Análise tática: como jogam os times de Nicolás Larcamón, novo treinador do Cruzeiro
Desconhecido por grande parte parte da torcida do Cruzeiro, o ainda jovem Nicolás Larcamón, de 39 anos, terá a missão de conduzir time celeste em 2024
O Cruzeiro escolheu o jovem treinador Nicolás Larcamón, de apenas 39 anos, para comandar o timee na temporada 2024. O técnico estava no León, do México, mas foi demitido após eliminação precoce no Mundial de Clubes Fifa, para o Urawa Reds, do Japão. Apesar do insucesso na competição global, o argentino esteve a frente da equipe mexicana na inédita conquista da Copa dos Campeões da Concacaf, que colocou o clube no topo do continente.
A conquista, já marcante, fica ainda mais valiosa quando se leva em consideração que o León é um clube de investimento muito menor que o de boa parte dos adversários locais e dos Estados Unidos.
Mesmo já tendo uma conquista tão relevante na carreira, Nicolás Larcamón é pouco conhecido no Brasil e sua chegada acabou gerando questionamentos: como jogam suas equipes, se é um treinador ofensivo, que esquema tático é o seu preferido. E para responder essas perguntas, a Trivela convidou a analista tática Clarissa Barcala, que escreve no site Ponto Futuro, para falar sobre o estilo do treinador argentino.
Como Nicolás Larcamón gosta de jogar?
Clarissa Barcala explica que Larcamón é um treinador que gosta de jogar com três zagueiros, embora encare isso mais como um princípio do que como algo inegociável, tendo já usou o 4-4-2 e o 4-2-3-1 muitas vezes em seus times, fazendo compensações para suprir a falta de um terceiro zagueiro.
Jogar com três defensores centrais dá a Larcamón duas vantagens: a primeira é criar superioridade numérica desde a primeira linha da saída de bola. Os times de Larcamón gostam de sair curto desde o goleiro e, para isso, normalmente posicionam cinco ou seis jogadores na saída de bola — normalmente os três zagueiros e dois volantes, ou quatro defensores e dois volantes quando o time joga no 4-4-2 e no 4-2-3-1.
A saída de bola de Larcamón
A primeira vantagem que os times de Larcamón buscam a partir da saída de bola é atrair a pressão adversária para abrir espaços e explorá-los através de passes longos dos zagueiros ou volantes para os atacantes. Muito por causa disso, Larcamón valoriza um bom camisa 9 que saiba fazer o pivô, já que o passe longo dos zagueiros ou volantes para o centroavante receber de costas e acionar os meias que infiltram é parte importantíssima dos princípios de jogo do técnico.
O León sai jogando com três zagueiros e dois volantes, atraindo a pressão de cinco jogadores adversários e abrindo espaços nas costas da linha de marcação. O zagueiro consegue acionar o meia-atacante livre, que rapidamente tenta uma combinação com o ponta. Os times de Nicolás Larcamón gostam de atrair a marcação dos adversários na saída de bola para acelerar nos espaços que se abrem – Vídeo: Fooballia/Reprodução
E quando o time não consegue achar espaços?
Quando o time não consegue achar espaço para acionar os atacantes num passe longo, Nicolás Larcamón não se incomoda e prefere que seus jogadores rodem a bola do que continuem forçando passes longos. Larcamón busca montar suas equipes em um 3-4-3, e aparece aqui a segunda vantagem dos 3 zagueiros: com três defensores centrais, os alas ficam muito mais livres para atacar como pontas, muitas vezes formando uma linha de cinco ou seis jogadores com os atacantes.
O jogo de Nicolás Larcamón se parece mais com o de Pepa ou com o de Paulo Pezzolano?
Clarissa Barcala conta que o estilo de Nicolás Larcamón é mais semelhante com o de Pepa do que o de Pezzolano, se considerarmos os dois treinadores escolhidos com maior critério pela diretoria celeste. Ela explica que as semelhanças com o português surgem justamente quando o time precisa rodar mais a bola pelo campo de ataque para achar espaços, pois seus times praticam ataque posicional, assim como os de Pepa.
Isto é, Larcamón atribui determinadas zonas — as posições — aos seus jogadores, que não podem abandonar tais zonas e só podem se mover dentro delas. Então, os jogadores movem a bola entre essas zonas, e a bola vai de posição em posição até chegar ao gol. A intenção é mover o adversário, que corre atrás da bola e acaba abrindo buracos em seu bloco de marcação, e não os jogadores do próprio time. Os jogadores devem realizar movimentos curtos, sempre respeitando as posições traçadas e, ao mover a bola de posição a posição, abrir espaços no bloco de marcação do adversário.
