Brasil e Argentina entram em campo nesta quinta-feira (14) para a 11ª rodada das Eliminatórias Sul-Americanas para a Copa do Mundo de 2026 em momentos diferentes em todos os aspectos.
No futebol de seleções…
Ainda que venha de duas vitórias consecutivas no torneio, a seleção brasileira está longe da melhor fase e possui somente 53% de aproveitamento, na quarta colocação.
Os argentinos lideram a competição, além do fato de serem os atuais campeões mundiais e terem conquistado as duas últimas edições da Copa América. A última realizada neste ano e que o Brasil não passou das quartas de final.
Entre os clubes…
Há também uma disparidade entre as equipes brasileiras e argentinas no cenário sul-americano, mas de forma inversa.
Entre os quatro clubes envolvidos nas finais da Libertadores e Sul-Americana (Alético-MG, Botafogo, Cruzeiro e Racing), três são do Brasil e somente um é da Argentina.
A Libertadores, a principal competição entre clubes da América do Sul, terá uma final entre times brasileiros pela quarta vez nas últimas cinco edições do torneio. E desde 2019 o campeonato foi vencido por um clube do Brasil.
A Sul-Americana, por sua vez, ainda que mais democrática, não via argentinos entre os finalistas desde 2020, quando Defensa y Justicia e Colón fizeram a final, com os falcões sendo campeões. O Racing quebrou a sequência chegando à decisão neste ano.
Entre 2021 e 2023, sempre houve um brasileiro envolvido na partida decisiva – isso também acontecerá neste ano, com o Cruzeiro.
No entanto, os dois últimos campeões foram equatorianos: Independiente de Valle (2022, contra o São Paulo) e LDU (2023, contra o Fortaleza).
Inclusive, Marcelo Paz, CEO do Leão do Pici foi quem alertou sobre essa discrepância em entrevista exclusiva concedida à Trivela em setembro.
– Olha o paralelo, os clubes brasileiros cresceram demais nos últimos anos, mas a Seleção Brasileira não cresceu. Na Argentina, a seleção cresceu nos últimos anos e os clubes caíram – apontou Paz, eleito pelo Conafut o melhor dirigente entre os clubes da América do Sul em 2024.
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Para argentinos, ‘seleção à moda Europa’ justifica disparidade com o futebol local
Presente em Buenos Aires entre os dias 28 de outubro e 1º de novembro, a reportagem da Trivela escutou torcedores do River Plate, Lanús e Racing, times envolvidos nas semifinais dos torneios sul-americanos contra equipes brasileiras, sobre a disparidade entre o futebol no Brasil e Argentina.
O tema mais citado foi a presença majoritária de jogadores que atuam no futebol europeu na seleção argentina, que faz com que o campeonato local seja enfraquecido na comparação.
– Eu creio que a seleção da Argentina tem jogadores que jogam na Europa e os times que jogam na América. A preparação é diferente, porque os aspectos são diferentes. Há uma diferença entre os jogadores que jogam na Europa e os que jogam aqui – disse Aldo Hidalgo, torcedor do River Plate.
– Temos os melhores jogadores. Mas esses jogadores saem daqui muito novos. Na nossa seleção os melhores jogadores jogam na Europa e vem jogar aqui depois dos 30 anos. No Brasil, Depay está jogando. Os jogadores mais novos aqui vão mais rapidamente para a Europa – afirmou Davi Blanco, que torce para o Racing.
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Diferenças econômicas entre Brasil e Argentina também pesam
Considerando que internacionalmente as duas seleções possuem a maioria dos seus atletas atuando no futebol europeu, o cenário brasileiro se encontra a frente pelo poderio monetário. Isso porque muitos atletas que se destacam na Argentina acabam se transferindo para o Brasil.
– Creio que o problema é principalmente econômico. Os jogadores vão rapidamente para o exterior e na Europa triunfam, porque obviamente são bons. Os jogadores que atuam na Argentina são muito jovens ou já voltam com muita experiência. A plenitude do melhor momento eles passam na Europa – destacou Mauro Fernández, torcedor do River Plate.
– Há uma questão é que muitos jogadores vão para o Brasil, não voltam, e o dinheiro de vocês é superior ao nosso. Esse é o grande diferencial do futebol brasileiro, tem melhor infraestrutura – pontuou Jorge Benítez, que também torce para o River Plate.
