Argentina

Cuca estica a corda mais uma vez, e agora se coloca à disposição de outro clube

Em entrevista à rádio argentina, Cuca relembrou contato do Boca Juniors em 2022 e tentou cavar uma vaga no clube xeneize

O técnico Cuca está sem clube desde que deixou o Corinthians em abril após muitos protestos feitos pela torcida e uma pressão que aumentou com a cobertura na imprensa do caso do estupro de uma menina de 13 anos em Berna, em 1987. Condenado pela Justiça suíça em 1989, o treinador nunca cumpriu pena e deu a entender que cogitava a aposentadoria em sua última coletiva à frente do Alvinegro. Menos de sete meses depois, no entanto, ele ‘esticou a corda' mais uma vez e tentou cavar uma vaga em outro gigante da América do Sul.

Em entrevista à Rádio DSports, da Argentina, Cuca se colocou à disposição do Boca Juniors, atual vice-campeão da Libertadores e que está sem técnico desde que Jorge Almirón pediu demissão, um dia depois da derrota por 2 a 1 para o Fluminense no Maracanã. O comandante brasileiro recebeu um contato do time xeneize em julho de 2022, mas na época recusou dizendo que só iria trabalhar após a Copa do Mundo do Catar, que ocorreu no final daquele ano. Dias depois, ele retornou ao Atlético-MG, com quem conquistou o Campeonato Brasileiro e a Copa do Brasil em 2021.

— Meu nome foi comentado no ano passado. O técnico brasileiro que sai para trabalhar representa todos eles, tem que fazer um ótimo trabalho. Como treinador e amante do futebol, adoraria ir ao Boca, um dos maiores times do futebol mundial, mas vamos deixar nas mãos de Deus — disse à Rádio DSports antes de rasgar mais elogios ao futebol hermano.

— O Boca sempre tem um time muito competitivo, que luta por todas as bolas . Ultimamente o estilo do Boca e do River está diferente. O River joga mais bola e o Boca tem mais luta e dedicação. Quando joguei pelo Santos contra o Boca, felizmente a La Bombonera estava vazia por causa da pandemia. Teria sido um jogo muito difícil — completou.

Tentativa de fugir da pressão brasileira?

A fala de Cuca neste momento parece indicar que o treinador procurará clubes estrangeiros de ponta para se manter na elite do futebol sul-americano. Ao menos no Brasil, não parece que ele escapará das cobranças por ter sido condenado por atentado ao pudor com uso de violência — e nunca ter cumprido a pena de 15 meses de prisão. Por mais que ele tenha treinado grandes clubes décadas após o caso em Berna, obtendo bastante sucesso esportivo, o técnico gaúcho viu a pressão aumentar nos últimos anos com a combinação do momento que vivemos, um jornalismo menos conivente que em 1987 e que apurou mais fundo a condenação e, por fim, as oportunidades desperdiçadas de se provar inocente, contrastando com seus discursos.

A partir do caso Robinho, em 2020, Cuca passou a sofrer uma pressão muito maior do que em qualquer outro momento de sua carreira como técnico. A sua contratação pelo Santos, ainda naquele ano, já tinha gerado insatisfação. Em 2021, os protestos aumentaram e foram mais fortes com o anúncio de seu retorno ao Atlético-MG. Em ambos os casos, o desagrado pelo triste episódio há quatro décadas ficou em segundo plano com o bom desempenho das equipes dentro de campo.

Talvez ele pensava que o mesmo aconteceria no Corinthians, mas Cuca nem teve tempo de tentar livrar sua barra com um possível bom trabalho. A contratação já soou como um desrespeito a parte da torcida e gerou uma óbvia reação negativa. Afinal, o clube do Parque São Jorge tem histórico de posicionamentos sociais e se consagrou recentemente com campanhas de apoio às mulheres, não só ao futebol feminino. Pressionado desde sua apresentação, durou apenas uma semana e dois jogos no cargo.

Desde o início de sua curta passagem pelo Corinthians, Cuca se diz inocente. Chegou a afirmar que não tinha que pedir desculpas, dizendo que não fez nada de errado e que não tocou na vítima. A versão foi rapidamente desmentida por uma excelente matéria de Adriano Wilkson no Uol, em que o advogado da vítima de estupro em Berna diz que ela reconheceu sim Cuca como um dos abusadores. Ele ainda confirmou algo que foi encontrado sêmen do treinador no corpo da vítima, informação divulgada pelo jornal Der Bund, de Berna, em 1989 e trazida à tona recentemente pelo site Meu Timão.

Ao deixar o Corinthians, Cuca talvez tenha percebido que a realidade de 2023 é bem diferente da que viveu de 1989 até 2020. Em sua última entrevista coletiva no comando da equipe, após a classificação nos pênaltis sobre o Remo para as oitavas de final da Copa do Brasil, o técnico disse que sua saída foi “um pedido da família” e que, aos 60 anos, começava a colocar na balança “o que vale e o que não vale a pena na vida”.

Outra dica de que o treinador provavelmente não deseja mais trabalhar no futebol brasileiro e lidar com sua condenação foi a recusa feita ao Botafogo há pouco mais de dez dias. A assessoria de Cuca foi quem anunciou a procura da equipe carioca após a derrota por 4 a 3 para o Grêmio e a decisão do técnico em não aceitar, alegando que ele está “focado em resolver seus problemas pessoais”. A SAF do Alvinegro, por outro lado, alegou que o contato foi feito pelo clube social.

Nem no Boca se escapa de condenações

Ao se colocar à disposição do Boca Juniors, Cuca dá a entender que acredita em uma pressão pelo crime que foi condenado em 1989. Mas, se o técnico acha que sua vida será tranquila em Buenos Aires caso consiga mesmo cavar uma vaga no clube xeneize, este será outro ledo engano.

No início de junho deste ano, o atacante Sebastián Villa foi afastado pelo Boca Juniors ao ser condenado a dois anos e um mês de prisão por ter agredido a então namorada em abril de 2020. Com isso, o colombiano não entrou mais em campo pela equipe e se transferiu para o Beroe, da Bulgária.

O caso de Villa é obviamente diferente do de Cuca. Em abril de 2020, a então namorada do atacante publicou vídeos e fotos das agressões nas redes sociais, revelando não ter sido a primeira vez que foi violentada pelo jogador. É verdade que o colombiano jogou normalmente pelo Boca de lá para cá, mas os xeneizes eventualmente sucumbiram à pressão com a condenação do atleta.

Caso realmente fosse escolhido para substituir Jorge Almirón, Cuca não passaria ileso e seria pressionado por torcedores e imprensa. Talvez o barulho fosse menor que no Brasil, até por ser uma figura nova no noticiário argentino, mas eventualmente o assunto viria à tona mais uma vez para a insatisfação do treinador. Em 2023, vai ser difícil encontrar um time de elite que queira ser comandado por um condenado por atentado ao pudor com uso de violência e que nunca cumpriu seus 15 meses de pena. Se deseja sair dos holofotes e não ser pressionado pelo que aconteceu no passado, o melhor caminho parece ser desistir de esticar a corda.

Foto de Felipe Novis

Felipe Novis

Felipe Novis nasceu em São Paulo (SP) e cursa jornalismo na Faculdade Cásper Líbero. Antes de escrever para a Trivela, passou pela Gazeta Esportiva.
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