Ásia/Oceania

‘Flamingo bandido’: Messi tenta, mas não está fácil superar o cancelamento em Hong Kong

Organizadora e autoridades locais ficaram sabendo apenas 15 minutos antes que Messi não jogaria amistoso; nem explicação do argentino mudou as opiniões sobre ele

O que era para ser um amistoso festivo, de muitos aplausos, ovações e talvez gols se transformou em ódio de um populoso e importante território da Ásia. Dos mais de 7 milhões de habitantes de Hong Kong, praticamente todos estão furiosos com Lionel Messi, já que o argentino não atuou na partida amistosa entre a seleção local e o Inter Miami.

Recentemente, o site do jornal South China Morning Post publicou um vídeo entitulado ‘Por que Hong Kong odeia Messi', e nele, o editor-chefe do periódico, Yonden Lhatoo, ofende o astro.

– Todo petulante como um flamingo bandido. Todo mundo que olha para ele poderia muito bem estar olhando para uma bailarina de tutu -, afirmou o irritado jornalista.

O cancelamento contra Messi começou no dia 4 de fevereiro deste mês. O Inter Miami fez um tour por diversos países da Ásia, usando a imagem do argentino e também dos astros Luis Suárez, Sergio Busquets e Jordi Alba para atrair fãs e internacionalizar a marca do clube. Porém, no dia da partida entre Hong Kong e o time dos Estados Unidos, que terminou com vitória dos visitantes por 4 a 1, Messi não entrou em campo por conta de uma lesão na virilha. Já para o fim do jogo, a torcida local começou a se revoltar, pedindo a entrada de Messi e logo depois gritando ‘reembolso' em cantonês, já que os presentes gastaram até 640 dólares, e não puderam assistir ao melhor jogador do mundo em campo.

Surpresa ingrata

Responsável por organizar a partida e fazer a ponte entre o governo de Hong Kong e o clube, a empresa Tatler Asia prometeu reembolso de até 50% dos ingressos para os torcedores, e em entrevista ao site The Athletic, o presidente da organização, Michel Lamuniere, jogou a responsabilidade para o Inter Miami e revelou detalhes do contrato.

– No domingo, 4 de fevereiro, antes do início do jogo, a ficha oficial da equipe, uma lista dos jogadores que estão disponíveis para jogar, que foi apresentada pela equipe do Inter Miami CF e assinada pelo técnico Gerardo Martino, mostrou Lionel Messi e Luis Suarez como substitutos e, portanto, aptos para jogar. Consequentemente, a Tatler Asia tinha todas as expectativas de que ambos jogariam.

– Quinze minutos antes do início do jogo, ouvi dizer que havia um possível problema e que a equipe médica do Inter Miami estava trabalhando com Messi na esperança de que ele ainda pudesse jogar. O resto do primeiro tempo foi gasto tentando encontrar uma solução para Messi continuar jogando, conversando e se movimentando pelo campo.

– Estamos avaliando todas as opções e interagindo com todos os parceiros para discutir possíveis soluções. Isto não inclui apenas o Inter Miami, mas todas as partes envolvidas, incluindo o governo e os agentes de Hong Kong. Temos estado em constante comunicação com o clube, incluindo o coproprietário David Beckham, e na Tatler procuramos sempre encontrar soluções com uma comunicação transparente e construtiva, afirmou o executivo, que ainda disse ter pedido para Beckham e o próprio Messi falarem com a torcida, mas sem sucesso.

Messi se desculpou

Para piorar a situação, poucos dias depois, tanto Messi como Suárez atuaram contra o Vissel Kobe, em outro amistoso, mas jogado no Japão. Isso deixou a população de Hong Kong extremamente ofendida. O Departamento de Cultura, Esportes e Turismo de Hong Kong emitiu um comunicado reclamando que ‘três dias depois de não atuar em Hong Kong, Messi pôde jogar ativa e livremente no Japão. Na rede social Weibo, ficou famosa uma hashtag chamada ‘milagre médico'.

Na mesma rede social asiática, em que ele tem 8 milhões de seguidores, Messi se desculpou e tentou se explicar aos fãs de Hong Kong.

– Foi uma pena não poder jogar em Hong Kong outro dia devido a uma lesão na virilha que inchou e eu estava com dores. Quem me conhece sabe que quero jogar sempre, é isso que quero sempre, dar o meu melhor em qualquer jogo. E especialmente nesses jogos, quando viajamos tão longe e os fãs estão tão ansiosos para nos ver participando do jogo de forma saudável.

Mas não adiantou muita coisa. Nas redes sociais, torcedores reclamaram de amigos que saíram chorando após viajarem muitos quilômetros, enquanto outros pressionam empresas asiáticas a terminarem contratos com o camisa 10 do Inter Miami e da seleção argentina.

China cancelou amistoso

A repercussão foi tão negativa que o governo chinês, que comanda o território independente de Hong Kong cancelou um amistoso que estava marcado contra a Argentina frente à seleção local. A Albiceleste faria uma turnê pela China entre os dias 18 a 26 de março para jogar contra Nigéria, em Hangzhou, no leste do país, e contra Costa do Marfim, em Pequim. A visita da Argentina ao continente asiático seria o último passo da preparação de Lionel Scaloni e companhia para a Copa América, que será disputada nos Estados Unidos, entre junho e julho.

Segundo o The Athletic, parte da raiva vinda de Hong Kong se deve ao fato da tentativa do governo ter tentado refazer a boa imagem do território e de seu povo frente ao mundo. Nos últimos anos, bloqueios por conta da covid-19 e protestos contra o governo fizeram com que milhões de pessoas deixassem de visitar o território, localizado no sudeste asiático.

Sam Goodman, diretor sênior de políticas do Instituto de Riscos Estratégicos da China e consultor do Hong Kong Watch, uma ONG que já foi alvo do governo, explicou o motivo de tanto ódio, instigado pelo próprio governo.

– Você teve três anos de repressão bastante draconiana aos direitos básicos na cidade. Prenderam um grupo de ativistas pró-democracia, antigos legisladores e jornalistas. Eles propuseram agora outra lei de segurança, cuja consulta foi lançada alguns dias antes do Inter Miami ir para Hong Kong. Inclui a extensão da lei de segredos de Estado na China continental a Hong Kong, reprimindo informações básicas que possam sair da cidade, sejam elas informações financeiras ou informações sobre a política externa do governo de Hong Kong. Esse é o pano de fundo deste jogo.

A ausência de Messi não é a primeira decepção para a população de Hong Kong. Recentemente, Taylor Swift, Harry Styles e o Coldplay deixaram de fazer shows na ilha, escolhendo realizarem seus tours por Japão e Singapura. Há muita coisa envolvida que foge ao campo sobre o argentino não ter atuado. Mas certamente as autoridades locais estão fazendo o trabalho de instigar orgulho na população através do ódio. E não a um político, e sim a um dos maiores atletas de todos os tempos, que vive do outro lado do mundo.

Foto de Vanderson Pimentel

Vanderson PimentelRedator de esportes

Jornalista formado em 2013, e apaixonado por futebol desde a infância. Em redações, também passou por Estadão e UOL.
Botão Voltar ao topo