A Dudu restará o campo, soberano sobre egos e bocas
Dudu tem chance de dar reposta ao torcedor em campo, o que vale mais que palavras e bravatas


O futebol é essa reunião de pequenos poderes e quedas de braço, uma disputa de mimos e disparates egocêntricos, uma constante mediação de broncas públicas e tapinhas nas costas no privado, ou o contrário, lindos discursos aos microfones e contrapés nos bastidores.
Nesse bolo de bravatas e intenções mal explicadas estão os jogadores, não vítimas, longe disso, por favor, porque promotores e muito bem remunerados enquanto protagonistas do circo especulativo da vez, então os únicos que no fim das contas importam e recebem a bola, um detalhe importante, afinal.
Porque a Dudu faltou muita coisa, mas restará ainda o campo, esse soberano diante de notícias na internet, declarações na televisão e uma competição de personalidades e frases prontas.
No meio de todo esse turbilhão que o jogador do Palmeiras se meteu por pura e espontânea vontade, haverá a bola de Estevão cruzando a área, a tabela com Veiga, o tapa na medida de Piquerez.
Com todos os percalços para reconquistar seu espaço com a camisa sete, tem um mata-mata de Libertadores, uma fase final de Copa do Brasil e o sonho de um tricampeonato brasileiro para alcançar a idolatria que ameaçou escorregar.
Gosto de separar boleiros de cartolas porque jogadores são para jogar, dirigentes é que têm a responsabilidade da gestão do cuidado.
Goleiros, zagueiros e atacantes se deslumbram, mudam de ideia, são carentes de atenção, jogam com contratos e vínculos perto do fim, especulam, ficam mexidos com propostas financeiras abundantes. Têm toda uma coleção de primos, assessores, empresários e outros penduricalhos lhe importunando numa carreira curtíssima, que a maturidade já se encontra com a reta final.
Vale para Dudu, também para Gabriel Barbosa e Cássio, para toda e qualquer referência que vai forçar e tropeçar aqui e ali, mas reforço a distinção: entorno e clube estão lá exatamente para tratar o andamento da melhor forma, e falham demais, expõem a relação entre torcedor e ídolo a qualquer chance.
Alexandre Mattos, dirigente cruzeirense, trucou, sabe como a banda toca. É o arquiteto do famoso chapéu que levou o próprio Dudu ao Palmeiras num anúncio surpresa num fim de semana em que o atacante já tinha visto de viagem emitido pelo Corinthians há quase uma década. É quem se orgulha de contar causos de convencimento direto, agressivo, irrecusável, mercado da bola afora.
Dessa vez ele roubou de cena um sábado com Dudu no Cruzeiro, só isso. Os empresários do jogador surfam na onda e botam fogo, interesses cruzados de seus clientes e alguma mídia supostamente espontânea — André Cury aproveitou o caso para lembrar quando foi vender Neymar ao Barcelona, porque um carinho no currículo não faz mal para ninguém.
Leila Pereira, presidenta do Palmeiras, viu a bola quicando na área e tocou para dentro numa defesa de seu profissionalismo. Não importa se jogasse seu atleta aos leões e declarasse o fim do ciclo de uma referência em contrato (!). O jogo de palavras também é uma corrida para exibir quem é que manda. Não importa o clichê superficial de que o clube é maior que os jogadores, eles passam e o clube fica, essas frases que de tão ditas se esvaziam sozinhas.
Abel, o técnico cobra criada de vestiário, acolhe na entrevista porque sabe que comprar briga pública com Dudu não lhe interessa em nada. Mas mantém a corda esticada cobrando em meias palavras, porque atacante tem que roubar bola feito Messinho, porque reserva tem que entrar com vontade tipo Fabinho, porque a escalação não é para a torcida, mas sim para ganhar jogos.
Curioso para ver como irá ceder minutos ao seu ex-titular absoluto, que nem por qualidade técnica, nem pelos dez anos de casa, teve algum privilégio ou carinho extra do treinador português, ainda que ele tente nos convencer de algo a mais.
E aqui Dudu escancara um cenário curioso de sua presença como grande nome do elenco palmeirense. Quando Abel achou o rumo de virar mosaico no cruzamento de Rony para Breno Lopes em Maracanã pandêmico, Dudu estava no Catar, num exílio de vida privada em meio à crise conjugal.
Voltou importante nas quatro linhas, muito, jogou demais logo que esbarrou com um mata-mata contra o São Paulo, depois fez o gol contra o Galo, logo convenceu o chefe pela bola e pela responsabilidade que alcança nos dias grandes.
Mas ele, campeão da América com a 43 e depois bicampeão brasileiro com a 7, apesar de grandes lances, nunca mais foi o dono do time dos tempos de Cuca e Felipão, e é claro que sente por isso.

Virou um ótimo ponta, aprendeu a se bastar ali, comprando menos brigas pelo campo, passando longe da tarja de capitão ou das bolas paradas, entendendo que havia uma engrenagem pensada a dedo pelo técnico europeu e que a escalação deixou de ser Dudu e mais dez. Mudou. Havia Abel para mediar, e não ceder, grandeza.
Talvez seja exagero dizer que Dudu passou a ser só mais um, tampouco poderíamos falar que Abel ofereça algum privilégio tático ou de escolha técnica a seu jogador mais talentoso e mais antigo do quadro. Mas esse papel que ele ocupa, a maior história da casa se deparando com uma perda de conforto, faz sentido nesses dias que ele se mostrou disperso junto ao seu tamanho.
Dudu dá de cara com uma postagem de vendido ao Cruzeiro nas redes sociais, num súbito, do nada, como se esquecesse a capacidade daquilo em colocar em cheque suas relações afetivas construídas até então. Tem também uma culpa nossa, de misturar um pouco a bola no campo com uma ideia de referência, idolatria e liderança. É provável que Dudu não exerça o impacto que se projeta pelo fato de ele ser o símbolo da mudança e o tapa de classe desde 2015.
O Palmeiras enfrenta o Bragantino nesta quinta-feira, jogo um depois que Dudu quase saiu, o que não lhe é exclusivo, diga-se, estranho seria se nunca tivesse quase ido embora. Craques e perebas se embananam nos próprios papéis, e agora o risco ao atacante, 32, quase um ano sem jogar por uma séria e inédita lesão grave no joelho, é só a relação entre ele, o campo e a bola.
Eu comecei costurando ali toda uma complexidade do disse-me-disse do futebol, mas eu também mantenho a coerência de cair em contradição, fato consumado da gente que se atreve a conversar sobre o jogo: na verdade, é um troço simples, a bola no retângulo, a faixa no peito, um troféu na estante, e poderão ser felizes para sempre, fazendo a bagunça dos últimos dias virar notinha de rodapé.
A ver se ele dá conta de rearranjar o bololô, e só poderá fazê-lo de chuteiras.