Brasileirão Série A

Felipão tem razão ao citar falta de criação do Atlético-MG, mas a culpa disso é dele mesmo

Falta de criação ofensiva do Atlético-MG passa muito pelo estilo de jogo que Felipão impôs ao time

O Atlético-MG vive um problema na criação do time, que não vem demonstrando muito brilho no setor ofensivo. Essa questão ficou evidente na última partida, quando o Galo perdeu em casa para o Coritiba, e foi citada pelo próprio Felipão, que só esqueceu de avisar que a falta de criatividade do time também é culpa dele.

Contra o Coritiba, o Atlético praticamente só fez o gol, não conseguiu criar nenhuma outra grande chance que levasse perigo ao gol adversário, mesmo ele sendo a pior defesa do Campeonato Brasileiro. A falta de criatividade do time ficou escancarada, com o próprio Felipão admitindo isso, mas afirmando que é pelo clube não ter jogadores com características do tipo:

– Temos que analisar que, se queremos jogar, propor o jogo, temos que saber muitas vezes que isso vai nos dificultar alguma coisa. Não temos esses jogadores totalmente criativos. Temos uma capacidade muito boa, mas dentro dela temos que nos adaptar a uma situação.

Felipão até tem razão sobre o Atlético não ter jogadores tão criativos. Os pontas de drible e velocidade, como Keno e Ademir, deixaram o time. O cérebro do meio campo, jogador diferenciado que tirava passes para gol “do nada”, Nacho Fernandez, também saiu. Mas o treinador também está certo ao dizer que a capacidade do time ainda é muito boa, só que, o que apresenta sob o comando dele, não reflete isso.

Números ofensivos do Atlético caíram com Felipão

Historicamente, Felipão sempre foi visto como um treinador defensivo, que dá prioridade para as defesas. No Atlético, ele conseguiu dar ainda mais consistência para uma defesa que já tinha bons números na temporada. No entanto, na outra ponta do campo, o time caiu de produção. Na comparação com Coudet, que foi o treinador que esteve à frente do Galo nas 10 primeiras rodadas do Brasileiro, o time perdeu muito poder ofensivo.

Com Coudet, o Atlético tinha médias de 1,4 gol por jogo, com 15,2 chutes, sendo que 5,8 iam em direção ao gol. Já com Felipão, as médias caíram para um gol por jogo, 12,8 finalizações, com 4,3 no gol. Além disso, uma estatística que foi introduzida recentemente e serve para calcular o perigo dos chutes, que é o expected goals (xG), também caiu. Nos 10 jogos do argentino, o Galo teve 16 de xG, já com Scolari, o número é de 16,7, só que com seis jogos a mais na conta. No fim, o alvinegro tem quase 0,6 de diferença no xG com os treinadores.

Outros dados que comprovam a queda de rendimento do setor ofensivo do Atlético são as ações do time no último terço do campo, ou seja, mais próximo do gol adversário. Com Coudet, o Galo teve 243 ações (dribles/passes) de criações de chutes, uma média de 24,3 por partida. Além disso, os toques do time na bola na parte ofensiva do campo foram 1507, uma média de 150,7 por jogo. Com Felipão, as ações que criam chutes foram 2240, o que dá uma média de 21,8 por jogo, e os toques no comando de ataque foram 2240, média de 140 por jogo. Ou seja, são mais duas estatísticas ofensivas que mostram a queda do time no setor. Não a toa, o Atlético caminha para ter o pior ataque de sua história nos pontos corridos do Brasileirão.

Números ofensivos do Atlético no Campeonato Brasileiro
Com Coudet Com Felipão
10 jogos
14 gols – 152 chutes (15,2 p/jogo) – 58 no gol (5,8 p/j)
16 xG – 1,6 p/j
Ações de criações de chutes: 243 (24,3 p/j)
1507 toques no terço de ataque (150,7 p/j)
96 passes chave (9,6 p/j)
16 jogos
16 gols – 206 chutes (12,8 p/jogo) – 70 no gol (4,3 p/j)
16,7 xG – 1,04 p/j
Ações de criações de chutes: 350 (21,8 p/j)
2240 toques no terço de ataque (140 p/j)
154 passes chave (9,6 p/j)
*Dados do FBRef

Mas não só os números caíram

No futebol, as estatísticas servem para exemplificar algumas coisas, mas muitas vezes precisam ser usadas como completo a algo. Por exemplo, mesmo com os números mais baixos no ataque, o time de Felipão poderia ter feito mais gols. Por isso, é importante também analisar o jogo jogado e não só os números. Nesse caso, o time de Scolari também sai perdendo.

