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Coudet não fez só diferente — fez melhor do que Mano Menezes no Internacional em 2023

Após o primeiro semestre com o cauteloso Mano Menezes, o presidente Alessandro Barcellos trouxe de volta o agressivo Eduardo Coudet

O Internacional contou com dois treinadores de estilos bem diferentes em 2023. Após o primeiro semestre com o cauteloso Mano Menezes, o presidente Alessandro Barcellos trouxe de volta o agressivo Eduardo Coudet, seu amigo pessoal e comandante dos sonhos, visando a conquista da Libertadores. Por mais que ela não tenha vindo, a caminhada até a semifinal e o desempenho apresentado pela equipe em vários jogos no segundo semestre mostram que o argentino não só fez diferente do antecessor — fez melhor.

Em primeiro semestre complicado, Internacional de Mano Menezes foi eliminado duas vezes no Beira-Rio

Mano iniciou o ano respaldado pelo bom final de 2022, em que o Inter terminou vice-campeão brasileiro. Porém, mesmo com a manutenção da base de time, o rendimento decaiu muito no início de 2023. E o treinador teve dificuldades para encontrar soluções em uma equipe muito dependente de Alan Patrick. Rodou algumas peças, principalmente na abertura do meio de campo, em que demorou para encontrar substituto para o lesionado Gabriel, e no ataque, em que testou Pedro Henrique de 9, e depois revezou Luiz Adriano e Alemão.

De forma traumática, o Inter sofreu duas eliminações, nos pênaltis, dentro do Beira-Rio. A primeira na semifinal do Campeonato Gaúcho, para o Caxias, no final de março, e a segunda nas oitavas de final da Copa do Brasil, para o América-MG, no final de maio. Além disso, perdeu dois clássicos para o Grêmio, na Arena. Na fase classificatória do Gauchão, por 2 a 1, no início de março; e no primeiro turno do Campeonato Brasileiro, por 3 a 1, no final de maio, em que a equipe chegou à marca de cinco derrotas consecutivas.

Mano apontou problema na preparação física como principal dificuldade do Internacional nos primeiros meses do ano

Após esse jogo, Mano trouxe à tona aquele que entendia ser o principal problema do Inter: a parte física. A fala aconteceu após a demissão do preparador físico Jean Carlo Lourenço, que realizou a pré-temporada.

— Faz quatro jogos, antes de hoje, que sempre substituo meus dois volantes por desgaste físico. Nenhum time do mundo substitui dois volantes por desgaste físico. Quando a gente chega nesse ponto é porque alguma coisa muito grave aconteceu antes. É esse o ponto de partida pela qual nós começamos a entender porque chegamos nesse ponto. Essas coisas, algumas delas sempre vão levando a outras coisas. Aí nós temos uma queda técnica, um jogador que toma decisão não tão boa. Porque o atleta é preparado na sua totalidade. E nós não conseguimos fazer isso da maneira como deveríamos ter feito — externou, desconsiderando que esses problemas eram potencializados porque o time corria errado.

O Inter até conseguia algumas vitórias e resultados importantes, como a virada sobre o Flamengo, na segunda rodada do Campeonato Brasileiro, e o triunfo sobre o Independiente Medellín, na última rodada da fase de grupos da Libertadores. Mas o desempenho não agradava. A gota d’água aconteceu com a chegada de Enner Valencia, principal contratação da temporada, que foi utilizado como espécie de ponta-direita em sua estreia, contra o Fluminense, e mal tocou na bola. Mano foi demitido no jogo seguinte, após empate em 0 a 0 com o Palmeiras no Beira-Rio.

Mano demonstra mágoa com saída do Internacional

O treinador gaúcho demonstrou mágoa com a saída assim que foi apresentado no Corinthians, no final de setembro. Principalmente por não ter tido mais tempo para usufruir dos importantes reforços da metade do ano — além de Valencia, também chegaram Rochet e Aránguiz.

— Passamos um primeiro semestre esperando a janela, para você poder não contratar quantidade, contratar qualidade. Me expus, deixei meu nome lá, sendo desgastado, tomando pancada para caramba no primeiro semestre. O time está montado, vocês estão vendo. Na janela do meio do ano chegaram três jogadores de seleção, indiscutíveis, e isso se reflete no trabalho. Para quem saiu, é ruim — lamentou. Mas, mesmo sem os reforços, o elenco colorado não era suficiente para passar por Caxias e América-MG?

