Premier League

Sete motivos que explicam o excelente começo de Premier League do Aston Villa

Unai Emery é o catalizador de tudo, mas também há um bom mercado, jogadores recuperados e um brasileiro em velocidade de cruzeiro

Após 12 rodadas, aproximadamente um terço do campeonato, a Premier League tem um pelotão de frente: três pontos separam a primeira da quinta posição, com uma quebra para o sexto colocado. Os três primeiros eram esperados. Manchester City e Arsenal disputaram o título na última temporada, e o Liverpool precisou apenas se recuperar de mais de um daqueles anos acidentados. O Tottenham é uma pequena surpresa porque perdeu Harry Kane e começou a implementar uma nova filosofia com Ange Postecoglou. Mas ainda é afiliado ao famoso grupo Big Six.

O intruso, entre aspas, porque se trata de um campeão europeu, é o Aston Villa. O que também não chega a ser uma enorme novidade porque o time de Birmingham tem um dos melhores aproveitamentos da Inglaterra desde que contratou Unai Emery. A recuperação foi suficiente para o sétimo lugar e vaga na Conference League. E agora, tentará buscar mais. Talvez Champions League. Talvez brigar pelo caneco. A seguir, listamos sete motivos que explicam como chegou a esta posição e que também sugerem que pode ir além – ou pelo menos mantê-la.

Um trunfo no banco de reservas

Existe uma versão deste texto que é apenas um frase: o Aston Villa tem um dos melhores técnicos do mundo. Essa informação não é tão amplamente difundida porque Unai Emery bateu com a cabeça no teto quando deu o salto para ambições maiores. Consequentemente, não foi bem quando havia mais holofotes, domando estrelas no Paris Saint-Germain e sucedendo Arsène Wenger no Arsenal. A ponderação é que eram clubes em momentos conturbados. Ricos, mas que não ofereciam as melhores condições de trabalho. O PSG meio que continua assim.

Emery fez o que muitos profissionais na sua posição às vezes resistem: deu um passo atrás para tentar dar dois à frente. Retornou à Espanha e conseguiu ser campeão da Liga Europa com o Villarreal, além de chegar à semifinal da Champions League. Reconfirmou suas credenciais, e chegou a chance de reconstruir sua imagem na liga mais rica do mundo. Não mais em um dos clubes do grupo de elite, mas ainda em um com história, recursos, torcida, camisa e ambições.

Foi um grande pulo do gato do Aston Villa, que gastou relativamente bastante desde que subiu, em 2019, e não conseguia se livrar da parte de baixo da tabela. Chegou a sofrer risco de rebaixamento. Dean Smith nunca pareceu qualificado o bastante para o que o campeão europeu aspirava, e Steven Gerrard foi uma grande decepção, após um começo promissor. Emery completou um ano de Aston Villa no começo de novembro. Tempo suficiente para uma pequena revolução.

As histórias não demoraram para aparecer, com elogios de muitos jogadores (o que nem sempre quer dizer muita coisa: ninguém xinga o novo chefe) e seus métodos de trabalho. Nada novo para quem acompanhou a carreira de Emery. As jornadas são longas, às vezes chegando perto da meia-noite, embora nesta temporada tenha diminuído para um expediente mais light das 7h às 19h. Análises muito detalhadas das partidas e instruções específicas. Ollie Watkins resumiu bem: “Ele nos diz como jogar, onde se posicionar e como tirar o melhor do seu jogo”.

A tática que ele desenvolveu é um híbrido de 4-3-3 com 4-4-2. Matty Cash e Lucas Digne são dois laterais que marcam e têm chegada à frente. Ezri Konsa e Pau Torres estão ganhando mais entrosamento como dupla de zaga. Na cabeça da área, Emery adota o duplo pivote – dois volantes. Douglas Luiz com funções mais ofensivas e responsabilidade de marcar gols, ancorado por Boubacar Kamara. Embora tenha experimentado com três zagueiros em duas rodadas (Burnley e Liverpool), essa costuma ser a espinha dorsal.

