Um pênalti equivale a quantos chutes a média distância? A partir do xG, ou expected goals, é possível calcular
É possível calcular algo assim? Nesta coluna do Critério de Desempate, mostramos que este é um dado muito útil
O futebol tem uma estatística que importa: o gol. É a variável que decide tudo, toda hora, o tempo todo. Todo o resto da numeralha que a gente vê tem o único propósito de tentar entender como essa variável se comporta. Como prever, como marcar mais, como tomar menos.
Entre todas as métricas utilizadas, uma em especial tem ganhado destaque no campo estatístico: o xG, uma sigla já consolidada para o termo Gols Esperados (expected goals, em inglês). Essa variável define quantos gols se espera que sejam marcados a partir de uma configuração do jogo. Como o objetivo aqui não é entrar no detalhe, este texto para entender melhor o que significa. E não, definitivamente não vou empilhar fórmulas pra mostrar como é calculado.
Antes de avançar para a parte prática, eu preciso de um pouco de teoria e contexto. Será uma sessão curta, assim como os textos de apoio, dá pra pular essa parte chata do texto. Ainda assim, eu gostaria que o leitor acompanhasse, porque a ideia é fundamentar o que será apresentado na sequência.
Como interpretar o xG
Bom, para as seis pessoas que continuam comigo, vou apresentar os arcos dos chutes. Um expoente da análise de dados hoje é David Sumpter, autor do livro Soccermatics e um dos idealizadores do canal Friends of Tracking no Youtube. É dele a imagem abaixo, que mostra que os chutes realizados mais próximos ao gol e com maior ângulo têm maiores chances de serem convertidos.
Essa te surpreendeu, confesse, aposto que não esperava. Mas mais que o óbvio, a imagem o quantifica: Sumpter diz que, em média, um chute feito dentro do círculo menor tem 30% de chance de se tornar gol. À medida que a posição do finalizador se distancia da meta, ela cai para 15%, 7% e então 1%.
Voltando para o xG, o valor desta variável é uma probabilidade. Para cada chute, são considerados não só distância e ângulo, mas posição dos defensores, tipo do chute, tipo da assistência, enfim, diversas variáveis. Sendo uma probabilidade, o valor de um xG varia entre 0 e 1. O gol de Mauro Boselli contra o Fortaleza provavelmente teve um xG de bem próximo de 1, enquanto ” teve um xG de praticamente 0.
Na teoria da probabilidade (também não vou detalhar demais, confiem em mim ou procurem mais fontes, mas eu juro que é verdade), quando se quer saber a chance de acontecer uma ou outra coisa, as probabilidades são somadas. Então, a soma dos xG de cada chute de um time determina o xG do time em uma partida. E é com base nisso que se fundamenta o resultado a seguir. [Nota: não considerei aqui a probabilidade condicional; sabendo o resultado de um chute, a probabilidade muda. Tem várias fontes mas eu sugiro esse vídeo pra sacar essa ideia]
Uma última coisa importante sobre o xG, e é bom que isso fique nessa seção mais nerd do texto: essa variável é capaz de prever os gols marcados melhor que a própria variável gols marcados. A imagem abaixo mostra isso.
Cada gráfico mostra a relação entre uma variável específica e os gols marcados, e o ajuste linear entre eles. Os dados são da Premier League, temporadas 2012/13 e 2013/14. O primeiro gráfico usa o histórico dos gols marcados como variável preditora. O segundo é o TSR, que é uma proporção entre chutes feitos e chutes sofridos. O último é o nosso protagonista, o xG. A reta em cada gráfico é a regressão, ou a previsão dos gols, e o R² mede quão boa é a aproximação – quanto maior, melhor. Em ordem, os resultados são 0,5167, 0,5524 e 0,5892. É uma loucura, uma variável fictícia se comportar melhor que uma variável real. Mas ué, o futebol é uma loucura, então isso não deveria ser surpresa.