Clarissa aponta, ainda, que como os jogadores dos times de Larcamón se movem pouco, já que devem respeitar as posições, a bola precisa se mover muito rapidamente para compensar a falta de movimento dos jogadores; portanto, os atletas não são encorajados a dar muito mais de dois toques na bola, pois isso comprometeria a velocidade de circulação da mesma.
Além do ataque posicional, Pepa e Nicolás Larcamón também se assemelham no uso da amplitude total. Larcamón usa os cinco (ou até seis) atacantes enfileirados para espaçar bastante a linha de defensores do adversário e, assim, criar espaços por dentro — para isso, ele posiciona dois pontas (normalmente, os dois alas) muito abertos, praticamente colados à linha lateral, para alargar o máximo possível a linha defensiva do adversário.
Como os times de Larcamón atacam com cinco jogadores, o centroavante prende os dois zagueiros centrais do adversário, e os laterais acabam em dúvida: se marcam os pontas, os meias ficam livres para atacar por dentro, mas se marcam os meias, os pontas ficam livres pelos flancos. Larcamón gosta de espalhar seus jogadores em campo, deixando-os bem distantes uns dos outros, para maximizar o domínio dos espaços.
O León sai construindo desde trás em seu 3-2-5. Observe que os jogadores realizam movimentos curtos, sempre dentro das zonas determinadas, e todos buscam jogar em dois toques para acelerar a circulação da bola – Vídeo: Fooballia/Reprodução
Como os times de Larcamón jogam bem espaçados, não é incomum vê-los preferindo usar inversões de jogo e passes mais longos do que toques mais curtos, que precisariam de jogadores mais próximos, para avançar em campo. Nesse lance, o volante direito inverte a bola para o ala esquerdo. Então, o zagueiro esquerdo inverte a bola para o ala direito. Em seguida, o zagueiro direito inverte a bola mais uma vez para o ala esquerdo, que avançou e está jogando como um ponta-esquerda. Por fim, ele inverte a bola para o meia-atacante direito, que ataca o segundo pau.
Nesse mesmo lance, a bola cruza de lado quatro vezes, o que acaba criando desencaixes no adversário, que tenta fazer o balanço defensivo para tapar os buracos no bloco de marcação. Há menos incentivo para toques curtos e mais incentivo para lançamentos, cruzamentos e inversões de jogo. Nicolás Larcamón usa seus meias avançados mais como finalizadores do que construtores, pois a bola sai dos defensores e vai direto para os pontas. Os construtores dos times do argentino normalmente são os zagueiros e volantes do que os meias propriamente ditos, que concluem mais do que constroem – Vídeo: Fooballia/Reprodução
Momento final do ataque de Larcamón
Quando o time já avançou e está ocupando o campo do adversário, Larcamón permite que seus jogadores se aproximem mais da zona da bola, sem que joguem tão espaçados quanto na fase de construção. A lógica, aqui, ainda é posicional: os jogadores não vão até a bola, a bola vai até as posições dos jogadores, mas o time não está mais tão espalhado em campo, o que acaba permitindo algumas combinações de toques mais curtos.
A ideia do argentino é que, ao juntar mais jogadores na zona da bola, o adversário terá que posicionar mais defensores por ali, o que acaba esvaziando o lado oposto. Desse modo, o time cria uma dinâmica de “lado forte”, o lado com mais jogadores, e “lado fraco”, o lado esvaziado. O adversário, ao se ver forçado a posicionar mais defensores no lado forte para anular a superioridade numérica que se formou, deixa o lado oposto ao da zona da bola vazio. Então, o time de Larcamón usa essa dinâmica para atrair o adversário para um lado e inverter a bola para atacar o lado vazio, com poucos defensores.
O Puebla de Larcamón junta jogadores na zona da bola pelo lado direito, atraindo a marcação de vários defensores adversários. Então, a bola é invertida para o ponta-esquerda, que fica em situação de um contra um. Assim, ele consegue espaço para acionar o meia que infiltra na área, que por sua vez consegue cruzar para o centroavante finalizar.