A chave do esquema tático de Emery é John McGinn. Com a bola, ele entra por dentro e funciona como um meia box-to-box, aquele que joga entre as duas áreas e aparece como elemento surpresa para finalizar ou criar. Sem ela, fecha pela direita em um 4-4-2. Isso fornece equilíbrio para os três jogadores mais ofensivos, com Nicolò Zaniolo pela esquerda, e Moussa Diaby livre para ser mais um segundo atacante do que um ponta propriamente dito, com Ollie Watkins no comando de ataque.

E ele não tem receio de cobrar quem faz coisa errada. O único momento de baixa até agora foram três derrotas consecutivas em fevereiro. A última foi para o Arsenal, por 4 a 2, com dois gols nos acréscimos. Após essa partida, segundo o The Athletic, Emery estava furioso nos vestiários. Deu bronca principalmente em Emiliano Martínez, além de outros que foram imprudentes com a posse de bola. Depois, em uma análise pós-partida, exibiu cada momento em que os seus jogadores se livraram da bola com passes longos. A orientação foi ter mais cautela, buscar passes curtos e manter a posse de bola.

E deu certo.

A mentalidade

Aston Villa cometeu o crime em Stamford Bridge e o Chelsea perdeu mais uma na Premier League
Aston Villa contra o Chelsea (Foto: Icon Sport)

Integrante do segundo pelotão da Premier League, o Villa tem bastante dinheiro em comparação com as outras principais ligas da Europa. Mas não pode prometer futebol europeu com regularidade ou briga por títulos. Nem todos os jogadores que contrata sabem o que é preciso fazer para atingir o aproveitamento de um terceiro, quarto ou quinto colocado do Campeonato Inglês. Emery sabe e está batendo bastante na tecla da consistência, como no domingo, após bater o Fulham por 3 a 1.

– Cada partida está nos dando muitas informações. Por exemplo, na quinta-feira, quando estávamos perdendo no segundo tempo, nos recuperamos. O resultado foi fantástico porque tivemos experiências para acrescentar aos nossos jogadores. E a ideia é manter a mesma estrutura e a mesma mentalidade após conceder um gol. E hoje foi a mesma coisa. Depois do gol (do Fulham, aos 25m minutos do segundo tempo), estávamos ganhando por 3 a 1, mas reagimos bem, tentando novamente manter controle do jogo. E fizemos isso.

– Essa é a mentalidade. Quando estamos bem, quando não estamos ou quando estamos com problemas, sempre tentar manter o equilíbrio, sempre tentar controlar nossas mentes, nos manter concentrados em nosso plano de jogo e esse é o processo. Claro, ser consistente é a coisa mais importante quando você está tentando construir um time e uma estrutura forte e uma mentalidade forte.

– Podemos manter a posição em que estamos agora, mas acho que será muito difícil e acho que cada partida será um desafio. Estamos no top cinco e acho que é o momento de aproveitar e ficar feliz. Vamos analisar profundamente, mesmo agora vencendo, como podemos melhorar e como conseguimos continuar sendo consistentes – completou.

Ser consistente não significa ganhar todos os jogos. O Aston Villa teve tropeços pesados nesta temporada, como a goleada do Newcastle, a derrota por 3 a 0 para o Liverpool e a eliminação para o Everton na Copa da Liga Inglesa. Mas depois dessa última, por exemplo, fez 6 a 1 sobre o Brighton. É esse o tipo de mentalidade que um clube que quer brigar por coisas de verdade precisa ter.

A explosão de Douglas Luiz

Douglas Luiz, do Aston Villa (Foto: PA Images/Icon Sport)

Algumas estatísticas são mais ilustrativas do que definitivas. Como esta de Douglas Luiz: ele é o único jogador da história do Aston Villa que participou diretamente de um gol, marcando-o ou dando assistência, em sete partidas consecutivas de Premier League em casa. É um recorte bem específico, mas mostra o quanto o volante brasileiro, que não conseguiu licença de trabalho para defender o Manchester City quando foi contratado do Vasco, se tornou importante.

