O tempo de Abel Ferreira: técnico está incomodado, e recados precisam ser interpretados pelo Palmeiras
Mais que o conhecimento futebolístico do treinador campeão brasileiro, é a sabedoria na gestão do tempo e das pessoas que se destaca em sua incrível trajetória

A capacidade profissional de Abel Ferreira é indiscutível. O treinador português que mudou a história do mais italiano dos clubes brasileiros construiu um trabalho consistente, vencedor, moderno. A união da capacidade de Abel com a estrutura do Palmeiras é a tempestade futebolística perfeita.
Além das muitas virtudes táticas e de planejamento, Abel Ferreira disse algo em sua entrevista coletiva de campeão que deve ser interpretado com sabedoria. Perguntado sobre o futuro, se permaneceria no comando do Alviverde, ele respondeu: “preciso de tempo para gastar meu dinheiro”.
Esta é a senha para que a presidente do Palmeiras, Leila Pereira, uma especialista em dinheiro, possa negociar melhor o tempo com seu vitorioso treinador e convencê-lo a permanecer no clube. Mesmo um clube brasileiro rico e poderoso como o Palmeiras não consegue disputar financeiramente com uma proposta do Catar. Então, o tempo valerá mais do que o dinheiro.
O futebol brasileiro é extenuante. Calendário, cobrança, distâncias, gramados ruins, variações climáticas. Três anos de futebol brasileiro equivalem a uma década na Europa. Abel Ferreira tem dado seguidas pistas sobre esse incômodo, ainda que exagere em algumas afirmações, como aquela do Sistema. O Palmeiras doze vezes campeão brasileiro tem compromisso marcado pelo Campeonato Paulista em 17 de janeiro de 2024. Jogo para valer. Serão 41 dias entre o início das férias e a estreia no estadual. Os profissionais do futebol têm direito a 30 dias de férias como qualquer trabalhador. É impossível preparar uma equipe decentemente para uma temporada desgastante com dez, doze dias de pré-temporada. Inclusive no aspecto mental.
O calendário do futebol brasileiro existe para atender a interesses políticos, empresariais e econômicos e coloca o futebol e seus profissionais em segundo plano. Federações, que elegem presidentes de Confederação, buscam um protagonismo que não deveria nem sequer entrar em pauta para um calendário racional. Não se trata de extinguir os estaduais, mas fazê-los dentro de sua realidade e importância.
Quando Abel fala em tempo para gastar seu dinheiro ele embute em sua declaração alguns recados importantes. Existe um incômodo em parte da sociedade brasileira com os salários de profissionais do futebol. Assim como persiste a desinformação sobre o fato de que apenas 2% dos profissionais de futebol têm remunerações milionárias. Essa mesma sociedade cobra dos atletas e treinadores mais bem remunerados desempenhos de máquinas. Não importa o quanto receba um profissional do futebol, ele tem direito a usufruir dos mesmos altos e baixos, alegrias e tristezas da aventura humana de qualquer outro trabalhador.
Essa aventura humana aplicada ao jogo de bola é outra das chaves do sucesso de Abel Ferreira. Quando ele chama seus atletas de filhos e diz que são parte de uma família pode-se interpretar como um velho chavão do futebol. Mas nas entrelinhas está outro segredo: a gestão do grupo de pessoas. O nível de entrega e a capacidade de recuperação demonstrada pelo time do Palmeiras é reflexo de um regime diferenciado de trabalho, inclusive, nas relações humanas.
Na outra ponta da tabela, Santos amarga rebaixamento
O sorriso escancarado dos palmeirenses contrasta com a imensa tristeza dos santistas. Na primeira temporada sem a presença física do Rei Pelé, o Santos cumpriu o destino que estava traçando há algum tempo: o do rebaixamento. O flerte tornou-se fatal numa temporada em que todas as barbeiragens possíveis na gestão de um clube foram praticadas pelos dirigentes do Peixe. Some-se a isso um grupo tecnicamente fraco e com pouco compromisso histórico com a instituição e temos o efeito inverso da tempestade perfeita palmeirense. O Santos precisa escolher qual futuro oferecerá aos seus torcedores: ser um time de meio de tabela de um clube com uma das mais belas histórias do futebol mundial ou honrar a história do clube como time. Rebaixamento é dolorido, mas não é o fim. A prova disso é o Palmeiras hegemônico de hoje, que caiu duas vezes e soube se reinventar melhor e mais forte.