Brasil

A reação raivosa de Luxemburgo e cia com a onda de técnicos estrangeiros faz sentido?

Nem todos os treinadores antigos brasileiros receberam Carlo Ancelotti na Seleção com bons olhos

Semana passada, a CBF fez questão de demonstrar apoio para o seu novo técnico. Na apresentação de Carlo Ancelotti, Felipão estava no palco e Parreira apareceu em um vídeo fraternal exibido em um telão.

Mas a gente sabe que nem todos os técnicos brasileiros pensam igual. O Vanderlei Luxemburgo está liderando a reação raivosa da velha guarda. Não tem nada contra o Ancelotti, frisou na televisão. Mas “os técnicos no Brasil passaram a não prestar? Aqui, nós somos cachorros vira-latas. E a grande verdade. Nós aqui não prestamos, e o de fora vem aqui e presta muito mais.”

Concordo com o Luxa que, historicamente, os técnicos brasileiros têm sido subvalorizados. Com o Brasil, o crédito sempre vai para a genialidade dos jogadores e a culpa para a burrice de quem os comanda. É injusto.

Mas o desempenho dos últimos anos — especialmente da Seleção nas mãos de Diniz e Dorival — é um argumento bem forte para a necessidade de importar um comandante.

O que aconteceu, então, com os locais?

O próprio Luxemburgo detesta ser chamado de ultrapassado. Pode ter razão. Por outro lado, lembro bem o auge de Luxemburguismo, aquele período por volta de 1998, quando foi nomeado técnico da seleção brasileira.

Falava muito nos seus coletivos do aspecto tático do jogo. Argumentava que não ia ter nada de novo, nunca. Que tudo já tinha sido feito. E daí em diante, só dava para melhorar o desempenho individual do jogador, e não o coletivo.

Na época, ficava em dúvida. Será?

Hoje em dia, dá para ver quanto ele errou.

Deveria ter sido óbvio. Porque, melhorando os onze jogadores, é lógico que aparecem novas possibilidades coletivas. Um goleiro proficiente com os pés, por exemplo, vira um jogador a mais, permitindo uma saída da bola com a linha da defesa mais alta. O time inteiro com um condicionamento físico melhor, por exemplo, abre as chances de pressionar o adversário de uma maneira que não seria possível nos anos 90.

Pouco disso vingou no Brasil — por motivos claros. As condições de trabalho dos técnicos aqui são deploráveis. Não tem tempo para treinar, com tantos jogos e viagens. Não tem tolerância para novidades, pois três derrotas seguidas normalmente são suficientes para pôr um fim em qualquer trabalho. A consequência é que o futebol brasileiro desenvolveu técnicos sobreviventes, tachados para manter um emprego dentro de um sistema deficiente.

A estrada até um técnico estrangeiro na Seleção começou a ser pavimentada a partir da chegada de Jorge Jesus em 2019. O português armou o Flamengo de uma maneira que dificilmente um local faria na época, e o resultado foi um período mágico. E desde então, quase todos os melhores técnicos no futebol brasileiro tem sido estrangeiros.

Jorge Jesus foi campeão do Brasileiro e da Libertadores com o Flamengo (Foto: Imago)

Isso é fase. O fator mais importante é a reação dos locais. Podem tratar isso como uma inspiração, uma oportunidade de aprender e se superar — como aconteceu no passado, quando tantos técnicos brasileiros foram melhorados competindo com e contra nomes como Ondino Viera, Fleitas Solich e Bela Guttman.

Alternativamente, podem mergulhar num poço de pena de si, brigando com os fatos e reclamando que estão enfrentando uma concorrência desleal de favorecidos de fora.

Parece que a gente está vendo um excesso do último e uma insuficiência do primeiro. Isso é futebol. Ninguém ganha nada de graça. Se os técnicos brasileiros estão a fim de recuperar a sua grandeza, mãos à obra — e pode usar as mesmas mãos para jogar fora essa capa deprimente de autopiedade.

Foto de Tim Vickery

Tim VickeryColaborador

Tim Vickery cobre futebol sul-americano para a BBC e para a revista World Soccer desde 1997, além de escrever para ESPN e aparecer semanalmente no programa Redação SporTV. Foi declarado Mestre de Jornalismo pela Comunique-se e, de vez em quando, fica olhando para o prêmio na tentativa de esquecer os últimos anos do Tottenham Hotspur.
Botão Voltar ao topo