Linha de três nem sempre é jogar com três zagueiros
No Brasil sempre houve muito preconceito com sistemas de jogo que comecem com o 3, ainda hoje as associações muitas vezes são equivocadas

Sebastião Lazaroni arrumou para a cabeça quando montou um sistema de jogo com três zagueiros para o Brasil na Copa de 1990. O termo ainda não existia no significado atual, mas ele foi praticamente cancelado. Falar em três zagueiros no Brasil era um convite para ser queimado em fogueira na praça pública do futebol.
A seleção de Lazaroni não fracassou em 1990 por causa, somente, do sistema de jogo. Demorou muito tempo para que o sistema com três atletas na linha defensiva fosse reabilitado no Brasil. A conquista da Copa de 2002 com o Brasil jogando quase todo o tempo com linha de três zagueiros formada por Lúcio, Edmílson e Roque Jr. contribuiu para que parte do preconceito caísse por terra.
Cabe ressaltar que nas partidas contra Turquia (primeira fase), Bélgica, China e Costa Rica, o Brasil jogou com linha de quatro na defesa.
Um pouco antes da Copa de 2002, a conquista da Copa do Brasil de 2001 pelo Grêmio, com Tite – ele mesmo – montando um sistema com três zagueiros, havia contribuído para a reabilitação.
Como sempre acontece no Brasil, o sucesso dita moda também no futebol. Após a conquista do penta o sistema com três zagueiros virou paleta mexicana. Muita gente usava, mesmo sem saber como ou porquê. Mas estava na moda.
Ainda hoje o debate persiste.
Como treinador mais longevo em atividade no Brasil, o português Abel Ferreira e seu vitorioso Palmeiras ajudam a explicar as diferenças no uso dos sistemas com três jogadores na linha defensiva e suas variações. Azeitado, o Palmeiras faz isso de forma quase automática, de jogo para jogo e durante as partidas.
O Verdão utiliza a saída de bola com três jogadores. O que não é a mesma coisa que jogar com três zagueiros. Principalmente quando a linha de três é formada por dois zagueiros e um lateral. Outra situação acontece quando, atuando num sistema com quatro homens de defesa – dois laterais e dois zagueiros –, a equipe adota a saída de três recuando um meio-campista entre os dois zagueiros e liberando os laterais como alas. Essa movimentação tem como objetivo mexer com o posicionamento dos laterais e meio-campistas adversários, procurando criar espaço para passes verticais ou lançamentos em profundidade para os laterais/alas no buraco criado pela subida da linha defensiva adversária. Isso acontece porque quando o volante recua, automaticamente os atacantes e meias adversários avançam, trazendo com eles as outras linhas da equipe.
O Palmeiras faz muitos gols com esse tipo de movimentação, ora utilizando um volante recuado e principalmente na formação com três defensores na versão dois zagueiros e um lateral. A variação acontece com Piquerez e Marcos Rocha. Um exemplo dessa movimentação é o gol de Raphael Veiga na final da Libertadores de 2021. Mayke avança com ala, Gómez ocupa a faixa direita da defesa, e Luan e Piquerez fecham a linha de três na saída. O Flamengo avança as linhas percebendo o recuo de bola palmeirense e surge o espaço para o lançamento de Gómez para Mayke, rompendo a compactação e abrindo espaço para o avanço do lateral e a chegada de Veiga para concluir dentro da área.
Discordo quando vejo companheiros dizerem que o Palmeiras joga com três zagueiros quando vai a campo com Marcos Rocha, Gustavo Gómez e Murilo. Rocha não é zagueiro. É um lateral que atua como organizador na linha de três defensiva, muitas vezes migrando para o meio e abrindo espaço para que um dos meias jogue na composição pelo lado direito, além de fazer muitos passes longos para gols. É uma situação tática muito diferente da que o Palmeiras apresenta quando Abel escala Gómez, Luan e Murilo na linha defensiva. Nesses casos, Rocha e Piquerez são alas de fato e ajudam a fechar uma linha de cinco homens sem a bola, evitando que o adversário faça uso do que se chama hoje de amplitude, com atacantes correndo muito perto das linhas laterais.
O mais comum no Palmeiras atualmente é que com a bola o time comece as jogadas com três defensores, sendo dois zagueiros e um lateral. A partir daí, a evolução do sistema se faz na forma de um 3-1-3-2, como destaca o treinador. Um meio-campista mais recuado, três meias, sendo um central e dois laterais, e um atacante avançado. Quando joga sem a bola, o Verdão geralmente marca com uma linha de quatro jogadores, fecha o meio com mais quatro e deixa dois homens adiantados, quase sempre Raphael Veiga sendo o mais próximo do centroavante, quando não atuando como homem de frente mais avançado.
É uma pena que muitas das perguntas que são feitas a Abel Ferreira nas coletivas não passem pelos aspectos táticos e de sistema de jogo. O treinador às vezes dá algumas dicas, mas poucos colegas mordem a isca.
Existem muitas variações táticas dentro dos sistemas de jogo. Ainda se confunde muito isso no Brasil, tática com sistema e estratégia.
Muitas vezes perde-se tempo tentando demonstrar erudição com termos de cursos de treinador nas análises. Talvez no desejo tolo de agradar os professores.
Falar de tática é bom, é divertido e pode ser mais direto e menos empolado.
Infelizmente os treinamentos na atualidade são tratados como segredos de Estado. Ninguém vê nada. Alguns treinadores se defendem com frases como “vocês não veem o que fazemos nos treinamentos”. Claro que não vemos, é quase sempre proibido e quando pinta uma brecha é no fim, quando nada mais acontece em termos táticos.
Um bom exemplo de como é difícil avaliar situações é o caso do colombiano James Rodríguez, que passou feito cometa de pouco brilho pelo São Paulo. A versão oficial sempre foi de que treinava bem, se dedicava, mas praticamente não jogou sob o argumento de falta de intensidade para acompanhar o ritmo brasileiro. Como alguém pode contestar essa narrativa se os treinos do Tricolor são fechados?
Esse debate poderia ser mais rico se não estivesse confinado a entrevistas protocolares de treinadores antes dos jogos e coletivas tensas.
O Brasil segue sem valorizar o espetáculo como conteúdo.