Se vivo fosse, Telê Santana teria 93 anos. E certamente não faltaria história para contar. Quando Atlético-MG e Fluminense entrassem em campo nesta quarta-feira (25), às 19h (de Brasília), na Arena MRV, para decidir uma vaga nas semifinais da Libertadores, entretanto, não há dúvidas de que seu coração não estaria dividido.
O técnico que mais dirigiu o Galo, com 434 jogos oficiais, nunca escondeu que o Tricolor era seu clube do coração.
Desde a mineira Itabirito, na região metropolitana de Belo Horizonte, o então menino Telê já era um apaixonado pelas três cores que traduzem tradição. Isso antes mesmo de chutar uma bola.
A Trivela viajou para Belo Horizonte para as quartas de final da Libertadores, e nela encontrou Renê Santana, o filho do Mestre. A fala calma e o sorriso aberto do homem de 68 anos, que viveu quase toda sua vida na cidade, viraram emoção na primeira vez em que a palavra “Fluminense” saiu de sua boca. Os olhos se marejaram, e a lembrança do pai pegou forte.
— Telê foi um tricolor incorrigível até o fim de sua vida — resumiu.
Uma paixão arrebatadora pelo Fluminense
Embora tivesse aprendido a amar o Atlético Mineiro e depois o São Paulo, nada no coração de Telê se comparava ao Fluminense.
— O Fluminense foi o clube que ele escolheu. Os outros, no máximo, o escolheram — sintetizou o filho do Mestre.
O Tricolor foi uma paixão arrebatadora para o menino, que ouvia os jogos preso a um radinho de pilha sempre sintonizado na Rádio Nacional. Ainda que tivesse um irmão alvinegro, o time fantástico do Flu no fim dos anos 1930 conquistou o coração de Telê.
— O Fluminense, àquela época, era uma potência. O Brasil todo torcia para os times do Rio, e com mais títulos e um futebol bonito, o país parava para ouvir, ver ou saber como o Fluminense jogar.
Foi pelo Fluminense que o jovem franzino passou a jogar futebol. Sim, primeiro veio o Tricolor, e só depois a bola.
— Ele mesmo dizia que aos sete anos já escalava o Fluminense do goleiro ao ponta-esquerda. Só depois, meu avô, que foi goleiro, lhe deu uma bola de futebol. O resto ficou por conta do talento e do esforço — relembra Renê.
O carinho de Telê pelo Atlético Mineiro
O carinho pelo Atlético Mineiro tampouco passou desapercebido pelo coração de Telê Santana. Foi o que garantiu Renê nas quase duas horas de conversa em um café na Savassi, bairro nobre de Belo Horizonte.
Ao voltar para Minas Gerais, se sentiu acolhido por um clube que nem era o de sua família, americana como Zico, seu pai, que foi goleiro do Coelho nos anos 1930. A recepção calorosa dos atleticanos nunca foi esquecida. Isso porque Telê era idolatrado por comandar um dos times mais famosos da história do clube, em que conquistou seu primeiro grande título: o Campeonato Brasileiro de 1971.
— Ele se sentia muito envaidecido por ser o primeiro técnico campeão brasileiro, antes de terem reconsiderado os outros títulos. E a torcida do Atlético o venerava. Era uma relação linda, como um novo amor — contou Renê.
O filho que seguiu a carreira do pai no futebol
Renê Santana tinha 15 anos quando trocou o infantil do Fluminense, de Edinho, Cléber e Pintinho pelos juvenis do Atlético Mineiro de Toninho Cerezo. Tudo isso após começar a carreira no futebol de salão do Mello Tênis Clube, na Vila da Penha, onde morava.
Telê pouco conseguia assisti-lo nas quadras e campos por conta do trabalho, mas era um grande incentivador. Tanto que puxava suas orelhas pela rebeldia.
— Ele vivia reclamando: você precisa decidir se quer sair, viajar ou ser jogador de futebol. Era um pai rigoroso, não passava a mão na cabeça, mas foi meu melhor amigo. Sempre estava comigo nas horas difíceis, e apesar de durão, tinha o coração enorme — conta.
Se apaixonou rapidamente por Belo Horizonte e passou a ter o mesmo carinho pelo Galo que seu pai, embora continuasse tricolor.
Além do Fluminense, também herdou a paixão pelo tênis, pelo frango com quiabo e pelo pastel de angu. Isso porque, disse ele, até hoje vai ao interior em busca das iguarias.
Como meia, tentou a sorte como jogador, mas sofreu um acidente de moto que lhe custou a carreira. Trabalhou como auxiliar do pai e como treinador em clubes do interior de São Paulo, Minas Gerais e Brasília.
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‘Maior orgulho' de Telê era ter sido ídolo do Fluminense
Com 17 anos, Telê deixou Minas Gerais rumo ao Rio de Janeiro. Se estabeleceu na Vila da Penha, bairro que ainda moraria após a carreira de jogador.
