Brasil

‘Enquanto não tiver fair play financeiro, vai ser uma loucura’, dispara diretor do Cruzeiro

Diretor de futebol do Cruzeiro criticou a forma como os clubes brasileiros atuam no mercado de transferência e cobra regulamentação

O período em que a janela de transferências está aberto traz inúmeras reflexões para pessoas ligadas ao futebol, sejam os que estão diretamente inseridos, como diretores e jogadores, ou os que estão de fora, como jornalistas e torcedores. A principal discussão dos últimos anos é a forma como equilibrar gastos e receitas, para que os clubes não gastem mais do que podem, o famoso fair play financeiro. Na Europa, isso já é comum, apesar de muitas vezes ser passado para trás. Com a chegada das SAFs no Brasil, há um coro para essa lei também vir ao país, e o diretor de futebol do Cruzeiro, Pedro Martins, sonha com isso.

O fair play financeiro serve basicamente para tentar evitar que clubes quebram ao gastar mais do que podem, ou, no caso de SAFs e investidores estrangeiros, que não seja derramado um rio de dinheiro “de qualquer jeito” nos clubes em que eles são donos. No Brasil, a discussão é mais recente, mas já rende grandes debates. Nesta janela, com mais clubes tendo multimilionários por trás através da SAF, a coisa esquentou.

Um dos principais responsáveis por inflamar a discussão sobre fair play é o Bahia. Comprado pelo Grupo City, que tem uma rede de clubes pelo mundo, incluindo o Manchester City – que é constantemente investigado por burlar o fair play financeiro -, o Tricolor de Aço está tendo uma atuação muita ativa no mercado após conseguir se salvar do rebaixamento em 2023. O clube tem a ele ligado, nomes de diferentes jogadores todos os dias, e jogadores relevantes, que atraem também o interesse de outros grandes clubes do Brasil e possuem altos salários.

O caso mais famoso até o momento é o de Everton Ribeiro, um dos melhores jogadores do país nos últimos 10 anos. Em fim de contrato com o Flamengo, ele se acertou com o Bahia – mesmo tendo proposta de renovação com o Rubro-Negro -, que prometeu um salário de mais de R$ 1 milhão de reais e até um cargo como embaixador quando se aposentar. Quem estava sonhando com o meia era o Cruzeiro, clube pelo qual ele brilhou em 2013 e 2014. No entanto, a Raposa não teve nem chance de competir com a proposta do Tricolor.

Diante desse cenário, o diretor de futebol cruzeirense, Pedro Martins, falou sobre como o mercado atual está inflacionado e a causa disso ser os clubes que têm SAF multimilionárias por trás e outros que gastam sem precedente, mesmo estando muito endividados, como o caso do Corinthians, que ao mesmo tempo que tem um jogador entrando na justiça cobrando pagamentos, anuncia um pacotão de reforços. Vale destacar que o diretor não citou nomes em sua fala.

– A gente vem falando bastante que, enquanto não tiver fair play financeiro, vai ser uma loucura. Pois os clubes gastam sem necessariamente estarem alinhados a sua capacidade de gerar receita. Tanto associação quanto SAF, se não tiver uma regulamentação, vão gastar mais do que podem, ou podem ter investimento externo, que de qualquer maneira desregula o mercado. Isso faz com que valores exorbitantes aconteçam — criticou Pedro Martins.

Como o Cruzeiro SAF se comporta

Depois de chegar ao fundo do poço com a queda para a segunda divisão e o acréscimo de três anos na Série B justamente por gastar mais do que devia, que é o caso que Pedro Martins critica, o Cruzeiro se tornou uma SAF e foi comprada por Ronaldo Fenômeno, com a promessa de recolocar o clube onde merece. No entanto, diferente de outras SAFs, o ex-astro da Seleção Brasileira sempre deixou claro que a Raposa caminharia aos poucos, sem atropelar o processo com injeção de dinheiro, e isso que está acontecendo, segundo Pedro Martins, que chegou junto com Ronaldo.