Observe que, mesmo com o time mais aglomerado e menos espaçado, os princípios posicionais continuam: os jogadores não se movem por espaços muito longos, esperam a bola chegar até suas posições e buscam sempre jogar com poucos toques – Vídeo: Fooballia/Reprodução
O León de Larcamón junta jogadores ao redor da bola pelo lado direito, esvaziando o lado oposto. A bola é invertida para o ponta-esquerda, que tem espaço para cruzar. A vantagem de se atacar com tantos jogadores: um jogador está livre para cruzar e o time ataca a área com outros quatro – Vídeo: Fooballia/Reprodução
Apesar de gostar muito de atrair no lado forte para atacar o lado fraco, os times de Larcamón também buscam criar vantagens pela superioridade numérica e concluir a jogada na zona com mais jogadores. Aqui, o León troca passes pelo lado do campo e consegue acionar o ponta-direita em profundidade, que faz o cruzamento rasteiro – Vídeo: Fooballia/Reprodução
Conclusão: com Larcamón contratado, o que Ronaldo deve fazer?
Com um treinador que valoriza tanto a capacidade dos atacantes de receber a bola de costas após um passe longo dos zagueiros e que usa tanto os cruzamentos para atacar a área, é essencial a contratação de um 9 que saiba fazer bem o papel de pivô, que tenha um bom jogo de costas e que consiga se impor na área nos cruzamentos. A presença de jogadores de lado de campo agudos e verticais – sejam eles laterais que joguem como alas ou pontas de ofício – também é essencial.
Por fim, o Cruzeiro precisa de bons passadores em posições mais recuadas — zagueiros e principalmente volantes — pois eles são os principais armadores dos times de Larcamón. Há um sinal de alerta para Matheus Pereira e para uma possível chegada de Everton Ribeiro: nos times de Larcamón, os meias são mais usados como finalizadores, que infiltram na área chegando de trás para aproveitar os cruzamentos, do que construtores que estão sempre em contato com a bola — esse papel é mais dos volantes. A lógica de construção com zagueiros e volantes — bola nos pontas ou alas para verticalidade e cruzamento para que os atacantes infiltrem na área exige meias que sejam melhores concluindo que armando, muitas vezes exigindo mais imposição física do que técnica.
Papel dos meias
Confirmada a permanência de Matheus Pereira e a eventual contratação de Everton Ribeiro, Nicolás Larcamón precisaria mostrar sua capacidade de adaptação, construindo um time que jogue mais próximo do que espaçado, mais por dentro do que por fora, mais em toques curtos do que em cruzamentos e inversões de jogo, e principalmente que permita que os jogadores tenham mais liberdade com a bola, sem posições muito rígidas.
Tanto Matheus Pereira quanto Everton Ribeiro mostraram seu melhor futebol em times que os permitiam estar sempre em contato com a bola, jogando com toques mais curtos, e com a liberdade de deixarem suas posições para tabelar — o movimento clássico de tabela, de tocar a bola e fazer a ultrapassagem para recebê-la mais à frente, implica em movimentos mais longos que rompem com a ideia de posições demarcadas, uma filosofia mais próxima de Paulo Pezzolano e Paulo Autuori do que de Pepa e Nicolás Larcamón.
Lances do Matheus Pereira pelo Cruzeiro em 2023 🦊. pic.twitter.com/Zc4JDGWPTo
— Cruzeiro FR (@CruzeiroFR) December 10, 2023
Matheus Pereira mostrou seu melhor futebol no Cruzeiro justamente com Autuori, que permitia mais aproximações, mais jogo interno e movimentos mais longos de “toco e me vou”. O gol contra o Fortaleza no returno do Brasileirão 2023 é um exemplo perfeito disso: Matheus Pereira e Willian se aproximam e tabelam, construindo uma jogada a partir do movimento de “toco e me vou”, e não a partir da bola viajando entre as posições.
Everton Ribeiro, por sua vez, mostrou seus melhores momentos no Flamengo com treinadores que buscavam um jogo mais pausado e por dentro, como Jorge Jesus, Renato Gaúcho e Dorival Júnior, e passou maus bocados com Sampaoli, Vitor Pereira e Paulo Sousa, que buscava um jogo mais alargado e com meias mais finalizadores que construtores.
O Cruzeiro tem ótimos laterais que podem dar a amplitude que Larcamón quer e ótimos volantes passadores com Lucas Silva e a chegada de Lucas Romero, mas caso os meias do time acabem sendo Everton Ribeiro e Matheus Pereira, o técnico argentino precisaria negociar alguns princípios de jogo.
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