BrasilEliminatórias da Copa

Como ídolo de Pelé antecipou o vexame brasileiro diante da Argentina?

Resultado foi uma das derrotas mais completas na história do futebol brasileiro

Final de Paulistão, início de Campeonato Brasileiro e Libertadores…. Talvez seja uma pena que tenha tanto futebol de clubes nesses dias. Porque acredito que é preciso de tempo para refletir sobre o que aconteceu na última terça-feira (25).

Entendo o jogo contra a Argentina como uma das derrotas mais completas na história do futebol brasileiro. Pior, para mim, que o 7 a 1.

Aquele jogo contra a Alemanha aconteceu em um contexto emocional que claramente foi demais para a seleção brasileira, dando lugar para um colapso impressionante e uns minutos absolutamente malucos de um gol atrás do outro. 

Os dois times se enfrentando fora das pressões excepcionais do Mundial, a Alemanha ia ganhar, imagino, mas nunca por 7 a 1. E, dentro do campo, deu para identificar desempenhos individuais desastrosos — David Luiz, Marcelo e, o mais misterioso de todos, o senhor confiável, Fernandinho. 

Mas na terça-feira em Buenos Aires, não deu para identificar um vilão no campo. Não dá para concluir que o Brasil perdeu porque tal jogador foi mal. Foi uma derrota essencialmente coletiva — uma partida que diz muito sobre como o futebol brasileiro — que tem muitas virtudes e produz talentos excepcionais — anda muito mal em um determinado aspecto.

Vamos voltar para 1982. Um dos meus textos favoritos sobre o futebol vem do argentino Ángel Cappa, um técnico com uma veneração pela tradição do futebol brasileiro, que estava na Espanha, no estádio, delirando com o futebol da seleção de Telê Santana.

“A bola,” escreveu Cappa, “chegava em uma zona do campo e desaparecia para reaparecer na forma de um coelho e também de uma pomba e desaparecer de novo dos rivais que, angustiados, a buscavam em lugares insólitos sem poder encontrá-la. O público, inclusive eu, olhava para o relógio com a intenção de parar o tempo porque queria que o jogo durasse para sempre. Foi a festa de toque.”

Mas aquela seleção não ganhou a Copa — algo que sempre tem consequências.

Três anos depois, o mestre Zizinho já estava dando o aviso. O ídolo do jovem Pelé, e um dos melhores jogadores na história do futebol brasileiro, Zizinho estava obcecado por questões táticas. Não é surpreendente. Jogava numa época de grandes mudanças, com WM dando lugar para 4-2-4 e 4-3-3. Escreveu a sua autobiografia, totalmente à sua própria maneira, em 1985. Terminou o livro com essas palavras.

Havia uma tendência no Brasil, ponderou o grande Ziza: “Deram ao cabeça-de-área, um homem que tem em seu poder 70% da posse da bola da sua equipe, a função específica de destruir, quando deve ser a de criar as jogadas.”

A observação de Zizinho não tem nada a ver com futebol europeu. Isso não foi uma tentativa brasileira de imitar o que estava acontecendo no outro lado do Atlântico, e fica antes do êxodo em massa do talento. O mestre Ziza estava bem ciente do problema: as condições do trabalho dos técnicos brasileiros. 

Sem tempo para trabalhar e sem a menor segurança do emprego, a turma estava escolhendo a opção racional para sobreviver no meio: cautela para não perder. E a grande baixa foi o conceito do meio de campo como uma zona para elaborar o jogo. A faixa central virou um lugar para interromper a partida, com os lados – primeiro com os laterais ofensivos, depois com a volta dos pontas – o espaço onde se deve atacar.

O técnico Dorival Júnior, da seleção brasileira
O técnico Dorival Júnior, da seleção brasileira (Foto: Imago)

O próprio Ángel Cappa comentou alguns anos atrás que o Brasil desfrutava de individualidades assustadoras, mas que o jogo de toque tinha sido esquecido. A seleção do Dorival Junior tem sido talvez a maior expressão disso; Luiz Henrique nos últimos segundos contra o Chile, o Vini Junior no acréscimo contra a Colômbia foram momentos quando um lampejo de talento individual salvou o coletivo.

Mas na terça-feira não houve salvação possível, apesar do gol brasileiro ter sido um presente da zaga argentina. A seleção do Dorival se trata de um time sem saída da bola, sem toque, e, contra um dos times no mundo mais fortes neste setor, sem meio de campo.

A estratégia estava equivocada — não entendo porque Dorival não armou o seu time da mesma forma de contra a Inglaterra um ano atrás na sua estreia, defendendo em profundidade e criando espaço para o contra-ataque. 

O tom emocional estava errado — o Brasil precisa de mais frieza na cabeça. Mas acima de tudo, a derrota de terça-feira foi fruto de um desprezo para o meio de campo, a zona onde se protege a defesa, elabora o jogo e dá plataforma para o ataque. Com uma insuficiência de jogadores neste setor, o Brasil não fez nada disso. 

O novo técnico – Dorival não pode continuar depois disso – precisa reconstruir o time por meio de uma abordagem nova — ou retrô, até — sobre o meio de campo brasileiro.

Foto de Tim Vickery

Tim VickeryColaborador

Tim Vickery cobre futebol sul-americano para a BBC e para a revista World Soccer desde 1997, além de escrever para ESPN e aparecer semanalmente no programa Redação SporTV. Foi declarado Mestre de Jornalismo pela Comunique-se e, de vez em quando, fica olhando para o prêmio na tentativa de esquecer os últimos anos do Tottenham Hotspur.
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