Nas Laranjeiras, conquistou 10 títulos, entre os juvenis, o profissional e a carreira de treinador. Um amor que nunca morreu. Isso porque seu coração sempre bateu mais forte quando o Fluminense estava envolvido.
— O amor do papai pelo Fluminense ia além do campo. Era o maior orgulho de sua vida ter jogado 10 anos seguidos como profissional do Fluminense. Se dependesse dele, seria a vida toda. Telê se tornou ídolo de seu clube do coração, algo que hoje é impensável — opina Renê.
Telê era centroavante dos juvenis quando Zezé Moreira lhe perguntou, após um jogo, se jogaria na ponta-direita para ajudar Carlyle no ataque. A resposta do Fio de Esperança foi simples.
— No Fluminense eu pego até no gol — disse.
Pelo Fluminense, Telê Santana disputou 559 jogos e marcou 163 gols. Ele é o terceiro que mais entrou em campo pelo clube e o quinto maior artilheiro da história, mesmo como ponta ou camisa 10.
Telê formou Fluminense que bateu Atlético no Brasileiro de 1970
O Campeonato Brasileiro de 1970 demorou 40 anos para ser reconhecido, mas à época, já tinha o peso dos dias atuais. Os grandes favoritos eram Palmeiras e Atlético Mineiro, dois times que ficaram pelo caminho. O título ficou com o Fluminense.
Telê era técnico do Atlético naquele ano. Mas em 1969, após três anos nas divisões de base do Flu, formou a equipe que conquistaria o título.
— Todos os jogadores foram escolhidos a dedo pelo Telê. Ele treinou cada um deles, formou aquele time e, por ironia do destino, acabou derrotado por aquele Fluminense. Dizem que ele não ficou tão triste, e lhe conhecendo bem, aposto que isso é verdade — brincou Renê.
Entre um pão de queijo e outro, Renê e a Trivela escalaram Félix, Oliveira, Galhardo, Assis e Marco Antônio; Denílson e Didi; Cafuringa, Flávio, Samarone e Lula. Um time inesquecível para os tricolores como o filho de Telê Santana, que escalava assim seu time de botão “grande como tampa de relógio”.
Como Telê assistiria a Atlético x Fluminense na Libertadores?
A Trivela iniciou a conversa com Renê Santana com uma pergunta simples: como Telê acordaria na quarta-feira do confronto das quartas de final da Libertadores?
— Sem a menor dúvida correria para a porta, buscaria o jornal e procuraria ler sobre o jogo. Depois, ligaria a televisão ávido por reportagens, ansioso para o jogo — opinou.
A ansiedade não se daria apenas pela torcida pelos dois clubes. Essa paixão pelo futebol motivaria Telê a passar toda sua quarta-feira pensando no confronto.
— Ele não ficaria dividido, torceria pelo Fluminense, com certeza. Mas se o Atlético jogasse melhor e vencesse, não tenho dúvidas que ele mudaria a torcida durante o jogo e também ficaria feliz. Agora, posso dizer com tranquilidade: ele estaria muito nervoso no sofá (risos), e sempre por quem jogava melhor — disse Renê.
Após as perguntas, Renê passou a verdadeiramente imaginar Telê atualmente. Do futebol à política, tentou devanear como o Mestre opinaria sobre o futebol e o Brasil.
Futebol não agradaria ao Mestre, mas Diniz sim
Questionado qual dos técnicos gostaria mais no confronto desta noite, seu filho brincou.
— Nenhum dos dois (risos). Telê certamente preferiria Fernando Diniz — afirmou.
— Os times do Fluminense de 2022 e 2023 ganhariam seu coração, sem a menor dúvida. Telê era um apóstolo do futebol bonito e da justiça da bola. Não admitia as vitórias por gol de mão ou sem merecimento. Isso porque a ele interessava jogar bem, bonito e merecer a vitória. Hoje, acho que gostaria de ver o Botafogo, talvez o Palmeiras — opinou.
‘Telê trocaria a direita pela esquerda no Brasil', opina filho
Homem de opiniões fortes, Telê precisaria se adequar fora dos campos. Renê acha que o técnico, como fez no passado, criticaria muito o calendário.
Reclamaria de tratarem o jogador como máquina — tal e qual Diniz, por que não? — e de tudo o que acontece fora dele. Para seu filho, o Mestre foi um homem de direita, mas mudaria seu rumo no Brasil de hoje.
— Ele votava no Carlos Lacerda, mas precisamos pensar: esse era um político ex-comunista, e que hoje, com a direita pregando a violência, também provavelmente seria considerado progressista. Telê trocaria a direita dele pela esquerda de hoje — opina.
Renê brinca que convenceria seu pai a votar em Lula, mesmo que não fosse um candidato que comungasse das ideias. “Seria a opção”, conta.
— Embora rigoroso e até moralista, não compraria o discurso bolsonarista. Telê era absolutamente contrário à violência e nunca aceitaria uma sociedade com mais armas que livros — afirmou.