Poupar ou não poupar? Eis a questão
Flamenguistas estão pistolas com Tite por ter poupado o time na Libertadores. É para tanto? Dos dois lados?
Ao abrir mão de usar sete jogadores importantes para o Flamengo no jogo em que o time perdeu por 2 a 1 para o Bolívar, pela Libertadores, o técnico Tite despertou a ira de parte da torcida rubro-negra.
Após o jogo, ao responder uma pergunta sobre o tema, Tite usou o argumento da ciência, das informações que os fisiologistas, preparadores físicos e médicos disponibilizam para a comissão técnica de um time de futebol. Foi um debate interessante.
Na cabeça de uma parcela ainda grande de torcedores e jornalistas, persiste a ideia de um futebol que alguns teimam em chamar de raiz. Os adeptos dessa linha chamam de frescura qualquer reclamação de cansaço e entendem que o jogador tem que ir a campo sempre que estiver sem uma lesão detectada, porque o time precisa dele.
Respeito profundamente o trabalho científico que existe no esporte profissional.
Também entendo o lado do torcedor.
Muitas vezes o que pega é o momento escolhido para que jogadores sejam poupados e como isso é feito.
Por exemplo, quando um treinador decide mandar a campo um time reserva, hoje chamado pomposamente de alternativo, ele adota uma postura drástica, que desfigura a equipe e pode gerar uma enorme vantagem para o adversário. A lógica também vale quando são poupados seis, sete atletas. É uma equipe nova que vai a campo.
Poucos torcedores e analistas sabem de verdade o que acontece em um time profissional de futebol. A quantidade de trabalho e profissionais dedicados à busca pelo melhor desempenho possível. Alguns desconhecem por completo ou não consideram importantes detalhes fundamentais para a vida de um atleta profissional de alto rendimento, como alimentação e descanso adequados e tempo de recuperação.
Quando aparece na fórmula um jogo disputado a quase quatro mil metros de altitude, surgem elementos que interferem na preparação, no rendimento e na recuperação que não são comuns no dia-a-dia ao nível do mar.
Movido a paixão, um tipo mais radical de torcedor acha que porque o cara ganha bem, viaja em avião fretado e dorme em hotel cinco estrelas, ele tem que ser levado ao extremo de sua capacidade para representar o sentimento da arquibancada em campo.
Atualmente, a tecnologia permite que profissionais de fisiologia, preparação física e medicina esportiva tenham dados em tempo real do que está acontecendo com o corpo de um atleta. É possível saber quem está correndo mais, quem se desgasta mais para correr, quem está desidratado e aqueles que correm mais riscos de lesões em virtude do desgaste.
O que mais preocupa é a lesão muscular, em seus diversos graus. Uma pancada ou uma torção podem causar mais impacto visual, mas uma lesão muscular grave é o pesadelo de muitos atletas. Além das temíveis rupturas de ligamento – que em algumas situações podem, sim, estar mais próximas por desgaste extremo ou falta de carga correta de preparação.
No caso do Flamengo, o que revoltou uma parcela dos torcedores e dos colegas que se dedicam 24 horas a acompanhar o clube, foi a sequência de jogos em que o clube preservou atletas importantes: Palmeiras, fora, e Bolívar, no alto da montanha.
Parece-me que o Flamengo está agindo de forma acertada, embora sempre exista algum risco envolvido. A classificação na Libertadores é bastante provável. Os dois desafios mais difíceis em termos de logística e altitude já foram cumpridos, os jogos fora em Bogotá e La Paz. Agora, Tite pode usar sua força máxima para jogar duas vezes no Maracanã no returno da fase de grupos. O Brasileirão está no começo, e empatar fora de casa com o Palmeiras é bom resultado, se analisarmos a tabela como um todo.
Claro que existe o imprevisível. Nada no esporte funciona como uma equação perfeita. O Flamengo pode perder em casa para Millionários e Bolívar. Nenhuma vitória, por mais provável que seja, está assegurada. Esse raciocínio vale, também, para lesões. Um atleta poupado de um jogo pode se lesionar num treinamento. E aí, como fica?
Exagero torna questão ainda mais delicada
De minha parte, o que mais incomoda na questão do poupar ou não poupar é o exagero. Considero frustrante quando um clube importante manda a campo um time inteiro de reservas ou com 80% de atletas da segunda equipe. Perde o espetáculo, perde a competição e acontece um desequilíbrio de forças. Mas eu não vivo do resultado, não dependo dele para continuar ou não em minha atividade. Se um time ganha ou perde, nada muda em meu trabalho. Por isso entendo que deva ser muito difícil tomar esse tipo de decisão.
Tite tem uma comissão técnica de alto nível, mas lida com a pressão constante da maior torcida do País, cujo sentimento muitas vezes é manipulado por vozes que ecoam poderosamente junto a essa comunidade. Essa turma está de calculadora na mão, esperando os próximos resultados, principalmente na Libertadores, para cobrar as decisões de Tite.
Caso um jogador se machuque por excesso de jogos, alguns reclamarão por ele não ter sido poupado. Se o time for eliminado porque poupou atletas, as críticas virão por esse lado.