Bielsa já faz das suas loucuras para reinventar o Uruguai rumo à Copa de 2026
Argentino ignora ídolos Cavani e Suárez e tenta quebrar paradigmas na Celeste para ir à Copa do Mundo de 2026
Entre gritos de protesto e ameaças, os barrabravas do Newell's Old Boys esbravejavam à porta da casa de Marcelo Bielsa em Rosário, raivosos à espera de uma explicação olho no olho para a derrota por 6 a 0 para o San Lorenzo em pleno Colosso del Parque. De tanto insistirem, o técnico resolveu aparecer. Não para justificar o resultado, mas com uma granada que logo afugentou os torcedores enfurecidos. A estratégia funcionou tão bem, que eternizou o treinador como “El Loco”.
Era fevereiro de 1992, e o apelido o persegue e consagra até hoje como um dos técnicos mais influentes do mundo. Três décadas mais tarde, aos 68 anos, Bielsa não usa mais de artefatos explosivos para fazer sua palavra prevalecer. Mas ele ainda usa e abusa de suas loucuras para tentar reinventar o Uruguai para a Copa do Mundo de 2026.
Do épico episódio da granada a 2023, Bielsa deixou o Newell's do coração, foi campeão olímpico com a Argentina e cruzou o Atlântico para levar seu trabalho à Europa. As polêmicas o acompanharam em cada canto e ainda o acompanham no Uruguai. Para além de todo o misticismo, a Trivela conta abaixo como o Bielsismo tenta fincar raízes em uma seleção uruguaia que ainda tenta renascer sob a sombra do histórico maestro Oscar Tabarez.
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— Selección Uruguaya (@Uruguay) October 14, 2023
Bielsa exclui Suárez e transforma convocações em “odisseia”
Bielsa começou a lidar com polêmicas antes mesmo de estrear em jogos oficiais pelo Uruguai. Foi nos microfones, diante da imprensa, e nada teve a ver com a timidez que o faz conceder entrevistas olhando para baixo, sem fitar a câmera. Em um entrevista no Estádio Centenário, o treinador divulgaria a lista de convocados. Mas ele fez tudo, menos dizer quem estaria à disposição para os jogos contra Chile e Equador. Descobrir os jogadores disponíveis virou uma “odisseia” para a imprensa uruguaia, conforme ouviu a Trivela.
Mas o que deixou atônita toda uma nação são as ausências dos ídolos Edinson Cavani e Luis Suárez das listas de convocados do treinador. Tudo começou com críticas a Bielsa por não tê-los procurado para uma conversa antes da convocação. O técnico foi chamado de “mentiroso”, por ter dito inicialmente que entraria em contato. Enquanto fazia suspense sobre a lista, o treinador se limitou a dizer que não precisava falar com as duas referências do país, porque sabia que ambos estavam à disposição.
– Sabem que eu não falei com eles, e por isso fui chamado de mentiroso. Quando eu falei pela primeira vez, disse que falaria com eles e, a depender do que me dissessem, eu lhes daria a minha opinião. A partir do momento em que comecei a trabalhar, Cavani expressou publicamente que seu tempo na seleção não havia terminado, assim como Suárez. Por essas duas informações, não precisei falar com eles. Como eu as escutei, do meu ponto de vista, as conversas seriam desnecessárias, porque são jogadores convocáveis – se defendeu.
A descoberta de que eles não seriam chamados foi e segue sendo um baque. Mas o que causa polêmica, de fato, é a ausência de Luis Suárez. Há um clamor popular para que El Pistolero seja chamado. Tanto pelo desempenho no Grêmio, quanto pela ausência de outro centroavante além de Darwin Nuñez nas listas do técnico. Mas Bielsa sustenta, com a ideia de encontrar um novo camisa 9 para 2026.
– As ausências das referências têm sido tema de muita polêmica, principalmente de Luis Suárez. Para a opinião pública, nós jornalistas consideramos que Suárez segue apto para servir à seleção uruguaia, mas ele se mantém em sua linha de não convocá-lo, de que ele não faz mais parte da seleção uruguaia. Agora o que entra como uma “loucura” do Bielsa, para mim, é que na atual lista de convocados, de 24 jogadores, só o Darwin Núñez é o centroavante – analisa o jornalista do diário Ovación, caderno esportivo do jornal El País.
“O que é impossível é que seja eu quem decida que o ciclo de um jogador como Luis Suárez está terminado, ou de Cavani, ou de qualquer outro. Eu não posso aposentar ninguém da seleção. EU não posso tirar do futebol o pouco que resiste, que é jogar por amor à camiseta”. (Bielsa)
Bielsa quebra paradigmas e já empolga
O argentino assumiu a seleção uruguaia com um projeto de renovação que tem como pilar um estilo de jogo protagonista – sua marca registrada por onde passou. Uma mudança radical para um país acostumado com uma filosofia de futebol combativo que sempre vem à tona quando se fala da Celeste. E o desafio era do tamanho do Uruguai.
Com pouco tempo para treino, Bielsa chamou seus jogadores para longas conversas por videoconferências. Em 30, 40 minutos, o técnico exibiu vídeos de lances e jogadas com tanta minúcia, que espantou os atletas – outra de suas marcas registradas. O objetivo era acelerar a implementação de seu estilo de jogo. E tem dado certo, ainda que com percalços no caminho.
A estreia com vitória por 3 a 1 sobre o Chile no Centenário foi esperançosa, mas a derrota para o Equador no jogo seguinte despertou dúvidas. Depois, contra a Colômbia, um empate em 2 a 2 que exemplifica bem como a quebra de paradigmas do técnico levará tempo para ser implementada. O Uruguai muito finalizou, mas também muito cedeu chances ao adversário. Ao final da partida, a equipe arrancou o empate e queria mais tempo para buscar a virada fora de casa. Sob maestro Tabárez, a equipe contaria os minutos para sair com um ponto precioso.
– A chegada de Bielsa quebrou muitos paradigmas do nosso futebol. Muitos chamam isso de loucuras. Mas mais do que loucuras, o Bielsa mudou a forma que planejamos as partidas. O Uruguai sempre foi uma equipe disposta a neutralizar o adversário, com prioridade às tarefas defensivas. E o Bielsa veio aqui com a filosofia de sair para ganhar em todas as partidas e em todos os campos. Ele fez uma mudança à qual ainda estamos nos acostumando, de ver uma equipe protagonista – analisa Ernesto Faría, comentarista da Radio Universal.
Estilo de trabalho resulta em saídas da Federação
De imediato, Bielsa pediu algumas modificações no Complejo Celeste, o centro de treinamentos da seleção do Uruguai, para que pudesse adequar as instalações a sua metodologia de trabalho. Mas foram outras mudanças, na rotina de trabalho em si, que resultaram em saídas. A exigência – leia-se obsessão – de Bielsa fez com que funcionários mais velhos da Associação Uruguaia de Futebol (AUF) deixassem seus cargos.
O relato ouvido pela Trivela é que um deles não estaria sujeito a mudar seu jeito de trabalhar após tantos anos. Dois analistas de desempenho também acabaram desligados, porque a comissão técnica de Bielsa centralizou os trabalhos de análise.