Potencial sempre teve e o demonstrou em campos europeus pelo Girona, um dos clubes do Grupo City. O Aston Villa conseguiu contratá-lo aceitando uma cláusula de recompra que permitia que o Manchester City o levasse por £ 30 milhões. Durante dois anos, poderia de repente receber uma ligação do melhor técnico do mundo. Ela expirou em 2021, sem ser acionada, e olha que esse foi um período em que havia espaço para um volante no elenco do City, entre o ocaso de Fernandinho e a adaptação de Rodri. Mas embora desse sinais, Luiz ainda não era o jogador que se tornou.

Ele explodiu de verdade sob o comando de Unai Emery. Passa sustentação ao meio-campo ao lado de Kamara, mas com funções de criação. É o termômetro: o jogador que mais toca na bola, mais dá passes. Tornou-se um especialista em bola parada, seja em escanteios (às vezes tentando, e conseguindo, gols olímpicos), faltas ou pênaltis. Ganhou a tarefa do técnico espanhol de tentar marcar mais gols. Fez cinco e deu uma assistência em 12 rodadas da Premier League.

Quer outra estatística? Essa, sim, definitiva? É o único jogador do Villa que foi titular em todas as partidas do Campeonato Inglês desde que Emery assumiu no começo de novembro do ano passado.

Outros jogadores recuperados

John McGinn, do Aston Villa (Foto: Susa/Icon Sport)

O Aston Villa subiu em 2019 e, antes do começo da atual temporada, havia investido € 300 milhões líquidos (subtraindo as vendas das compras) em reforços. O sétimo que mais gastou na Premier League. Claro que nesse processo trouxe alguns jogadores de qualidade (como Douglas Luiz), que não conseguiram estourar, seja por lesões ou por não serem potencializados pelos trabalhos anteriores. Agora, dentro de um sistema melhor, estão começando a se recuperar.

O problema de Boubacar Kamara foi mais físico. Chegou do Olympique de Marseille no começo da última temporada, sem taxa de transferências. Parecia uma enorme barganha pelo potencial que exibia. Está provando ser mesmo após um ano complicado. Teve lesão ligamentar no joelho em setembro e retornou apenas em novembro, pouco antes da pausa da Copa do Mundo. Quando estava pegando ritmo, machucou o tornozelo. Agora, ajuda a carregar o piano no meio-campo ao lado de Luiz.

Embora tenha recebido a braçadeira de capitão de Steven Gerrard, John McGinn teve uma oscilação de desempenho nos meses que antecederam a demissão do ídolo do Liverpool. Os técnicos interinos Aaron Danks e Neil Cutler o colocaram no banco de reservas, no que o escocês descreveu como “as semanas mais difíceis” da sua carreira como jogador. Um pouco dramático porque foram apenas dois jogos. Mas ele acrescentou que “as pessoas diziam que eu não era bom o suficiente para o Villa”. O que era um absurdo. McGinn sempre foi um dos jogadores mais regulares.

Aliás, quando chegou, Emery conversou com McGinn, sobre sua posição preferida e, traumatizado, ele respondeu: “Qualquer uma menos o banco”. Bem longe do banco, o incansável McGinn cresceu de rendimento e sua versatilidade permite que o técnico varie entre formações durante a partida.

Talvez a recuperação mais notável é de Leon Bailey. Parecia um jogador de primeira linha no Bayer Leverkusen e foi contratado como candidato a sucessor de Jack Grealish. O começo foi um desastre. Fez sete jogos como titular na Premier League 2021/22, marcou um gol e sofreu com problemas físicos. Melhorou na última campanha, pelo menos conseguindo ficar em campo, e agora é uma espécie de 12º jogador. Ainda é reserva. Começou apenas duas rodadas da liga. Mas contribuiu com três gols e três assistências, os mesmos números que colecionou na Liga Europa.

