Endrick, aleluia!, mostra que finalmente Seleção está mirando 2026 e o futuro
Endrick é convocado para a Seleção e, por mais que lesões de veteranos contem, Diniz dá um sopro de esperança para o futuro
A temporada da Seleção começou com Vitor Roque na reserva de Rony. Passou por cinco titulares de Richarlison, que disse que a camisa 9 era dele e passou longe do gol. Terminou, ou quase isso, com Gabriel Jesus, duas Copas do Mundo no mínimo constestáveis, sendo uma grande velha novidade diante do Uruguai. É neste cenário que a convocação de Endrick, o menino-prodígio do Palmeiras, surge como símbolo, finalmente, do lançamento de uma seleção brasileira versão 2026, apontando, na última lista do ano, para o talento e para o futuro.
Uma Seleção inexperiente, mas que olha para o futuro
A oportunidade ao menino de 17 anos — e lá se vão três décadas que a camisa do Brasil não estreia um menor de idade, desde Ronaldo em 1993 — casa com as ausências de Danilo, Casemiro e Neymar, lesionados. Isso torna esse elenco chamado por Fernando Diniz inevitavelmente menos experiente que os anteriores com as faltas de três nomes que não só costumam ser titulares como foram colocados, desde o início, como pilares do vestiário para esse novo momento.
Não serão só as ausências de Neymar, Danilo e Casemiro, afinal. Richarlison está fora do grupo depois da queda de rendimento, mesmo saindo jogando no último par de jogos sob o comando de Diniz. Soma-se também a nova retirada de Paquetá, outro titular no Catar que está afastado por conta da investigação diante da hipótese de envolvimento com apostas esportivas, e a recuperação da lesão de Gabriel Jesus. O próprio treinador admitiu que o atacante do Arsenal pode não estar em plenas condições para enfrentar a Colômbia em dez dias. Aí surgem brechas para Endrick — e não só ele.
Abre-se espaço – um tanto pela convicção de Diniz, um tanto pelos eventos que o impedem de ter mais gente dos últimos ciclos — a André, 22 anos, quem sabe titular, à estreia de opções como João Pedro, 22, e Paulinho, 23. Mais que isso, abre-se espaço a forjar novos protagonismos sem o amparo das velhas figuras. Por exemplo com Rodrygo, 22, jogando por dentro, de ponta-de-lança e com a demanda de ser a referência, sem ter um Neymar, ídolo e ponto de apoio, para carimbar cada bola ao seu lado; e o próprio Vinicius Jr, 23, que ainda não alcançou (faz parte e está em tempo) o destaque que tem no Real Madrid.
A ascenção de Endrick à Seleção: nada mais justo
Endrick precisou de menos de um mês como titular do Palmeiras para confirmar a impressão de Diniz que, como dito na convocação, viu o garoto jogando contra grandes times do Brasil e conseguindo se sobressair. Reserva na eliminação da Libertadores para o Boca Juniors, ele finalmente teve uma sequência de início no Campeonato Brasileiro nos seis jogos seguintes à frustração, quando o time enfileirou cinco vitórias. Jogou bem contra Atlético-MG e São Paulo, inventou a virada histórica na visita ao Botafogo e cavou para o gol da vitória sobre o Athletico-PR.
O jogo do Nilton Santos falaria por si só. O camisa 9 primeiro costurou sozinho para invadir a área e vencer a melhor defesa do Campeonato Brasileiro, depois preparou o chute como poucos para marcar mais um. Ainda foi buscar na ponta-direita para cruzar a bola que renderia o empate. Se Ronaldo tem o jogo dos cinco gols no Bahia de Rodolfo Rodríguez há exatamente três décadas, num começo de novembro lá em 1993, Endrick terá seu 4 a 3 no Botafogo como cartão de visitas para abrir seus melhores momentos como profissional. E furacões, tal qual o jovem Fenômeno lá atrás, precisam furar a fila da Seleção o quanto antes. Arrastou o Rio de Janeiro de verde-limão e foi parar em Barranquilla, de amarelo.
De Ronaldo a Endrick, os tempos mudaram, mas talento é sempre talento
Eram outros tempos. Há 30 anos, o jovem Ronaldo do Cruzeiro não atuava já vendido para um gigante europeu, mas firmou uma lista impressionante de gols naquele segundo semestre. Logo após fazer 17 anos, em setembro, desandou a marcar por Brasileiro e Supercopa da Libertadores. Foi às redes 18 vezes só ali em outubro e novembro. Quando virou o ano, Carlos Alberto Parreira o chamou para o amistoso contra a Argentina, em abril de 1994, e ele entrou no segundo tempo na vaga de Bebeto.
Não havia mais dúvida.
Foi à Copa do Mundo de 1994 deixando para trás vários convocados da época, como Palhinha, Rivaldo, Renato Gaúcho, Edmundo, Evair, Edílson, Túlio, Luís Henrique, Valdeir. O futuro deu razão, e não sem questionamentos: havia quem na cobertura daquela Copa perguntasse o porquê daquele garoto estar ali, sendo que parecia tão fora dos planos da comissão técnica, soando tão abaixo do peso de um país em fila de 24 anos. Foi campeão no banco e só cresceu.
Entre momento e hierarquia, cabe ao técnico dar o melhor destino à Seleção
Por muitos anos ouviu-se um mantra de que a seleção brasileira era “momento”, independentemente de que tamanho tem esse momento, se um mês, se um campeonato, se uma temporada. Depois, e isso se intensificou com o bom trabalho de Tite, a ideia predominante passou a ser de que o técnico nacional tem a demanda de montar um time e tentar aproximar aquela reunião efêmera de algo parecido com uma equipe que treina diariamente.
É natural que haja ruídos e dúvidas nessa relação, ora parecendo que jogadores de Copas anteriores precisam dar espaço para outros; ora acreditando que existe uma hierarquia, uma espinha montada ou qualidade pelo caminho ainda a ser utilizada e respeitada.
Há também um certo delay que acompanha as listas da amarelinha. Muitas vezes o calendário da seleção não dá conta de acompanhar o calendário dos clubes, e grandes momentos de ótimos jogadores são pouco aproveitados pelos selecionadores. São processos que se atravessam, que se confundem e até que muitas vezes se contrapõe. Sempre parece que alguém está sendo chamado atrasado, ou que passou do ponto, ou que já vai tarde.
O trabalho do treinador é mediar tudo isso, a necessidade de um resultado para agora e de uma semente para o futuro, a reunião entre novatos e mais rodados, entre o frescor e a consistência, a projeção de uma Copa do Mundo em dois anos em tempo de Brasil e Argentina em duas semanas, uma visita dos campeões do mundo no Maracanã assim, no meio do caminho. Não é simples nem dogmático, é caso a caso, no risco e na sensibilidade da hora.
No meio disso tudo, pelo viés que for, Endrick é uma grande notícia.