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A questão financeira também passa por uma avaliação profissional, como afirma Luis Chebel, presidente do Lanús.
– O futebol brasileiro é forte, porque se paga muito em direitos de transmissão, porque os ingressos estão em um bom preço e o produto do futebol brasileiro está de acordo com um negócio global. No Brasil, o futebol local tem mais repercussão do que o futebol argentino na Argentina – justificou o presidente.
Diferentemente do Brasil, Argentina tem SAF como algo embrionário
Assim que confirmada que a decisão da Libertadores nesta temporada será entre Atlético-MG e Botafogo, a detentora de transmissão do torneio na Argentina abriu uma discussão sobre o protagonismo brasileiro continentalmente.
Em dado momento, os comentaristas discutiram a competitividade dos clubes brasileiros, mencionando agremiações como Red Bull Bragantino e Bahia, que não estão entre o grupo dos grandes no futebol brasileiro, mas possuem investimento do capital externo recentemente.
No Brasil, a transformação de clubes em Sociedades Anônimas do Futebol (SAF) já entrou na cultura esportiva local.
Inclusive, os dois finalistas da Libertadores estão enquadrados neste perfil.
Além de Galo e Botafogo, também são SAFs times como Cruzeiro e Vasco da Gama, que fazem parte do hall dos grandes.
No entanto, a cultura das sociedades anônimas não é bem vista na Argentina. Lá, os clubes entendem como fundamental a manutenção como associativos até por conta das questões sociais envolvidas.
– Os clubes na Argentina são sociais, civis e sem fins lucrativos. Isso não significa que não somos privados. Somos, somos dos sócios. Os sócios têm direitos e obrigações, assim como dirigentes. Se esse dinheiro do futebol voltar ao clube, que benefício eu tenho? Que benefício social vai querer um empresário?
— Se o fim é lucro, vou querer que chegue o dinheiro. No Brasil até se pode fazer, no Uruguai também, mas na Argentina os clubes têm outras origens. São entidades centenárias, muitas vezes formadas por um grupo de imigrantes que se juntavam em clubes para realizar atividades sociais, culturais e esportivas – apontou Luis Chebel.
O presidente do Lanús também ressaltou que as agremiações esportivas na Argentina são braços do governo local e que isso não aconteceria se as instituições passassem a ter o lucro como finalidade principal.
– Argentina não é o mesmo que outros países da América Latina ou Europa. A Argentina contém muitas questões sociais, que na Noruega ou Dinamarca não faltam por uma questão de Estado. Nós emprestamos as escolas públicas lugares para as crianças praticarem esportes, isso em outros países de primeiro mundo não existe.
— Na Inglaterra, os locais de esporte são melhores do que dos clubes. Na Argentina, se não demos de comer para as crianças que praticam esporte, elas passam fome. São questões que vão além da questão econômica. O negócio do clube é superavitário, mas no clube na totalidade, fazemos parte de um sentimento sem valor determinado – classificou Chebel.
Ainda assim, atualmente o Estudiantes de La Plata possui negociações para um investimento superior a 100 milhões de dólares (R$) através do empresário americano Foster Gillett.
No momento, a regulamentação não permite que o investidor assuma o controle do clube, mas o agente de jogadores e diretor técnico credenciado pela ATFA Fabián Álvarez explicou o projeto em contato com a Trivela em Buenos Aires.
– (As SAFs) não estão tão permitidas abertamente. A SAF na Argentina é muito inferior que no Brasil. Aqui a SAF não está declarada, mas existe encobertamente. Mas o investimento é menor. Estudiantes de La Plata receberá 100 milhões de dólares de capital estrangeiro. A regularização local não permite, mas o presidente do clube permitiu fazer sem declarar. Ele coloca o dinheiro no clube, mas não como uma SAF declarada. Entra como um patrocinador – disse Fabián.
Para Álvarez, é questão de tempo que essa transformação aconteça até mesmo em outras equipes.
– Os clubes daqui estão muito mal. River, Boca e Racing têm bom plantel, o resto não. Por isso eu creio que é uma questão de tempo (para haver a regularização) – comentou Álvarez.