Um centroavante competente

Watkins, do Aston Villa (Foto: Spi/Icon Sport)

Não é fácil encontrar um centroavante que marca regularmente na Premier League. O West Ham procura um há mais de dez anos. O Wolverhampton chegou a encontrar dois e, depois, mais nenhum. E o problema não se limita ao meio da tabela – pergunte ao Chelsea. Jogadores como Callum Wilson ou Chris Wood, que conseguiram consistentemente colocar uma bola nas redes a cada três rodadas, são commodities valiosas para os clubes modestos. Um como Ivan Toney é um luxo. E o Aston Villa conseguiu desenvolver um desses.

Ollie Watkins sempre entregou desde que chegou do Brentford em 2020. Marcou 14 gols pela liga no primeiro ano e 11 no segundo. Mas o pico de rendimento desde a chegada de Emery é impressionante até porque não se limita a gols. Ele marcou 19 com o espanhol, mas também deu nove assistências. Até 30 de outubro, segundo um levantamento do The Athletic, essa participação direta de 27 gols na Premier League era superada apenas por Erling Haaland e Mohamed Salah.

Também um luxo que, além da contribuição em si, permitiu que o Aston Villa não gastasse os tubos em busca de um goleador – centroavantes costumam ser caros – e focasse em outras posições.

Um bom mercado

Pau Torres é anunciado pelo Aston Villa (divulgação)

O poder financeiro da Premier League permite que clubes fora da órbita do Big Six, ou da Arábia Saudita, façam contratações de altíssimo nível. Mas não seria a primeira vez que um mercado promissor gera mais frustrações do que alegrias. O veredito das compras do Aston Villa por enquanto é apenas bom. Dois dos nomes mais famosos ainda não explodiram. Youri Tielemans foi outra barganha, como Kamara, contratado do Leicester sem taxa de transferência. Ainda é reserva e está se adaptando a atuar em uma posição mais avançada. Zaniolo joga regularmente, mas ainda não mostrou todo o talento que o fez ser uma das grandes promessas do futebol italiano.

Mas isso não está sendo um problema, e os outros dois reforços parecem certeiros. Moussa Diaby, outro ponta que brilhou pelo Bayer Leverkusen, marcou três vezes e deu três assistências. Complementa Ollie Watkins, com o qual está começando a formar uma dupla letal, e permite que Emery varie do 4-3-3 para o 4-4-2. Pau Torres poderia muito bem estar em um clube mais rico. Foi especulado no Manchester United e certamente a relação com Emery, com o qual trabalhou no Villarreal, ajudou a convencê-lo a preferir Birmingham – o que, no momento, parece um bênção.

E o mais interessante é que esse mercado ainda foi apenas parcialmente conduzido por Monchi, um dos diretores mais famosos e competentes do mundo que transformou o Sevilla em uma máquina de títulos da Liga Europa. Quando ele realmente começar a trabalhar, buscando barganhas e jogadores sub-valorizados, o potencial do Aston Villa tende a apenas crescer.

O Villa Park

O Villa Park (Foto: SUSA/Icon Sport)

O Aston Villa deu uma passadinha na segunda divisão, mas tem uma camisa muito pesada. Foi figurinha carimbada da primeira divisão da Inglaterra por quase 40 anos e conquistou a Copa dos Campeões. Além disso, fica na segunda maior cidade do país. O Villa Park é um dos grandes alçapões da ilha, geralmente com um clima fantástico, e isso está se traduzindo em resultados. Em resultados fenomenais, quase históricos: são 13 vitórias consecutivas como mandante pela Premier League. A última sequência tão grande foi em outubro de 1983. Pouco depois do título europeu.

Foto de Bruno Bonsanti

Bruno Bonsanti

Como todo aluno da Cásper Líbero que se preze, passou por Rádio Gazeta, Gazeta Esportiva e Portal Terra antes de aterrissar no site que sempre gostou de ler (acredite, ele está falando da Trivela). Acredita que o futebol tem uma capacidade única de causar alegria e tristeza nas mesmas proporções, o que sempre sentiu na pele com os times para os quais torce.
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