Como usar o xG na mesa de bar
Vamos pegar um jogo real pra entender o que significa um xG na prática. Como a ideia do Critério de Desempate é priorizar o Brasileiro como exemplo, escolhi Fluminense 0x1 CSA. Fatos do jogo: O CSA deu sete chutes para o gol. O Fluminense deu 32. Para esta partida, o xG do Fluminense, segundo o FiveThirtyEight.com, era de 2.25, enquanto o do CSA era de 0.47. Quer dizer, o resultado mais provável seria um 2×0 pro Fluminense.
Mas quão provável? Bom, eu rodei uma simulação desse jogo. Uma não, dez mil. Se Fluminense e CSA jogassem 10 mil vezes, dando exatamente os mesmos chutes para o gol, como esse jogo terminaria? A simulação deu 78.89% vitórias do Fluminense, 5.9% foram vitórias do CSA e 15.21% foram empates. O 2×0 foi mesmo o resultado mais comum, enquanto o 0x1 foi o DÉCIMO PRIMEIRO mais frequente (até o 5×0 apareceu mais que a vitória do CSA). Na Figura 3, as linhas são os gols do Fluminense, as colunas são os gols do CSA e a o conteúdo é a porcentagem de cada placar.
Então você, torcedor do Flu, pode bater na mesa do bar (depois da pandemia, por favor) e falar que “se jogasse mais 10 mil vezes a gente ganhava”. A não ser que você seja pessimista como eu, que me assustei com a quantidade de 1×4 que apareceu ali na tabela.
Quantos chutes vale um pênalti?
Bom, vamos para a prática. Primeiro, a parte direta. Um pênalti tem, na média histórica, 76% de chance de gol. Ou seja, o xG de um pênalti é 0.76 – vai variar de acordo com o cobrador, o goleiro, o estádio, mas esse é um valor de referência bem aceito.
Pra definir um chute de média distância, vamos usar os arcos do Soccermatics, ali na Figura 1. Do mais perto do gol para o mais longe, vamos chamar as distâncias de NENHUMA, curta, média e longa. Então, considere o chute de média distância quando vem da meia lua, da grande área, mas não bem de frente pro gol ou do bico da pequena área. Um chute nessa região tem, na média, 7% de chance de entrar, ou um xG igual a 0.07, dá na mesma.
Qual a chance de um gol em dois chutes de média distância? É a chance de um ser gol ou o outro ser gol. Isso dá 0.07 + 0.07 = 0.14. Seguindo assim, após 11 chutes dessa região, teríamos 11*(0.07) = 0.77, que é praticamente a mesma chance do pênalti. Então é isso, em termos de chance de gol, um pênalti equivale a ONZE chutes.
Mas aí eu voltei no meu código e simulei 10000 vezes como seria um jogo em que um time, o CF Penaltiense, tem um pênalti a favor no jogo. O adversário, o Abriu Chutou FC, dá 11 chutes. O resultado foi o seguinte: 34.28% de vitórias do Penaltiense, 26.47% de vitórias do Abriu Chutou, e 39.25% empates.
Mesmo com as chances equilibradas, o Penaltiense ainda se saiu melhor que o Abriu Chutou. Veja o que acontece então se, na segunda simulação, o juiz dá um pouco de acréscimo e dá tempo de mais um chute: Penaltiense ganha 31.78% dos jogos, Abriu Chutou ganha 30.11%, com 38.11% de empates.
Agora sim, vê-se equilíbrio. Pra não brigar nem com a estatística nem com a simulação, a conclusão é que são necessários entre 11 e 12 chutes de média distância pra equilibrar um pênalti sofrido. Não é fácil compensar: se você lembra bem do primeiro texto aqui da coluna, vai lembrar que o Atlético-MG foi o líder em finalizações no Brasileiro de 2019, e o time deu 16,5 chutes em média do por jogo. Mas cada jogo é um jogo, e um pênalti pode ir pra fora enquanto um chute com xG 0.07 pode virar gol – e esta é, pra mim, a definição estatística de golaço.
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