Do amador à seleção: crescimento do futebol feminino na Colômbia ameaça hegemonia sul-americana do Brasil
Futebol feminino quebra paradigmas na Colômbia e começa a despontar como nova potência do futebol sul-americano
A seleção colombiana foi a sensação da América do Sul na Copa do Mundo Feminina de 2023. A equipe comandada pelo técnico Nelson Abadía chegou até as quartas de final da competição e só caiu para a vice-campeã Inglaterra. Para efeito de comparação, o Brasil, acostumado a ser a maior potência sul-americana na modalidade, não passou da fase de grupos do Mundial.
Mas as conquistas das colombianas em campo não param por aí. Em meio ao “boom” do futebol feminino, importantes equipes do país, como Deportivo Cali, Atlético Nacional, América de Cali e Santa Fé, entenderam a necessidade de desenvolver suas categorias de base e já exportam talentos para os Estados Unidos e Europa.
E o progresso não é apenas no cenário profissional. As atletas amadoras também se multiplicaram na Colômbia, mulheres que antes não tinham espaço para jogar, agora contam com campeonatos de vários níveis e para várias faixas etárias.
A reportagem da Trivela teve a oportunidade de acompanhar uma rodada Copa Guerreras, torneio amador feminino que acontece em Cali, um dia depois da final da Libertadores Feminina, e conta como o futebol de mulheres quebrou paradigmas na Colômbia e está ameaçando o reinado brasileiro na modalidade.
“Guerreras FC”: futebol é para todas as mulheres
Debaixo de um sol de 30ºC, as Guerreras Sur entraram em campo para disputar a quinta e última rodada da fase de grupos da Copa homônima ao time, no último domingo (22). A vitória sobre a Fénix Central, por 3 a 2, deu a elas o primeiro lugar do Grupo A, com 10 pontos, e a vaga para as quartas de final da competição.
– A nossa folga é sempre aqui, jogando bola – contou Yessica Tejada, advogada e camisa 4 das Guerreras Sur, em conversa com a Trivela.
O projeto Guerreras surgiu em Cali, em meados de 2015, pelo trabalho do treinador Alex Rueda, entusiasta do futebol feminino. À época, a ideia foi abraçada por um bom grupo e, em pouco tempo, a procura de mulheres foi tão grande que o professor precisou abrir times em diferentes regiões da cidade, para atender a alta demanda.
– Não imaginávamos que fosse crescer tão rápido, mas a verdade é que são muitas adultas interessadas em jogar bola, que não tinham essa oportunidade, e ganharam esse espaço com as Guerreras – disse a psicóloga Yadira Maldonado, uma das mais antigas integrantes da sucursal do Sul.
Para participar do projeto, basta se identificar com o gênero feminino, ser maior de idade e se comprometer com os treinos semanais. Há atividades para os mais diversos níveis de conhecimento, desde iniciantes até as mais avançadas, que representam os times nas competições – e o calendário durante o ano é cheio.
Com mais de 25 mil seguidores nas redes sociais, as Guerreras possuem patrocínios, recebem uniformes e chuteiras, além de atenção especial das marcas locais em premiações.
– Somos mães, profissionais e tantas outras coisas, mas acima de tudo, somos todas apaixonadas por futebol. Eu não abro mão disso por nada – acrescentou Yadi.
Catalina Usme: a voz das mulheres no futebol colombiano
Na última quinta-feira (26), a seleção colombiana empatou com os Estados Unidos, fora de casa, em amistoso da Data Fifa. Um resultado que, há menos de uma década, seria inimaginável na modalidade para o país vizinho. Mas a verdade é que um nome específico teve uma participação fundamental nessa evolução: Catalina Usme.
– Em 2017, quando a liga profissional foi instaurada na Colômbia, Catalina fechou contrato com o América de Cali. Ela sempre teve em sua cabeça que queria voltar para o país para ajudar no desenvolvimento do futebol feminino. As jogadoras mais emblemáticas do país estavam jogando na Europa, principalmente na Espanha, mas ela fez o caminho inverso, porque queria contribuir para esse crescimento junto com o América – revelou Andrés Usme, técnico da seleção feminina do Equador e irmão mais velho da jogadora, à reportagem.
A atacante, de 33 anos, tem um total de 52 gols com a camisa 11 da seleção colombiana, da qual é a artilheira histórica. Ela também lidera a lista de goleadoras da Libertadores Feminina, tendo balançado as redes em 32 oportunidades.
Para as jogadoras do Guerreras FC, Catalina é exatamente a figura central de referência no esporte. A mulher que deu voz a uma geração inteira de apaixonadas. Apesar do sucesso em campo, sua maior contribuição foi fora das quatro linhas, empoderando outras mulheres.
– Ela faz parte de uma geração que começou a falar sobre os problemas da modalidade, porque quando ela começou não existia absolutamente nada. Vestir a camisa da seleção era praticamente um hobby para as atletas, porque elas abriam mão de outros empregos para estar lá. Obviamente, com essa transição, o discurso começou a ser cada vez mais forte. A voz de Cata sempre foi muito ativa e, às vezes, esse discurso por respeito e investimento não caía muito bem entre os poderosos do futebol – ponderou Andrés.
– Através das vitórias, dos resultados e da qualidade de futebol, ela fez com que essa voz se multiplicasse. Acredito que a colaboração dela foi fundamental para transformar um cenário pequeno em algo de grande potencial. A seleção colombiana tem uma geração de ouro, mas ela só existe porque houve pioneirismo de mulheres como Catalina – concluiu.
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