Como o processo de Kleiton Lima contra jogadora do Santos evidencia racha do elenco
Elenco das Sereias se divide entre jogadoras que apoiam e que denunciaram Kleiton Lima; atletas são testemunhas contra companheira de elenco em processo
Mais do que apenas a dura eliminação das Sereias na semifinal do Paulistão, para o São Paulo, o elenco feminino do Santos lida com outros problemas nos bastidores. Isso porque, além das graves denúncias publicadas de forma exclusiva pela Trivela, o processo de Kleiton Lima contra uma jogadora do elenco deixa claro a racha que a equipe santista sofre desde a saída do ex-treinador.
A reportagem teve acesso aos autos do processo, que pede esclarecimentos à atleta sobre a denúncia de assédio sexual feita em uma das 19 cartas anônimas, escritas às mão, e entregues à diretoria do clube no início do mês de setembro.
Jogadoras são testemunhas de Kleiton no processo contra companheira de elenco
Em depoimentos no processo, duas testemunhas alegam que a jogadora processada admitiu ser a autora da carta contendo a denúncia de assédio sexual. As testemunhas de Kleiton são colegas de elenco, que estiveram presentes na reunião entre o time e a diretora do futebol feminino do Santos, Aline Xavier.
– Uma vez na feira eu estava esperando perto de uma barraca de pastel. Lá o treinador chegou e perguntou se eu estava comendo pastel, aí eu respondi “não, estou esperando as meninas”. Então ele deu a volta por mim, olhou para minha bunda e disse: “acho que não”, insinuando que minha bunda parecia grande, então isso significava que eu estava comendo pastel – diz um trecho da carta anexada aos autos.
No documento legal, Kleiton diz que a atleta espalhou sua versão do dia em questão para o elenco das Sereias, em represália ao fato de ter sido sacada do time titular. No entanto, a jogadora em questão nunca fez parte das 11 titulares.
A ruptura entre atletas foi um caminho quase “natural” diante das visões diferentes que as atletas tinham e têm de Kleiton Lima. Segundo apurou a Trivela, a maioria do grupo já estava insatisfeita com o trabalho dele e acolheu as jogadoras mais jovens, que teriam sido vítimas de abuso moral e sexual.
As atletas que testemunharam a favor do ex-técnico das Sereias não foram convidadas a participar da elaboração das denúncias anônimas. Foi assim que o pequeno grupo se descolou das companheiras. Essa divisão é apontada até em um dos trechos do documento jurídico.
– Boa parte do grupo passou a se juntar para ‘derrubar’ o técnico através da elaboração de cartas anônimas com conteúdos mentirosos e infundados; enviaram tais cartas para a coordenadora do departamento de futebol feminino, Aline Xavier, que, ao tomar conhecimento das narrativas apresentadas nas cartas anônimas, desconsiderou tal conteúdo, não concordando com o tal pedido – afirma a defesa de o treinador.
Especialista afirma que apenas testemunhas não são suficientes para confirmar autoria da carta
Os autos apontam a carta anônima como uma das provas, se apoiando no testemunho das jogadoras que teriam presenciado a companheira de elenco admitir a autoria. No entanto, de acordo com o especialista ouvido pela Trivela, há a necessidade de uma perícia em casos como este para evitar que a notificação judicial seja feita para a pessoa errada.
– É necessário um exame grafotécnico para confirmar a autoria da carta. Por se tratar de uma carta escrita à mão, o que vai confirmar é a perícia. Até porque a pessoa notificada pode afirmar que as testemunhas estão mentindo, e ficaria a palavra de uma contra a outra – afirma Higor Maffei Bellini, mestre em direito desportivo e presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB Butantã.
Por fim, Higor afirma que a atleta pode abrir uma causa contra o Santos, caso entenda que houve negligência na gestão do Santos, principalmente diante dos indícios de falta de apoio emocional do clube para o elenco após a demissão da psicóloga.
– Nós temos que parar de normalizar as técnicas ‘militarescas’ de treino. O técnico tem que entender que ele está treinando um ser humano e que não tem poder soberano sobre este ser humano. O treinador ou o gestor desportivo é o primeiro responsável por manter a integridade física e mental do atleta, do momento em que ele assina até o fim do contrato. As condições físicas ou mentais não podem ser piores do que quando chegou.