O Atlético é visivelmente um time menos ofensivo. É notório nos jogos que, quando o time abre o placar, ele recua ao invés de seguir no ataque buscando mais gols para matar o jogo. O time de Felipão também se mostra mais reativo, ou seja, precisa ser atacado para responder. Por diversas vezes, quando o Galo tem que tomar as ações do jogo, ele sofre, como o próprio treinador citou.

– A gente quando tem que propor o jogo, temos dificuldades e temos que saber disso. Temos que saber disso e vamos trabalhar assim até o fim do ano.

A queda ofensiva do time é notória para qualquer um que acompanhou o ano do Atlético. Com Coudet, por exemplo, em vários jogos o time do Galo foi superior, criou chances e finalizou mais que o adversário, mas acabou sem o resultado, como por exemplo na estreia do Brasileirão, quando perdeu para o Vasco. Já com Felipão, é o contrário que acontece. Há duas rodadas, contra o Inter do próprio Coudet, o alvinegro foi dominado, mas venceu por 2 a 0, apostando em contra-ataques e falhas do adversário.

É claro que ter um time que ataca muito e não marca gols suficientes é um demérito de Coudet, enquanto ter um time que ataca pouco, mas consegue gols suficientes pois se defende bem, é mérito de Felipão. Se você foca na defesa, em não tomar gol, você está mais próximo de vencer, pois um gol seu te dá os três pontos. Mas nem sempre isso vai acontecer, como no jogo contra o Coxa, e é nesse momento que seu time precisa estar preparado para atacar, criar mais e fazer mais gols. Mas o time de Scolari mostrou que não está pronto para isso. Ficou a sensação de que, se a defesa não segurar, o ataque não vai conseguir reverter um ou dois gols, apesar de ter qualidade para isso.

Felipão tem qualidade há disposição

Como o próprio Felipão disse, o Atlético não tem muitos jogadores de criatividade, mas tem uma capacidade de criação boa, que não está sendo usada. Contra o Coxa, o treinador não teve Pedrinho, que é esse jogador mais diferenciado e que vinha fazendo grandes jogos, sendo o motor criativo do meio campo. Mas ele ainda teve Igor Gomes, que foi o escolhido para ser o titular, e Hyoran, que nem saiu do banco, dois meias de criação, que tem características diferentes, mas que também podem ajudar muito o time no quesito quando acionados.

O próprio Felipão também citou que escolheu colocar Alan Franco como volante para dar mais liberdade a Igor Gomes, o que não funcionou e ele trocou já no intervalo, colocando Zaracho em campo, outro jogador que pode ajudar na criação, mas que também não resolveu muito a história. Fora os meias, o Atlético ainda tem atacantes que sabem criar, como Hulk, Paulinho e Pavón. O último deles vive má fase, mas foi quem deu o lançamento que iniciou a jogada do gol atleticano, por exemplo.

Zaracho, Pedrinho, Edenílson e Patrick, algumas da opções de meio campo que Felipão tem à disposição (Pedro Souza/Atlético)

Felipão se recusa a testar a base

Além desses jogadores já consagrados, Felipão tem uma arma que parece se recusar a usar, que é a base. O Atlético tem nas suas categorias inferiores dois ou três jogadores de criação que poderiam estar ajudando o time no profissional. São eles: Yan Philippe, de 19 anos, camisa 10 do sub-20; Alisson Santana, de 18 anos, que foi lançado por Felipão na péssima fase do Galo de nove jogos sem vencer, entrou bem, mas nunca mais foi acionado; e Mateus Iseppe, maior joia do clube no momento que nem treina com os profissionais ainda.

Esses três jogadores certamente poderiam auxiliar o time principal na criação de jogadas, pois possuem essas características. Amigo de Felipão, Abel Ferreira viu de perto no Palmeiras na última semana quando o time dele melhorou ofensivamente com alguns garotos em campo. No Atlético, os jovens não tiveram chance de mostrar se já conseguem mudar os rumos de uma partida. Alisson foi o único que jogou com Scolari, entrou colocando fogo no jogo contra o Corinthians e dando assistência para um gol anulado contra o Grêmio, mas quando parecia hora dele engrenar, foi colocado de lado de novo e parou de ter chances.

Foto de Alecsander Heinrick

Alecsander HeinrickSetorista

Jornalista pela PUC-MG, passou por Esporte News Mundo e Hoje em Dia, antes de chegar a Trivela. Cobriu Copa do Mundo e está na cobertura do Atlético-MG desde 2020.
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