Coudet mudou maneira do Internacional jogar

A mudança de Mano para Coudet implicou numa mudança drástica de estilo de jogo. Não que precisasse, mas isso já foi adiantado pelo treinador argentino em sua apresentação no Inter, no final de julho.

— Cada treinador tem uma maneira de sentir o futebol. Cada treinador trabalha de uma forma diferente. Não é melhor, nem pior. É diferente — afirmou um respeitoso Coudet, que revelou ter ligado para Mano antes de acertar o retorno ao Inter.

Coudet iniciou a segunda passagem pelo clube já colocando sua cara. Montou o 4-1-3-2 tradicional, mas se adaptando às características de jogadores como Alan Patrick (falso atacante) e Renê (lateral-base). De imediato, sacou do time John e Rômulo e colocou Rochet e Johnny, o que gerou contestação inicial pela ótima fase dos antigos titulares, mas se justificou na Libertadores, na qual o uruguaio e o norte-americano foram fundamentais.

Estratégico na Libertadores, Internacional de Coudet sofreu no Brasileiro por conta das preservações

O Inter foi estratégico para passar pelo River Plate, com emoção, nas oitavas de final, e pelo Bolívar, nas quartas. Sobretudo na altitude de La Paz, Coudet demonstrou versatilidade na maneira de jogar, o que foi visto mais vezes ao longo da temporada. Pode se questionar algumas decisões do treinador na semifinal, contra o Fluminense, mas o seu time foi superior em grande parte dos dois duelos contra a equipe de Fernando Diniz, e não chegou à decisão principalmente pelos erros individuais de Renê e Enner Valencia.

A campanha que recolocou o Inter entre os quatro melhores times da América do Sul após oito anos cobrou seu preço no Brasileirão. Se o time titular do Colorado é muito bom, o mesmo não pode ser dito do elenco como um todo. Com a necessidade de rodá-lo, preservando os principais jogadores para a competição continental, o Colorado perdeu muitos pontos, ficando para trás na tabela de classificação do campeonato nacional.

Ao menos, com força máxima após a eliminação da Libertadores, o Inter conseguiu vitórias, incluindo uma no Gre-Nal e um 7 a 1 sobre o Santos, que o permitiram se afastar da parte de baixo da tabela, terminando na 9ª colocação e garantindo vaga na Copa Sul-Americana. Pouco para o desempenho apresentado pelo time de Coudet quando teve o melhor à disposição.

Coudet pode melhorar nas trocas, mas faz o Internacional ser protagonista dos jogos

O desafio para o argentino, se tiver a renovação para 2024 confirmada, é não deixar o desempenho decair tanto quando precisar mexer no time — seja de um jogo para outro, ou no decorrer das partidas. Claro que isso passa pela limitação dos reservas, mas também por escolhas e, principalmente, substituições contestáveis do treinador.

Ainda assim, não se pode esquecer que o mesmo técnico que troca é o técnico que escala. E o Inter, que com frequência amassa os adversários no primeiro tempo dos jogos no Beira-Rio, tem agressividade, verve ofensiva e volume de jogo que são marcas do trabalho de Coudet, e condizem com a grandeza, a história e a cultura do clube.

— Nós tentamos sempre jogar como protagonistas, independente de ser em casa ou fora. O Inter é um time grande e, com o peso dessa camisa, a torcida merece ver a equipe se impondo e conseguindo vitórias — destacou o argentino após o triunfo diante do Botafogo, na última partida da temporada. Na mesma entrevista coletiva, Coudet desabafou sobre seu trabalho e disse que a intensidade suportada pelos atletas quando os herdou de Mano era muito abaixo da que considera ideal.

Foto de Nícolas Wagner

Nícolas WagnerSetorista

Gaúcho, formado em jornalismo pela PUC-RS e especializado em análise de desempenho e mercado pelo Futebol Interativo. Antes da Trivela, passou pela Rádio Grenal e pela RDC TV. Também é coordenador de conteúdo da Rádio Índio Capilé.
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