Libertadores

Como eliminar o Boca Juniors na Libertadores de 2008 mudou a história do Fluminense

Fluminense repetiu Santos de Pelé ao eliminar o Boca Juniors na semifinal da Libertadores de 2008, e se apresentou à América do Sul

Foram 23 anos sem disputar a competição até que o Fluminense iniciou uma caminhada épica na Libertadores em 2008. Melhor campanha na fase de grupos, o Tricolor bateu o São Paulo em um jogo emocionante nas quartas de final para se classificar para enfrentar o temido Boca Juniors na semifinal. E aquele confronto, com vitória do Flu, mudou para sempre a história do clube.

Nas duas outras vezes em que disputara a Libertadores, em 1971 e 1985, os clubes brasileiros não davam assim tanta importância para a competição até as fases finais. E o Tricolor acabou nem sequer passando das primeiras fases nos dois anos. Já em 2008, o então campeão da Copa do Brasil de 2007 tratava a taça com enorme desejo. Mas havia o “mais temido” pelo caminho.

— Nunca fomos tão longe na competição que dá direito ao clube de disputar o título mundial. A hora é de superação e conquista. Todos sabem que podem entrar para a história do clube. Acredito neles — afirmou o então técnico Renato Gaúcho, na Argentina, antes do primeiro jogo da decisão.

Em 2008, Fluminense se preparava para a semifinal contra o Boca Juniors, o time mais temido da Libertadores - Foto: Acervo O Globo
Em 2008, Fluminense se preparava para a semifinal contra o Boca Juniors, o time mais temido da Libertadores – Foto: Acervo O Globo

Fluminense era azarão e Boca Juniors, o ‘mais temido' da Libertadores

O temor não era à toa. O Fluminense nunca tinha feito um gol em times argentinos em Buenos Aires, e o Boca Juniors jamais havia sido eliminado nas semifinais neste modelo. Renato Gaúcho, acostumado a surpreender favoritos vestindo verde, branco e grená como jogador, confiava que teria o mesmo êxito como técnico.

— Desde que assumi o Fluminense, escuto isso e temos quebrados todas as escritos. Repito: é um jogo de 180 minutos e segundo é no Maracanã, com nossa torcida pressionando o Boca. A hora de fazer história chegou — finalizou Renato para o Jornal “O Globo”.

Jornal O Globo destacava a mística do Boca Juniors às vésperas de semifinal da Libertadores contra o Fluminense, em 2008 - Foto: Acervo O Globo
Jornal O Globo destacava a mística do Boca Juniors às vésperas de semifinal da Libertadores contra o Fluminense, em 2008 – Foto: Acervo O Globo

Do outro lado, entretanto, estava o Boca Juniors. E não era um time qualquer. Os atuais campeões da Libertadores tinham na escalação Ibarra, Morel Rodríguez, Battaglia, Riquelme, Palacios e Palermo, que estão até hoje na galeria dos grandes ídolos do clube.

Os argentinos viviam grande fase na Libertadores. Foram campeões em 2000, 2001, 2003 e 2007, pararam na final em 2004, nos pênaltis, e nas quartas de final em 2002 e 2005. Era o bicho-papão da geração. Eliminara todos os brasileiros que enfrentou na década: Palmeiras, Vasco, Paysandu, Santos e São Caetano. Na verdade apenas o Santos de Pelé, em 1963, havia eliminado o Boca entre os brasileiros.

Fluminense arranca empate do Boca Juniors na ida

O jogo de ida foi melhor do que os tricolores esperavam. Até porque a partida foi no El Cilindro de Avellaneda, do Racing, já que La Bombonera estava fechada após confusões em jogo das oitavas de final contra o Cruzeiro. Fora de sua cancha, o Boca até jogou bem, mas o Flu arrancou empate.

Fluminense arrancou empate com gols do Boca Juniors em Avellaneda pela Libertadores em 2008. Motivo para festejar - Foto: Acervo O Globo
Fluminense arrancou empate com gols do Boca Juniors em Avellaneda pela Libertadores em 2008. Motivo para festejar – Foto: Acervo O Globo

O time argentino saiu na frente com Riquelme logo aos 11 minutos de jogo, na já conhecida pressão inicial do Boca. Mas no que foi uma tônica na competição, o Tricolor não se deixou abalar. Três minutos depois, Thiago Silva subiu mais que todo mundo e completou cruzamento de Thiago Neves para bater Migliore e empatar o jogo.

Na segunda etapa, o Boca mais uma vez voltou melhor. E tinha Riquelme, o maior jogador da história da competição. Em uma cena que parecia a epítome do que é enfrentar o Boca Juniors na Libertadores, o camisa 10 reclamou da barreira por três minutos, esfriou o jogo, ignorou um amarelo e acertou a bola no ângulo de Fernando Henrique para desempatar.

Parecia um balde de água fria. Mas não seria porque, assim como emendava times campeões e craques, o Boca não conseguia arrumar um substituto à altura para Abbondanzieri, que deixara o clube em 2006. Caranta, campeão em 2007, não era dos melhores. Nem Migliore. O arqueiro argentino aceitou um voleio despretensioso de Thiago Neves. Era um empate para festejar.

