como Patrik Schick (Bayer Leverkusen).
Assim, ao longo de sua passagem, Silhavy armou a República Tcheca baseando-se bastante nos destaques da liga local. Slavia Praga, Sparta Praga e Viktoria Plzen são importantes na formação do time nos últimos anos, inclusive pelas campanhas de relevo que esses clubes fizeram nas competições continentais. Mas não que os tchecos pareçam tão capazes de bater de frente com adversários mais badalados ou mesmo de se equiparar com outros momentos da história da seleção. Aquela vitória da Holanda talvez tenha elevado demais as expectativas. De certa maneira, a pressão sobre Silhavy o tornou vítima de seu próprio sucesso.