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Governo britânico confirma regulador independente do futebol, que deve enterrar de vez a Superliga

Impedir que clubes ingleses entrem na Superliga será um dos poderes do novo regulador, que ainda criará mais fiscalização nos clubes e nos donos

O governo britânico confirmou a criação de um regulador independente para o futebol do país, conforme recomendado por uma revisão liderada por torcedores de 2021. Entre os poderes que este órgão terá é de impedir que os clubes ingleses entrem em uma eventual Superliga Europeia – como foi tentado em abril de 2021, antes de colapsar espetacularmente em 48 horas. É um golpe de morte na Superliga, que sem os clubes ingleses, faz muito menos sentido existir.

Seis clubes ingleses participaram da iniciativa da Superliga Europeia em 2021, todos do chamado “Big Six”: Manchester United, Liverpool, Manchester City, Chelsea, Arsenal e Tottenham. Eles também foram os primeiros a saírem assim que explodiram os protestos de suas torcidas contra a iniciativa.

Pouco a pouco, nove dos 12 clubes participantes da fundação da iniciativa abandonaram a ideia. Só restarem três: Real Madrid, Barcelona e Juventus, que insistem que a Superliga é necessária. Cada vez mais, porém, parece improvável que essa ideia vingue, ainda que parece provável, por outro lado, que a Uefa ceda mais para esses clubes para mantê-los felizes, como acontece desde que a Champions League foi fundada.

Só que a Superliga fez com que o governo inglês entendesse que o futebol é uma indústria grande demais e que gera dinheiro demais para não ter qualquer regulação. Assim, o plano foi colocado em movimento logo depois do fracasso da Superliga em abril de 2021 e o resultado chega neste momento, com um documento formal para criar o regulador do futebol britânico.

Um dos objetivos do regulador é impedir que os clubes quebrem, além de dar mais informações aos torcedores e ter um processo mais criterioso para compradores de clubes do país, algo que os ingleses parecem ter ignorado durante anos, fechando os olhos para todo tipo de dinheiro que entrava no país.

Os principais objetivos descritos pelo governo para esse novo regulador serão:

  • Impedir que os clubes ingleses entrem em competições fechadas, o que são julgadas como prejudiciais ao futebol doméstico;
  • Impedir a repetição de falhas financeiras vistas em diversos clubes, especialmente nos colapsos do Bury e do Macclesfield;
  • Introduzir um teste mais rigoroso para os proprietários e diretores para proteger os clubes e torcedores;
  • Dar poder aos torcedores para impedir que os donos mudem o nome do clube, o escudo e as cores tradicionais do uniforme;
  • Garantir uma distribuição mais justa para a pirâmide do futebol inglês a partir da Premier League.

“O futebol inglês continua uma das maiores exportações culturais do Reino Unido, com clubes e ligas de todo o mundo se modelando a partir desse sucesso”, diz o documento, que introduz o texto de governança no futebol que descreve a legislação proposta e foi lançado nesta quinta-feira. “É por isso que o governo hoje está tomando as medidas necessárias e direcionadas para garantir que isso continue por gerações”.

A tentativa da criação da Superliga Europeia, em abril de 2021, foi o catalizador de um movimento que já existia, mas parecia não ter nem a força necessária nos legisladores britânicos, nem o apoio necessário dos torcedores e da imprensa para ser feito. Em abril de 2022, o governo britânico aprovou reformas no futebol inglês para ter mais controle financeiro e participação de torcedores. Faltava criar essa regulação e é justamente este passo que o governo deu nesta quinta-feira, para formalizar essa questão.

A ameaça de um clube fechado de clubes que formariam a Superliga Europeia destacou o quanto era preciso criar um processo regulatório do governo para impedir que esse tipo de iniciativa acontecesse. Mais do que isso: impedir que clubes entrassem em falência por donos irresponsáveis, como foram os casos de Bury e Macclesfield. Ver um clube fechar as portas é algo que prejudica o esporte e, por isso, o governo quer fiscalizar melhor o esporte, os donos e a forma como tudo isso acontece para impedir que isso volte a acontecer.

Para isso, a ideia é criar um sistema de licenciamento, que irá fiscalizar os clubes e garantir que sejam geridos de forma sustentável. Será este regulador que fará os testes nos novos donos e diretores, com foco na sua adequação, além de uma auditoria melhorada, uma due diligence, que analise aspectos que vão desde os financeiros até os jurídicos, passando por questões trabalhistas, contábeis, fiscais, ambientais e de tecnologia.

A ideia é que os donos dos clubes precisem pedir autorização para vender ou realocar o estádio do clube, por exemplo. Algo que aconteceu no caso do AFC Wimbledon, que se tornou MK Dons e deixou Londres rumo a Milton Keynes, um movimento que revoltou os torcedores – que refundaram o AFC Wimbledon com as cores, o escudo e continuando em Londres.

Além disso, os torcedores terão voz em caso de uma mudança de cores, uniformes e escudo do clube, podendo impedir que isso aconteça – algo que vimos acontecer no Cardiff, antes do dono voltar atrás tempos depois.

O regulador independente também poderá arbitrar no caso de Premier League, English Football League e Football Association não entrarem em acordo em relação a um acordo para como as finanças da primeira divisão irão apoiar as divisões inferiores.

O governo está confiante que os poderes do regulador serão equilibrados de modo que não diminua a competitividade e força da Premier League, que está muito à frente das demais ligas europeias.

O plano atende uma demanda popular de ter fiscalização e mais controle do governo sobre o futebol, tratando o esporte como a indústria que ele é e como é feito em quase toda indústria no Reino Unido. Em todo setor econômico importante, há regulação do governo e o futebol não deveria ser diferente nesse sentido.

Contudo, entre a ideia e a prática por vezes há um mundo e é preciso ver como tudo isso será aplicado, especialmente os pontos controversos como uma distribuição mais justa do dinheiro recebido pela Premier League para as divisões inferiores. Além disso, é difícil imaginar que o governo vai de fato fiscalizar os novos donos para saber de onde vem o dinheiro.

De qualquer forma, a ideia de ter um regulador que impeça os clubes de quebrarem sem dar benefício a eles (como acontece no Brasil, por exemplo, refinanciando dívidas a perder de vista e vendo os clubes continuamente darem calotes e não pagarem os impostos devidos) é algo positivo. A prática é sempre mais difícil do que colocar a ideia no papel, mas é uma iniciativa interessante.

A Premier League era contra um regulador, porque ela quer regular a si mesma, evidentemente. Veremos como essas partes todas conseguem se entender, mas a iniciativa de ter a primeira regulação da indústria do futebol no mundo parece um passo na direção certa do Reino Unido.

Foto de Felipe Lobo

Felipe Lobo

Formado em Comunicação e Multimeios na PUC-SP e Jornalismo pela USP, encontrou no jornalismo a melhor forma de unir duas paixões: futebol e escrever. Acha que é um grande técnico no Football Manager e se apaixonou por futebol italiano (Forza Inter!). Saiu da posição de leitor para trabalhar na Trivela em 2009, onde ficou até 2023.
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