– O Cruzeiro não vai entrar nessa linha de trabalho. Acreditamos em eficiência, ou seja, gastar bem para superar nossa capacidade orçamentária. Hoje a gente tem o 13°/14° orçamento do Brasileiro e a nossa meta é muito maior, pois a gente acredita na capacidade de trabalho e não na de gastar dinheiro. Tem clube que acredita em gastar dinheiro e ver como vai ser depois. A gente não sabe fazer isso — disse o diretor.

Segundo Pedro Martins, o Cruzeiro tem um plano de projeção orçamentária até 2030, que vai aumentando com o passar dos anos e as metas atingidas. Dessa forma, o clube espera, organicamente, sem injeção de dinheiro, chegar no patamar de um dos principais clubes do Brasil no aspecto orçamentário.

As polêmicas do fair play financeiro

O fair play financeiro é muito discutido no Brasil quando o assunto é Flamengo, por exemplo. O clube carioca é, de longe, o que mais investe no Brasil, gastando milhões e milhões, como por exemplo ao pagar R$ 80 milhões para tirar De La Cruz do River Plate. Diante disso, vários torcedores falam em acionar a prática para coibir o Rubro-Negro. No entanto, o que eles não sabem é que o fair play financeiro pouco afetaria o time do técnico Tite, já que a lei prevê gastos dentro do padrão de receitas, e o Fla é um time que bate mais de R$ 1 bilhão de receitas no ano. Ou seja, mesmo com a lei, ele estaria apto a fazer as negociações que faz atualmente.

O fair play financeiro, por exemplo, poderia afetar o já citado Bahia, que está gastando muito graças a injeção de dinheiro do Grupo City. Como o orçamento do clube para 2024 ainda não foi divulgado, não se sabe se ele poderia estar ou não dentro da lei. O que importa é que, até o momento, isso não é um problema legal, então o Tricolor de Aço pode seguir com a sua posição agressiva no mercado.

Outro clube que, apesar de arrecadar quase R$ 1 bilhão, poderia ser afetado é o Corinthians, que tem sofrido financeiramente e segue investindo. O mesmo vale para o Atlético-MG, que tinha uma dívida de R$ 1 bilhão em 2020, mas recebeu investimentos de mecenas e se tornou potência nacional. Hoje, esses mesmos mecenas compraram a SAF do clube e prometem pagar a dívida (que já ultrapassa R$ 2 bilhões), mas seguem também investindo, como a contratação de Scarpa. Apesar desse cenário todo, o Galo hoje, como SAF, tem a promessa de trabalhar dentro do seu orçamento, assim como o Cruzeiro.

Reparação histórica?

Dentro do caso do Bahia, por exemplo, há muitos torcedores que veem essa nova etapa do time, batendo de frente e tirando jogadores dos times dos grandes centros, como uma “reparação histórica”. Entre os comentários de críticas a injeção de dinheiro do Grupo City nas redes sociais, há sempre os torcedores do Tricolor de Aço defendendo que eles estão apenas recuperando o tempo em que foram “escanteados” no futebol brasileiro, já que, segundo eles, o nordeste sempre teve menos atenção midiática do que o sudeste, por exemplo.

Essa, no entanto, é pauta de uma outra discussão, que necessitaria de uma longa pesquisa de dados para confirmar (ou não) que o nordeste foi “escanteado” midiaticamente no futebol. Se confirmado, levaria ainda a uma nova discussão, que é se a forma certa de reparar essa história é com um super investimento como o do Bahia.

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Alecsander HeinrickSetorista

Jornalista pela PUC-MG, passou por Esporte News Mundo e Hoje em Dia, antes de chegar a Trivela. Cobriu Copa do Mundo e está na cobertura do Atlético-MG desde 2020.
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Maic CostaSetorista

Maic Costa é mineiro, formado em Jornalismo na UFOP, em 2019. Passou por Estado de Minas, No Ataque, Superesportes, Esporte News Mundo, Food Service News e Mais Minas, antes de se tornar setorista do Cruzeiro na Trivela.
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