Sul-Americana

A mudança de estádio enfatiza o fracasso da ideia de final única na Sul-Americana

Conmebol parece temer outro fracasso de público na Sul-Americana e leva a final para Punta del Este, num estádio para 22 mil espectadores - uma capacidade menor que a exigida pela própria entidade para as semifinais

A Conmebol perdeu mesmo os pudores de mudar o local de realização das finais continentais às vésperas de suas realizações. Anteriormente, problemas políticos e sanitários provocaram uma série de transferências nos palcos das decisões da Libertadores e da Copa Sul-Americana. Porém, a canetada de Alejandro Domínguez agora veio sem motivo oficial, mas com uma razão aparente. A finalíssima da Copa Sul-Americana ocorreria (de novo) no Estádio Centenário, em Montevidéu. Entretanto, a um mês e meio da disputa da partida, a Conmebol anunciou a mudança para Maldonado / Punta del Este. Continua no Uruguai, mas num estádio menor – ao que tudo indica, para que o fracasso das arquibancadas vazias não fique exposto de novo.

A escolha do Centenario como sede da final já tinha sido passível a críticas. A Conmebol insiste nas finais realizadas no país, por sua boa relação com o governo uruguaio e a situação estável por lá – diferentemente do que ocorre em muitos vizinhos. No entanto, a onipresença do Centenário nas decisões só mostrava como o escopo para as finais únicas na América do Sul é limitado. E não que os primeiros eventos em Montevidéu tenham sido um sucesso, em especial pelo vazio imenso que ocorreu no Athletico Paranaense x Red Bull Bragantino em 2021, quando a situação da pandemia tinha restrições.

A final da Copa Sul-Americana de 2023 ainda pode contar com uma torcida estimada nas dezenas de milhões de pessoas – o Corinthians. De resto, os demais clubes são de proporções menores. O Fortaleza possui um número expressivo de torcedores, mas numa empreitada mais difícil (e cara) de atravessar o continente rumo ao sul. O mesmo vale para a LDU Quito, com viagens ainda mais custosas do Equador. E o Defensa y Justicia é praticamente um clube de torcida concentrada em seu bairro em Buenos Aires. As chances de ver o Centenário com grandes vazios era enorme. Mesmo a torcida do São Paulo não foi capaz de atenuar a sensação de fracasso com os 24 mil presentes na decisão de 2022 em Córdoba.

E a capacidade mínima?

A solução da Conmebol é curiosa, para não chamar de cretina. A entidade escolheu o Estádio Domingo Burgueño Miguel, em Maldonado, nas cercanias de Punta del Este. Alejandro Domínguez já começa citando a cidade turística para ver se consegue algum atrativo a mais para os seus “consumidores”. E não que o estádio tenha uma estrutura tão moderna. Construído para a Copa América de 1995, no máximo recebe jogos de competições de base, de rúgbi e as supercopas locais. A própria seleção uruguaia não atua por lá desde 1997. O xis da questão está na capacidade: com 22 mil espectadores, não terá chances de buracos como o Centenário.

É absurdo pensar que o Estádio Domingo Burgueño Miguel sequer seria capaz de receber uma semifinal da Copa Sul-Americana. A Conmebol exige que os estádios desta fase na competição continental tenham capacidade mínima para 30 mil espectadores. Mas a final pode? Essa ideia acaba ignorada para que a entidade não passe vergonha. E vale relembrar as muitas vezes que times foram prejudicados nas decisões continentais porque não puderam receber os jogos em seus estádios, impedidos pela capacidade mínima. A própria Copa Sul-Americana tem o exemplo de anos atrás da Ponte Preta, deslocada para o Pacaembu.

Para o negócio da Conmebol, vale muito mais a maquiagem. Como as semifinais não começaram, dá para mudar o palco da final como bem entenderem sem que ninguém argumente que os torcedores que compraram as passagens foram prejudicados. A ausência de clubes uruguaios também torna a transferência mais confortável. Além disso, a entidade pode jogar com o preço dos ingressos a depender do classificado. Se o Corinthians passar, com a demanda mais alta, não é de se duvidar que os valores se alavanquem. Caso passe o Fortaleza, com os custos da viagem, ingressos um pouco mais baratos – mas não muito. Não que a entidade deixe de lado seu lucro e a imagem de “moderna”.

Ninguém liga pras torcidas

Algo repetido mil vezes desde que a Conmebol optou pelas finais únicas: a grande riqueza do futebol sul-americano são as torcidas. Ainda que esse modelo de decisão seja mais interessante do ponto de vista comercial e até garanta boas doses de emoção em campo, ele se alija do verdadeiro calor das arquibancadas e do mais genuíno da América do Sul, aquilo que atrai atenção lá fora. Era legal demais ver as finais em dois estádios exatamente pelo impacto dos torcedores. Além de ignorar por completo essa importância dos mandantes, a Conmebol deixa claro que está interessada não no espetáculo das arquibancadas cheias, mas num modelo comercial em que pelo menos o estádio não pareça vazio.

A solução simples? Voltar com jogos de ida e volta. Pelo menos na Copa Sul-Americana, com uma abertura maior a clubes diversos chegarem às finais e também menor apelo aos grandes, seria bem mais fácil voltar atrás do que tentar driblar o inevitável. O fracasso do modelo é bem mais visível do que bem sucedido. Entretanto, Alejandro Domínguez e seus asseclas não parecem dispostos a dar o braço a torcer. Preferem muito mais fazer essa quizumba de mudar o estádio a um mês e meio da final. Na verdade, transformam a Sul-Americana num produto menor do que realmente é. E precisam agradecer aos céus (e ao cenário econômico) por clubes de massa dominarem a Libertadores nos últimos anos, senão a situação também seria pior. Ao menos dessa vez, ver o Maracanã cheio parece em menor risco. Essa a Conmebol não deve mudar.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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