Dodô sai do banco para a eternidade do Fluminense

O empate com gols na ida fazia do Fluminense menos azarão na semifinal. A campanha no Maracanã era perfeita: cinco jogos e cinco vitórias. Mais de 85 mil pessoas tinham ingressos garantidos. Mas nem elas imaginavam o que aquela noite de 4 de junho de 2008 reservaria.

Como toda história épica, os 90 minutos de jogo tiveram contornos de dramaticidade. O Fluminense começou o jogo mal e saiu atrás. Dátolo tirou Ygor para dançar na ponta e colocou na cabeça de Palermo, que venceu Fernando Henrique e calou o Maracanã.

O segundo tempo, por outro lado, reservava um personagem especial.

Dodô não comemorou, mas fez história pelo Fluminense sobre o Boca Juniors na Libertadores - Foto: Reprodução/Twitter
Dodô não comemorou, mas fez história pelo Fluminense sobre o Boca Juniors na Libertadores – Foto: Reprodução/Twitter

Um dos grandes reforços para 2008, o atacante Dodô deixara o rival Botafogo para formar o ataque dos “Três Tenores” com Washington Coração Valente, herói das quartas de final, e Leandro Amaral, também de um rival, o Vasco, que acabou se enrolando na justiça e pouco atuou pelo Tricolor.

Destaque no início da Libertadores, ele não tinha bom relacionamento com o técnico Renato Gaúcho e estava no banco.

De lá saiu para mudar a história da partida, do Fluminense e do Boca Juniors.

Em um de seus primeiros lances, sofreu falta na entrada da área, aos 16. Na cobrança, Washington empatou o jogo e levantou o Maracanã. Nove minutos depois, foi garçom: ganhou no meio campo e passou para Conca, que virou o placar. Aos 47 do segundo tempo, quando o Tricolor já estava classificado, veio o apogeu da festa: em um momento de catarse, rabiscou pela zaga e deslocou Migliore para marcar o terceiro.

Dodô nem comemorou, mas pouco importava: a parte tricolor do Rio de Janeiro estava em festa. O Fluminense disputaria sua primeira final da Libertadores.

O Fluminense bateu o Boca Juniors no Maracanã antes de se classificar para a final da Libertadores de 2008 - Foto: Acervo O Globo
O Fluminense bateu o Boca Juniors no Maracanã antes de se classificar para a final da Libertadores de 2008 – Foto: Acervo O Globo

‘Muito prazer Boca Juniors, Fluminense'

Após o jogo, Renato Gaúcho resumiu o sentimento dos tricolores. Passadas duas semanas de muitas declarações no Brasil e na Argentina que davam como certo mais um título do Boca Juniors tendo apenas América-MEX, LDU e Fluminense como rivais, o treinador tratou de apresentar o Tricolor para o mundo.

— Muito prazer, Boca Juniors. Fluminense — disse.

'Muito prazer Boca Juniors, Fluminense', foi a declaração do técnico Renato Gaúcho após a épica classificação na Libertadores de 2008 - Foto: Acervo O Globo
‘Muito prazer Boca Juniors, Fluminense', disse Renato Gaúcho após a épica classificação na Libertadores de 2008 – Foto: Acervo O Globo

A frase eternizou o que seria um momento de reviravolta.

De lá para cá, o Boca Juniors disputou as finais em 2012 — quando eliminou o Tricolor — e 2018, mas não levantou mais nenhuma taça. Deixou de ser bicho-papão, viu o rival River Plate se estabilizar e agora tenta conquistar seu sexto título da competição contra um time que já lhe surpreendeu antes.

O Fluminense ainda não conquistou a Libertadores, mas venceria o Campeonato Brasileiro em 2010 e 2012, marcando uma das gerações mais vitoriosas da história do clube.

A noite épica do Fluminense que eliminou o Boca Juniors da Libertadores em 2008 - Foto: Acervo O Globo
A noite épica do Fluminense que eliminou o Boca Juniors da Libertadores em 2008 – Foto: Acervo O Globo

Passou a ser mais conhecido na América do Sul do que muitos ex-campeões da competição tanto do Brasil quanto do resto do continente. Causou medo no River Plate e em times de fora da Argentina. Se apresentou para a Libertadores, que virou obsessão.

No sábado (4), Fluminense e Boca Juniors se reencontram no Maracanã às 17h (de Brasília). Desta vez, na final da Libertadores. Em que pese a história vencedora dos argentinos, o jogo não tem favorito, e a equipe de La Bombonera sabe bem quem vai enfrentar. Como diz um antigo cântico da torcida feito para a competição em 2008: “Alô, América do Sul. Cuidado! O Fluminense vem aí!”.

Foto de Caio Blois

Caio BloisSetorista

Jornalista pela UFRJ, pós-graduado em Comunicação pela Universidad de Navarra-ESP e mestre em Gestão do Desporto pela Universidade de Lisboa-POR. Antes da Trivela, passou por O Globo, UOL, O Estado de S. Paulo, GE, ESPN Brasil e TNT Sports.
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